8.22.2013

nome


A Post-it, pelo menos través desta sua publicidade, parece dar uma estranha importância ao seu produto. Quando um homem leva uma mulher para a cama, escreve-lhe o nome na testa para se lembrar dele quando acordar. Quem teve a ideia de fazer este anúncio, se for homem, nunca foi para a cama com uma mulher. Se tivesse ido, sabia perfeitamente que os homens nunca engatam mulheres. O melhor que lhes pode acontecer é a mulher deixá-los pensar que sim, e isso acontece precisamente quando, uns dias depois, ainda se lembram do nome deles.

8.20.2013

conversa 2032

Ela - Já estou arrependida de ter comprado um carro novo.
Eu - Porquê?
Ela - O meu marido não faz mais nada senão limpar a porcaria do carro.
Eu - É por ser novo.
Ela - A minha casa tem três quartos e eu limpo-a em metade do tempo que ele gasta com o automóvel, mas ele em casa não limpa nada. Já o avisei que um dia destes vai dormir para o banco de trás do seu querido Renault...

8.19.2013

conversa 2031

Ela - O meu marido gosta demasiado de mim.
Eu - Demasiado?!
Ela - Sim. Precisava que ele gostasse menos de mim, que era para eu conseguir gostar mais um bocadinho dele...
Eu - Confundes-me totalmente.
Ela - Isso é porque não percebes nada de desafio.
Eu - Que desafio?
Ela - Desafio, pá. Se um gajo não nos desafia em nada, perde o interesse.

8.18.2013

não é só pelos touros

é por todos nós

Já lá vou ao episódio triste (mais um) da tourada de Viana do Castelo. Primeiro regresso trinta anos atrás, à minha Aveiro de criança e aos copos de gasosa Uprel que eu bebia por vinte e cinco tostões na genuína tasca do senhor Seabra, a uns vinte metros da fonte dos Amores.
Nessa tasca misturavam-se as crianças que bebiam Uprel e os adultos que bebiam vinho. Demasiado vinho, diga-se de passagem. Tanto, que mais tarde ou mais cedo as palavras começavam a sair da boca sem controle nenhum, sempre em direcção à filha desse homem que ainda teimo em chamar de senhor.
Um desses homens era conhecido por ter assassinado a mulher à pancada, numa lenta e longa tortura que hoje em dia já tem nome e algum enquadramento jurídico. Chama-se Violência Doméstica e é um crime público.
Era um fim de tarde e eu refrescava-me com esse milagre de água açucarada e gaseificada quando alguns homens, a custo, se levantaram para irem jantar. Um deles, tão inclinado como a torre de Pizza, também se ergueu, mas recusou-se a dar os primeiros passos.

- Eu só vou para casa quando me apetecer, que não tenho mulher em casa que mande em mim. A essa cabra, já a matei há anos!

É verdade que esse homem me assustava. Apenas o senhor Seabra me acalmou um pouco nesse momento, quando se aproximou dele e o expulsou do estabelecimento. Lá fora, ainda o ouvi praguejar.

- Oh! Seabra, se quiseres também mato a tua!

Gerou-se alguma confusão. Aquele tipo, que se orgulhava de ter assassinado uma mulher, estava de orgulho ferido e não aceitava ser expulso de lugar nenhum. Alguém tentava pôr água na fervura e pedia calma. Eu aproveitei uma abertura e fugi. Voltei a esta história uns dias depois, quando percebi que a maior parte desse grupo de clientes estava proibida de entrar na taberna pelo próprio senhor Seabra.

- Não é pela mulher. É por todos nós! - ouvi-o explicar a uns quantos clientes curiosos.

Esta foi uma das histórias de violência da minha vida, da qual nunca mais me esqueci. Outra delas passou-se ontem e vi-a apenas através do ecrã da televisão da casa duma amiga. Uma mulher ainda jovem, que se manifestava contra a organização duma tourada, era arrastada pela polícia. Alguns manifestantes, indignados, manifestavam-se a alguma distância.
Lembrei-me da frase do senhor Seabra, há mais de trinta anos atrás. É que não é só pelos touros e pelo sofrimento animal, embora o seja principalmente. É também por todos nós. A tourada não é uma tradição, não é um espectáculo cultural. Não é nada, a não ser um acto de violência que nos envergonha a todos pelo simples facto de existir. É um retrocesso civilizacional e uma amostra do quão animalesca pode ser a nossa espécie. A humana.
Agradeço a essa jovem arrastada e a todos os outros manifestantes de Viana do Castelo. Não só pelos animais, mas também por todos nós. Obrigado.

