8.31.2011

coisas que fascinam (132)

a paixão dá-se pelos peidos

Quem escreve sobre o Amor por uma mulher tem a mania de escrever sobre os olhos de quem Ama, sobre os cabelos, os seios ou o coração. É esse o erro da literatura sobre o Amor. Gostar do olhar duma mulher, dos seus cabelos ou seios é fácil. O coração então é mesmo algo que não leva a lado nenhum. Não prova nada, não quer dizer nada. O coração, tal e qual como é falado no Amor, é o abstracto. É uma bóia de salvação para quem está oco das ideias. "Como não sei o que te hei-de dizer, vou-te dizer que te amo do fundo do coração".
A paixão dá-se pelos cotovelos, pelos calcanhares, pelas orelhas, pelo ranho dos espirros, pelos arrotos e peidos. Quando Amamos isto numa mulher então Amamos mesmo essa mulher. "Eu Amo-te porque se deu a coincidência de gostar de tudo isto em ti. O resto, as mamas, as pernas, os cabelos e o cheiro a primavera, claro que também gosto. Mas disso gostaria sempre, mesmo que não gostasse de ti".

respostas a perguntas inexistentes (174)

Não vim aqui durante algum tempo por uma razão muito simples: quis aproveitar ao máximo os últimos dias de férias da minha filha e decidi ficar só com ela. Ficar só com ela significa que não perdi tempo a navegar na internet, não saí para estar com amigos e nem sequer fui a casa da minha namorada. Não fiz mais nada a não ser passear com ela, pôr a conversa de pai para filha em dia, fazer-lhe os almoços e os jantares, ensiná-la a filmar e levá-la ao cinema.
Uma pessoa pode estar com outra uma vida inteira, mas se não estiver a sós com ela de vez em quando é porque nunca está verdadeiramente com ela. É uma das manias que o Amor tem, não querer dividir a atenção por mais ninguém. Não se pode Amar e fazer outra coisa ao mesmo tempo, e é por isso que eu gosto de estar também a sós com a Raquel. Estar a sós com alguém é uma prova de Amor, porque não o conseguimos fazer com quem não gostamos verdadeiramente.

8.25.2011

conversa 1818

(na cozinha)

Ela - Abre a porta do terceiro armário a contar da esquerda, por favor.
Eu - Já está.
Ela - Agora, na prateleira do meio, tens quatro pacotes. O primeiro é de açúcar, o segundo é de farinha, o terceiro é de arroz e o quarto é de massa. Traz-me o terceiro, ou seja, o de arroz.
Eu - E porque é que não me pediste logo para te passar o arroz?
Ela - Eu até pedia, mas tu ias perder meia hora só a procurá-lo. Depois eu ia dizer-te que estava nesse armário, tu ias abri-lo e não o conseguias ver, e quando me respondesses "não está aqui nada!" eu ia ficar nervosa e gritar contigo. Assim é mais rápido e evita-me dissabores...
Eu - Epá...
Ela - Traz-me também uma mini, por favor.
Eu - E não me queres explicar onde estão as minis?
Ela - Essas eu sei que tu sabes. Vais lá direitinho...
Eu - Estou-me a sentir um idiota.
Ela - Mas é ou não é verdade que nunca encontras nada do que eu te peço a não ser que seja cerveja?
Eu - Maisssssoumenossssss!
Ela - Sim, e vinho também.

8.24.2011

conversa 1817

(na praia)

Ela - Esta praia é mesmo bonita, não é?
Eu - É. Estás a falar da praia ou das pessoas que a frequentam?
Ela - Da praia, claro, e tira os olhos dessa morena para quem passaste a manhã toda a olhar.
Eu - Qual?
Ela - Essa que está com aquele mulato que é só músculo.
Eu - Não me digas que passaste a manhã toda a olhar para ele.
Ela - Estava a tentar descobrir a mulher para quem estavas a olhar e bati com os olhos nele. O que é que queres?
Eu - Não quero nada. Esta praia é mesmo bonita, não é?
Ela - É. Por acaso é.

