relógio
Foi com doze anos, e com o primeiro relógio que os meus pais me deram, que me aproximei dela na escola. Poucos alunos, ou se calhar nenhum, tinham relógio, e nós ficávamos os dois a olhar para o percurso cíclico dos ponteiros do meu como se isso fosse um privilégio, sem perceber que era por eles que um dia deixaríamos de ser crianças. É, aliás, essa a magia de contar o tempo quando se tem doze anos: pensar-se que se é imortal, tão interminável quanto o universo. Conta-se o tempo em direcção a lugar nenhum. Nem sequer à morte.
Perguntei-lhe uma vez quantas voltas já teriam dado aqueles ponteiros desde que tínhamos nascido, e ela respondeu-me simplesmente que o relógio tinha sido feito depois de nascermos, pelo que não era possível saber. Foi a resposta mais inteligente que me podia ter dado, pois foi também com esse relógio que me apercebi que uma volta inteira não demorava sempre o mesmo. Era rápida quando ela estava ao meu lado, era lenta quando ela não estava. O tempo era mais elástico do que o Amor que eu começava a sentir por ela.
Eu e ela fomos apenas crianças nessa elasticidade do tempo. Não mais do que isso. Nunca crescemos juntos, nunca trocámos olhares cúmplices, nunca fizemos Amor, nunca nos Amámos verdadeiramente. Por isso para mim ela ainda é a mesma miúda de sempre, que deve andar por aí a correr atrás de folhas secas para esconder dentro de livros, como me lembro de a ver fazer.
Lembrei-me dela uma vez, quando me apercebi que o Amor é uma armadilha. Acho eu, pelo menos. É que quando nos apaixonamos por alguém que se apaixona por nós também, acreditamos que temos resolvido o problema maior da vida: a felicidade. Depois disso é só tratar de coisas mesquinhas, tipo trabalho e dinheiro. Mas não é. O Amor não resolve definitivamente nada. E é por isso que é uma armadilha. Lembrei-me dela com alívio nessa altura, por não ter sido ela a armadilhar-me.
Hoje lembrei-me outra vez, quando precisei de saber as horas e não tinha como. Tinha-me esquecido do telemóvel e em adulto decidi deixar de usar relógio no pulso. Decidi deixar de contar o tempo. Acho que foi por isso que decidi também Amar assim, da maneira que Amo hoje, como se não houvesse tempo e não tivesse que Amar tudo hoje.
Ontem uma amiga perguntava-me porque é que eu ainda não vivo com a minha namorada. Por isso mesmo, para que ela não se canse de mim, nem eu dela. Isso é Amar? Isso é querer Amá-la a vida toda, dê ela as voltas que der aos ponteiros do relógio.