8.15.2013

pensamentos catatónicos (298)

Estou na piscina dum empreendimento turístico no Algarve. Ao meu lado direito deita-se uma mulher inglesa, que sei que é de Manchester porque já a conheci, para apanhar Sol. Está assim há vários dias, como se o Sol acabasse amanhã, e varia apenas entre duas posições: ora de costas, ora de barriga para cima. Normalmente está sozinha porque o marido dela, um homem um pouco mais velho do que eu, raramente sai do apartamento. Quando sai, é para lhe dar um beijo e desaparecer de novo.
Depois dela, uma irlandesa faz mais ou menos ou mesmo. Passa os dias a ler e a apanhar Sol, com a singularidade que o faz sempre em pé. Nunca a vi deitada. É capaz de estar horas seguidas na vertical. Deve ter cerca de cinquenta anos de idade e já a ouvi várias vezes a dizer ao marido para  deixar em paz.

- Leave me alone! - diz quando ele a chama por qualquer motivo.

À minha esquerda está um casal mais novo, dum país qualquer do leste. Ou russo ou ucraniano, acho eu. Ela é extremamente bonita e podia ser modelo. Passa os dias a ler deitada, de vez em quando protegida pela sombra dum guarda-sol. Pontilha os seus dias com um mergulho naquela sopa de cloro que está à minha frente e, quando o faz, o marido, que está sempre ao lado dela em silêncio, imita-a e mergulha também.
Por qualquer motivo, parece-me sempre que os homens são uma espécie de satélites das mulheres. Elas apanham Sol, eles esvoaçam à sua volta como moscas tontas. 
É o meu caso.Sempre foi.

8.14.2013

conversa 2030

(com uma inglesa, de Manchester, no Algarve)

Ela - Todos falam da crise económica em Portugal, mas quem cá vem não repara em crise nenhuma. Vive-se bem em Portugal.
Eu - Onde é que já foste, para além desta estância turística?
Ela - Não fui a lado nenhum. Passo os dias junto à piscina. Trabalho muito durante o ano todo e agora só me apetece estar aqui deitada a apanhar Sol.

8.13.2013

coisas que fascinam (162)

A memória mais forte que tenho dela é o toque dos seus dedos. Foi com ela que aprendi que a compatibilidade entre duas pessoas pode ser o toque, muito mais do que a voz, a semântica ou o cheiro. Ou melhor, os toques todos. Aqueles que acontecem quando se dá a mão na fila do supermercado e se discute o preço dos chocolates, mas também os outros, que nascem e morrem no segredo duma cama.
Por causa desses toques, caminhámos em silêncio durante uma parte importante da nossa vida, unidos pelos dedos. Uma vez parámos num pequeno café em Espanha, a caminho de lugar nenhum. Lembro-me das ruas desertas, do calor intenso e do estranho sabor agridoce na boca, logo pela manhã. Era ali que eu tinha prometido levá-la, para a devolver a casa depois daquele tempo que decidimos ser o nosso. Deu-me um abraço, estendeu-me a palma da mão esquerda no ar e colou a dela à minha. Ao afastá-la, brincámos com as pontas dos nossos dedos, como se todos os toques estivessem ali guardados.
Acho que ainda estão. Eu, pelo menos, ainda os sinto.

8.12.2013

conversa 2029

(ao telefone)

Ela - Eu pus fim à minha relação porque o meu marido me anulava constantemente.
Eu - Anulava?!
Ela - Sim, por exemplo, nas conversas com mais amigos ria-se sempre das coisas que eu dizia, como se eu fosse uma pateta. Era sempre assim...
Eu - Estou a ver... mas ainda andaste uns anos com ele.
Ela - Pois andei, não sei bem porquê. Ou melhor, até sei.
Eu - E porquê?
Ela - Quando estávamos só os dois, ele era fantástico.
Eu - Ah!
Ela - Nunca percebi como é que um homem tão bom a sós consegue ser tão mau quando se junta mais gente, mas acho que isso é uma coisa muito masculina.
Eu - Também há mulheres assim.
Ela - Também?!
Eu - Sim. Sei-o por experiência própria.
Ela - Lá está, nada impede uma mulher de ter algumas características masculinas.