coisas que fascinam (131)

o engolidor de fogo

Há duas maneiras de enfrentar um desaguisado com alguém: engolir ou cuspir. De facto, quem não quer discutir tem sempre a opção de engolir a sua própria opinião e contornar o problema. Eu prefiro sempre discutir, para que um dia mais tarde não tenha nada atravessado na garganta.
Foi o que me aconteceu hoje com a Raquel. Ela queria alugar um barco para passearmos com os miúdos na praia, eu não queria alugar nada. A minha opinião é que os putos, que estas férias já tiveram direito a um parque aquático, a doces todos os dias, a uma piscina e a uma praia, começam a ficar mimados e perdem a noção da realidade. Acho um perigo uma criança considerar que tudo está garantido à partida.
A Raquel até concorda comigo, por isso já tinha posto uma regra à compra de doces e impôs-lhes um limite de um euro por dia para um gelado. Quem quer comprar um gelado de €1,90, por exemplo, tem que andar nove dias a comer gelados de €0,90. Agora deu-lhes a escolher entre esse doce diário e o aluguer de barco. Ele abdicaram dos doces até ao fim das férias.
A discussão acabou, e quando digo que acabou é porque acabou mesmo. De vez. Chegámos a um acordo e não voltámos para casa chateados um com o outro. Já tive relações em que isto era impossível, e não estou a fugir à responsabilidade. Eu próprio já fui um engolidor de fogo, que é o que eu chamo a quem engole discussões. Aprendi isto com a idade. Não há Amor que resista à não discussão constante.

8.22.2011

conversa 1816

Eu - Meu Amor, preciso que me prometas uma coisa.
Ela - O quê?
Eu - Se algum dia reparares que eu estou careca no topo da cabeça, por favor, diz-me.
Ela - Porquê?
Eu - Para eu rapar o cabelo completamente. Não quero andar com o cabelo grande e uma roda careca lá no meio.
Ela - És um optimista.
Eu - Porquê?
Ela - Acreditas que vamos estar juntos quanto começares a ficar careca.
Eu - E não vamos?
Ela - Vamos, a não ser que me apareças com o cabelo grande e uma roda careca no topo da cabeça.
Eu - Por isso é que te estou a pedir para me avisares.
Ela - Se eu te tiver que avisar é porque já te vi assim...
Eu - Faço o quê?
Ela - Vê-te ao espelho com cuidado.

8.19.2011

o ponto zero

Conheci a Raquel num mês de Novembro. Gostei dela. Costuma ser sempre assim quando nos apaixonamos. Conhecemos alguém e gostamos. É só isso e não tem muito mais que dizer. Esse é o princípio ou, se lhe preferirem chamar assim, o ponto zero.
Fui com a Raquel pela primeira vez à praia em Junho do ano seguinte. Esticámos as toalhas e automaticamente começámos os dois a limpar as beatas escondidas na areia. Os dois odiamos beatas na areia e isso foi apenas mais uma das coisas que nos uniu depois do ponto zero. O ponto zero é importante porque acontece, mas tem o valor zero se a seguir não houver mais nada.
Todos os anos, numa acção que consideramos pedagógica, pedimos aos nossos filhos que limpem uma área da praia onde estamos e coloquem no lixo todas as beatas que encontrarem. É pedagógico porque os ensina que o pouco lixo que nós fazemos é essencial para o muito lixo que existe, e é pedagógico porque lhes ensina que podemos fazer alguma coisa por nós... e pelos outros. Hoje, por exemplo, apanhámos dois montes iguais a este só na zona das nossas toalhas.
As praias portuguesas de norte a sul estão cheias de lixo, principalmente beatas, porque o país também está cheio de ignorância. Quem deita uma beata na areia não se apercebe que está a contribuir para um problema ambiental grave. É que para além do nojo em si, a decomposição de um cigarro deixa vários metais pesados que contaminam o solo e a água.
Há um ponto zero que nos une a todos nós, aqueles que como eu não conseguem viver sem ir à praia. Devíamos ter alguma coisa a seguir a isso, tipo deixá-la exactamente como a encontramos. Mas não temos. É uma pena.

