7.18.2007

uma noite sem chaves

Vou sozinho ao cinema, ver The Dead Girl. O filme acaba já passa da uma e meia da manhã. Fico indeciso se ainda passo no melhor bar do mundo para beber um copo ou se vou para casa. Entro no carro e decido: nem uma coisa nem outra. Vou beber uma copo mas a um sítio onde ninguém me conheça, e conduzo sem saber muito bem para onde. Entro num bar e reparo que só há mesas grandes, no mínimo para quatro pessoas.
Bebo duas cervejas enquanto escrevo no moleskine nomes ao acaso, nomes verdadeiros de homens e mulheres. Escrevo o nome de todos os que me lembro, desde colegas da escola primária e amigos de infância, até pessoas que nunca vi mas só conheço pela internet. Alguns até já morreram, outros nem sei.
Saio do bar e vou pra casa. Foda-se! Esqueci-me da chave. Agora ou durmo no carro ou telefono a alguém que me dê um tecto por uma noite. São quase três da manhã. Um dos meus melhores amigos vive em Lisboa, o outro vive em Aveiro mas está no Porto, a última mulher com quem dormi nem sequer me fala, a penúltima não me pode dar um tecto por falta de condições. Foda-se, só me resta uma hipótese. E ligo-lhe.
Ligo-lhe mas não me atende. Mando uma mensagem: “preciso de falar contigo urgentemente”, e vou para o carro ouvir música. Tenho mais hipóteses mas a esta hora não consigo ser oportuno. Ela telefona-me e pergunta qual é a urgência. Explico que não tenho onde dormir, que a sério que não é para retomar uma coisa que morreu há meses, que é só um tecto e por uma noite. Que posso ir, diz ela, mas avisa-me que está lá o namorado dela. Fixe.
Esqueci-me qual é a campaínha, por isso dou um toque para o telemóvel. Ela abre a porta e eu subo. O namorado afinal não está. Saiu quando ela lhe disse que eu ia lá dormir e, pelo que percebo, zangaram-se por minha causa. Que merda. Amanhã falo com ele e explico tudo. Tenho que ser eu, ou talvez até não. Se ele se zanga por causa disto é um problema dele. Não é meu.
Ela pergunta-me se quero beber alguma coisa. Vermute, se ainda costuma ter. Que sim, diz. E eu bebo dois. Conversamos sobre tudo. Que nunca mais nos falámos. Que eu gostei do filme. Que ainda não tive nenhuma relação a sério desde ela, só a brincar. Que, aliás, ela também não foi assim muito a sério. Rimo-nos. A zanga do namorado já não é importante. Que precisa de mudar a torneira da cozinha. Que eu mudo se ela a comprar. Que eu sou sempre prestável. Que nem por isso, digo.
Ela aproxima-se e senta-se ao meu lado. Que é melhor não, explico-lhe. Que só queria mesmo um tecto e não era um truque. Ela parece que se vai zangar também comigo mas depois acalma-se. Eu durmo no chão, digo-lhe. Que tem algumas saudades minhas, diz. Eu também tenho, respondo, mas eu é só porque estou sozinho. Senão não tinha. Senão não tinhas? Não, não tinha. Além disso ela tem um namorado. Que não sabe se ainda tem e a culpa é minha.
A culpa é minha, repete. Que no chão não me deixa dormir. E deita-me no sofá com um empurrão. Diz que dorme comigo no sofá. Que não, que é uma estupidez. Dormimos os dois na cama, então. Eu levanto a voz controladamente, que não quero dormir na cama onde acaba de estar com o namorado. Ela percebe. Dormimos os dois no sofá. Só dormir.
É manhã e agradeço. Vou para o carro. Na despedida não sei se a beijo nos lábios ou na face. É um beijo trapalhão por isso. São os melhores até, porque são indecisos. Entro no carro e abro o porta-luvas. As chaves de casa estão ali,brilhantes e a gozar comigo. Foda-se (só em pensamento).

15 comentários:

Anónimo disse...

Que belo sonho:)!

ah e tal disse...

Por vezes(atenção por vezes) pode haver males que vêm por bem.....;)

Ivar C disse...

lol, sereia, ;)

ah e tal, mas isso é só por vezes. :)

sagher disse...

tens um premio no meu blog. vai e recolhe.
beijo

Ivar C disse...

sagher, adoro prémios... vou já lá...

Elora disse...

Acto falhado, no mais puro estilo freudiano.

Patrícia Manhão disse...

Que situação.....ainda bem que correu bem......eu iria a correr para casa da mãezinha..

Anónimo disse...

Essa ainda gostava de ti, sortudo. O namorado é que ficou a arder com a história. Tenho que começar esquecer-me das chaves, pois nunca tinha pensado nisso...
Identifiquei-me particularmente com o "beijo trapalhão", pois, actualmente também nunca sei onde beijá-la...amizades coloridas são assim...

Ivar C disse...

elora, a actos falhados já me habituei... :)

patrícia, se eu telefonasse à minha mãe às 3 da manhã... hum... hum... ia correr mal. :)

pedro, os beijos trapalhões são sempre bons, apesar de tudo... abraço. :)

Anónimo disse...

Seria o teu inconsciente a falar?
Carla

Ivar C disse...

lol, carla, ou até o meu consciente... :)

Fatyly disse...

Dormimos os dois no sofá. Só dormir. e o beijo trapalhão

as "chaves" da amizade e carinho que ficaram.
Sonho ou realidade, realidade ou sonho...tanto faz, o certo é que acontece.

Ivar C disse...

fatyly, pois acontece.. e às vezes nem eu sei o que é realidade ou imaginação... :)

JPN disse...

muito, muito bom! :)

Ivar C disse...

obrigado jpn