8.09.2013

regador

Uma mosca bate insistentemente no vidro da janela da sala, provocando um ruído constante que corta o silêncio sepulcral daquele compartimento. É a primeira vez que Sofia, estendida no longo sofá vermelho, pensa em si mesmo em termos evolutivos. A mosca, que tendo em conta as origens unicelulares da vida até pode ser considerada um animal complexo, não consegue atravessar aquela superfície transparente, nem sequer consegue chegar à conclusão que não vale a pena insistir. Ao observá-la, Sofia dá-se conta do longo caminho que foi preciso percorrer para ser ela mesma, uma mulher estendida num sofá a pensar nas incapacidades duma mosca para atravessar um vidro.
Acredita que as moscas tentam apenas prolongar a existência da sua espécie, mesmo que nenhuma delas tenha propriamente consciência disso. Está-lhes nos genes. Voam, alimentam-se e reproduzem-se. Porque é que os Homens não são assim? Porque é que na nossa espécie há indivíduos com comportamentos que se desviam desse objetivo simples? Não sabe a resposta. Sabe apenas que não a consegue encontrar dentro daquilo a que se habituou a chamar probabilística e que está, muito provavelmente, na base desta estranha forma de ser da humanidade.
 Ela própria não se entende, o que é muito mau para começar. Está ali deitada com um profundo sentimento de derrota que não consegue contextualizar em nada de concreto. Talvez apenas na sua vida toda, desde que nasceu até há poucos dias atrás. Aos trinta anos não tem família que consiga tratar como tal, pois abandonou o pai e a mãe quando tinha doze anos. Além disso nunca teve filhos, nem tão pouco um homem a que pudesse chamar seu. Não por falta de candidatos, mas sim porque nunca se interessou verdadeiramente por nenhum dos que lhe passaram pelas mãos.
Agora que pensa nisso, a única vez que esteve realmente apaixonada foi ainda na escola primária, quando um rapaz chamado Sandro se sentou ao lado dela logo no primeiro dia de aulas. Não o fez por nenhum motivo especial, mas apenas porque o professor sentou todos os alunos por ordem alfabética. Olharam um para o outro e ela cumprimentou-o com o olhar. Ele sorriu-lhe, o que foi suficiente para criar essa sua primeira paixão.
 O Sandro era um rapaz diferente de todos os outros. Não jogava futebol no intervalo das aulas, nem sequer gostava de qualquer atividade física como qualquer criança da sua idade. Passava o tempo livre sozinho, com um regador de plástico na mão a deitar água a tudo o que era árvore, flor ou até erva daninha. Todos os colegas gozavam com ele, menos a Sofia, que um dia lhe declarou Amor.

- Gosto de ti! - disse.

 O Sandro continuou a regar um canteiro de rosas como se nada fosse. Desde então, nunca mais nenhum homem a cativou da mesma maneira. É como se o género masculino fosse composto por indivíduos todos iguais. Tirando um pormenor ou outro, nenhum consegue elaborar uma frase de engate que se encaixe no que ela quer, o que é uma pena porque adora sexo.
Sempre que tem sexo, aliás, é porque engata um homem qualquer. Nunca nenhum homem a engatou a ela. Normalmente prefere tipos um pouco mais velhos, com um máximo de cinquenta anos, que se vistam discretamente e possuam um sentido de humor constante mas que não seja óbvio. Não gosta de homens com o cabelo muito comprido e detesta aqueles que são mais baixos do que ela.
Com estas exigências, consegue engatar em média um homem por semana, sempre num bar de hotel. Desta forma, tem a certeza que o companheiro sexual não é de Lisboa, a cidade onde vive, e por isso não a tornará a chatear tão cedo para um novo encontro. Tem uma vida sexual satisfatória e nunca se prende a ninguém, o que lhe parece muito bem.
Ontem à noite vestiu uma saia curta e uma camisola apertada que lhe realça a forma dos seios. Depois apanhou um táxi e foi beber um copo no bar dum hotel central da capital. Esteve ali uma hora e meia sem que nada acontecesse, a fumar cigarro atrás de cigarro e a meter conversa com o barman para matar o tempo, até que finalmente avistou uma presa.
Um homem de meia idade, ainda com o cabelo todo e pouca barriga sentou-se no mesmo balcão, a três bancos de distância, e pediu um vermute com limão. Trazia uma mala e desapertou o nó da gravata assim que a pousou. Ela aproximou-se dele e perguntou-lhe se lhe podia fazer companhia. Disse que uma amiga, com quem tinha combinado um encontro, lhe tinha telefonado a dizer que afinal não podia aparecer. Desculpa habitual neste tipo de encontros. Ele concordou, acenando afirmativamente com a cabeça.
Vinte minutos depois estavam no quarto 408. Ele deitou-se vestido e foi ela que o despiu. Começou por massajar-lhe o pénis durante alguns minutos e depois pôs-se em cima dele, penetrando-se devagar com aquela excitação que parecia duma estátua. Ele não se mexia, mas continuava com o falo ereto como se fosse de pedra. Na altura exata ela pediu-lhe que se viesse, o que ele conseguiu fazer com uma competência fora do normal.
Ao contrário do habitual, deitou-se ao lado dele e dormitou um pouco. Quando acordou estava já viciada no seu cheiro e na sua pele. Elogiou-lhe a capacidade sexual e perguntou-lhe como é que ele conseguia vir-se na hora h. Ela não estava nada habituada a homens assim. Normalmente, ou são demasiado rápidos ou extremamente lentos.
Ele explicou-lhe que nunca teve uma companheira regular, por isso habitou-se a ter sexo apenas quando consegue e com quem consegue. Apesar de poucas vezes, a diversidade deu-lhe experiência suficiente para controlar o momento do orgasmo.

- Nunca estiveste apaixonado? - Perguntou-lhe.
- Na escola primária houve uma miúda que me me disse que gostava de mim. Não lhe respondi porque estava entretido a regar rosas. Desde então, nunca mais consegui declarar amor a ninguém.

 Agora Sofia está ali, deitada num sofá vermelho a ver uma mosca bater insistentemente no vidro da janela.