8.17.2011

preservativos

Precisei de chegar aos quarenta anos para corar durante uma compra de preservativos. Num supermercado estava uma senhora a promover uma marca, tal como acontece muito com iogurtes ou sumos, mas que eu nunca tinha visto na secção de preservativos e afins. Aproximou-se de mim e perguntou-me se eu queria experimentar a marca dela, até porque tinha também vários tipos de lubrificantes. Abriu um deles e deu-mo a cheirar. A mim aquilo cheirou-me àquelas árvores de Natal aromáticas que se penduravam nos espelhos retrovisores dos automóveis nos anos 80, e disse-lhe que não era cheiro que me levantasse a libido. Ela respondeu-me que para levantar fosse o que fosse não era com cheiros. Corei, sorri, e comprei outra marca.

férias II

É na férias que nos apercebemos que há muito tempo que o silêncio nos abandonou, e que vivemos constantemente ao lado do ruído. Não estou a falar apenas do ruído sonoro, embora também, mas sim de todo o tipo de ruído. O ruído de ter um comboio para apanhar, um trabalho para acabar ou uma hora para acordar. Há sempre qualquer coisa entre nós e o mundo, qualquer coisa que não nos deixa aproveitá-lo. De tal forma que já nem nos apercebemos disso.
O ruído da vida é muito parecido com o ruído do Amor. Aquele ruído que nos faz esquecer da importância da pessoa que está ao nosso lado, aquela que divide a vida connosco. Quando nos deixamos de aperceber que o ruído é isso mesmo, apenas um ruído, e ele passa a fazer parte da nossa normalidade, passa a estar sempre entre nós e o... Amor.
É assim, com ruído, que uma vida inteira pode passar sem ser vivida. É assim, com ruído, que um Amor grande pode passar sem ser Amado. É o pior e o mais injusto que nos pode acontecer, e só por isso já devia ser obrigatório haver uma regulamentação do trabalho para que todas as pessoas, sem excepção, tivessem direito a intercalar o trabalho consigo mesmas.

8.15.2011

férias

Podermos usufruir do nosso próprio tempo não é um luxo, é o que devia ser normal. Mas não é. Infelizmente, e sublinho o advérbio infelizmente, a maior parte dos portugueses já nem sabe o que é isso de poder ter algum tempo só para si. Eu ainda tenho de vez em quando. Chamo-lhe férias, e é um período em que, podendo disponibilizar o meu tempo da maneira que mais gosto, disponibilizo-o o mais possível à minha filha, aos meus enteados e à minha companheira.
Entrei hoje oficialmente de férias e vou descer o país até ao Algarve agora mesmo. Como este tempo é o meu tempo virei com menos regularidade à internet. Mas virei na mesma. Pelo menos uma vez por dia, para que uma parte do meu tempo seja também daqueles que aqui vêm de vez em quando e que, ao fim e ao cabo, também são importantes para mim.

conversa 1815

(no meu carro)

Eu - Irritam-me um bocado, estes gajos que andam tão devagarinho que nos fazem andar com o focinho do carro colado à traseira deles.
Ela - Tem piada, a mim irritam-me os gajos que se colam atrás de mim.

pensamentos catatónicos (255)

O Amor mesmo e o quase Amor

Há dois tipos de felicidade: a felicidade que se quer ter e a felicidade que se consegue ter. A felicidade que se quer ter é sempre a felicidade do Amor, a felicidade que se consegue ter é a felicidade do quase Amor. Sim, porque o Amor tem a mania de querer ser quase ele mesmo.
É muito fácil distinguir o quase Amor do Amor mesmo. O quase Amor acaba sempre bêbado, às tantas da manhã, num bar qualquer da cidade. O Amor mesmo acaba sempre na cama e tendencialmente sóbrio. Sim, porque a sobriedade é outro dos defeitos ou efeitos do Amor mesmo, e um defeito ou efeito tão grande que para sentirmos que Amamos temos que nos embebedar.
Há pessoas que passam a vida a quase Amar. É uma pena mas também é verdade, e é uma pena porque essas pessoas são a maioria. É como na política, acho eu. A maioria das pessoas é quase qualquer coisa que não sabe muito bem o que é, mas é como o quase Amor, ou seja, sempre uma merda. As pessoas que quase Amam acabam por mandar nas pessoas que amam mesmo. Não percebem é que as pessoas que Amam mesmo, por Amarem mesmo, se estão nas tintas para elas.
Eu recuso-me a ser seja o que for se for apenas quase. Tenho uma certeza na vida e só uma: o Amor não pode ser quase nada, tem que ser tudo. E acredito tanto no Amor mesmo que me recuso a viver um quase Amor, que é com quem diz um Amor mau. Se todos rejeitássemos a palavra quase, acho que vivíamos num mundo melhor. Ou quase...

