pensamentos catatónicos (351)
Estou no comboio entre Manchester e
Londres. Entrei apenas em Stoke-On-Trent e vou sair em Wolverhampton,
onde tenciono apanhar uma ligação secundária para Cosford. É lá
que existe um museu da Royal Air Force e uma base aérea militar
importante que pretendo visitar.
Levo no pensamento que esta viagem de
comboio pode ser um pouco como a vida. Entramos ignorando o passado e
saímos desconhecendo o futuro. São assim o nascimento e a morte. É
assim a vida e tento reconfortar-me precisamente com a ideia de que
quando sair vou para outro lugar.
Em Stafford a vida faz uma paragem. As
portas abrem-se e ajudo uma mulher a carregar duas malas pesadas para
dentro do comboio. É a única passageira que entra, pelo menos pela
porta onde eu estava encostado e perdido nos meus pensamentos. Dou-me
então conta de que sou o único que decidiu não se sentar e seguir
a viagem em pé. Ela agradece-me com um sorriso forçado. É bonita e
é Inverno. Tem a pele feita de neve e o olhar azul e frio esculpido
em gelo.
Enquanto eu coloco as malas, uma a uma,
nas prateleiras que os comboios da Cross Country têm para o efeito,
ela vira-se para a porta aberta. Lá fora três pessoas acenam um
adeus em gestos lentos. São duas mulheres mais velhas e um rapaz que
não deve ser ainda maior de idade. Bye, vão dizendo como se fossem
um coro desafinado.
Conheço aquele adeus. Vi-o na minha
mãe quando emigrei. É um adeus tortuoso, uma tristeza grande
escondida por um sorriso maior. Depois o comboio apita e a porta
fecha-se. É a vida que continua apesar de nós, apesar do que
sentimos e do que queremos. Apetece-me abraçar a menina Inverno mas
não o faço. Ela torna a agradecer-me e vai-se sentar. Thank you,
diz.
Pudesse eu ser Primavera por um momento
e abraçava-a. Ter a pele quente e os olhos dum campo florido
qualquer. Mas não tenho. Adivinho que ela amanhã vai estar tão
longe quanto eu estou agora e desejo-lhe sorte. Se é que isso
existe.