8.12.2011

conversa 1814

Ela - Olá! Estás bem?
Eu - Sim, obrigado.
Ela - E a tua filha, está bem?
Eu - Sim, obrigado.
Ela - E a tua namorada, está bem?
Eu - Sim, obrigado.
Ela - E então?
Eu - Então o quê?
Ela - Não me vais perguntar, ao menos, se eu também estou bem?

respostas a perguntas inexistentes (173)

Química

Não fazemos a mínima ideia quem são aqueles com que nos cruzamos todos os dias. O homem atrás de nós na fila do supermercado, a mulher que senta ao nosso lado no cinema, o idoso que nos pede um lugar sentado no comboio ou a criança que no diz adeus pelo vidro dum automóvel qualquer. Podem ser assassinos em série, ateus ou pastores da Igreja Universal, comunistas ou fascistas, que nunca sabemos. A única certeza que podemos ter é que cada uma dessas pessoas tem uma vida tão grande e complexa como a nossa. E isso só por um motivo: o Amor. Todos nos apaixonamos às vezes e desapaixonamos outras, e a nossa vida acaba por andar à volta disso.
Com o tempo percebemos que as pessoas por quem nos apaixonamos vêm sempre desse enorme e imprevisível grupo. Um homem pode viver com uma mulher dez ou vinte anos e um dia tem uma surpresa. Não a conhecia o suficiente e por algum motivo deixa de gostar dela ou ela dele. É que nunca sabemos também, de facto, por quem nos apaixonamos nem quem levamos para a cama. É nessa altura que vem outra surpresa ainda maior: nem sequer a nós próprios nos conhecemos.
Somos sempre mais frágeis e vulneráveis do que pensávamos. Toda a estrutura que tínhamos como certa desaparece de repente deixando-nos a espernear num vácuo de emoções. É assim a primeira desilusão do Amor. Passa-se do tudo ao nada à velocidade da luz.
O vácuo dá-nos uma dose brutal de realidade ou, se preferirem, de humildade. Afogamo-nos na nossa própria condição humana de que somos apenas matéria e o resultado de inúmeros processos químicos que nela se dão. É assim que amamos, choramos e rimos, ao sabor das substâncias químicas que correm no nosso corpo como um rio. Ora calmo, ora agitado.
Foi nesse rio que esbracejei para tentar alcançar uma margem qualquer, nadando contra correntes sem direcção. Tentei desprezar o Amor e reduzi-lo a isso mesmo: uma equação química qualquer. Acho até que o consegui durante algum tempo, mas nem por isso deixei de me sentir náufrago. Até um dia em que essa equação se tornou maior do que eu. Apaixonei-me outra vez e abandonei por um momento o contexto materialista da vida. Voltei a sentir o sorriso como felicidade e o choro como tristeza. A Raquel era a Raquel e não uma lógica qualquer que já nem sei explicar.
Ainda bem que nunca fui grande aluno a Ciências. Não nos conhecermos não faz mal nenhum. Afinal, mais coisa menos coisa, somos todos o mesmo.

8.11.2011


Um miminho da Sofia, que eu agradeço.

8.10.2011

conversa 1813

Ela - Tenho que mudar de vida.
Eu - Mudar de vida?
Ela - Sim, ando muito aérea e estou a deixar passar os poucos dias de férias que tenho.
Eu - Ah!
Ela - Deito-me tarde todos os dias porque fico a ver séries na televisão, depois durmo a manhã toda e nem à praia vou.
Eu - E vais ficar por Aveiro?
Ela - Sim, não tenho dinheiro para ir para lado nenhum. Nem dinheiro nem namorado...
Eu - Quantos dias de férias ainda tens?
Ela - Começo a trabalhar no dia 23.
Eu - Então é fácil. Só tens que deixar de ver televisão e de manhã ir para a praia.
Ela - Sim, é isso mesmo que tenho que fazer.
Eu - Mas é já, senão perdes as férias todas.
Ela - Exacto. Começo daqui a dois dias sem falta, que hoje dá uma série que eu gosto muito.

alarmes

Se há coisas que me tiram do sério são aqueles alarmes altíssimos instalados nos automóveis que disparam por tudo e por nada. Não percebo como é que alguém se pode achar no direito de acordar a vizinhança toda durante a noite ou, se for durante o dia, pôr-lhe os nervos à flor da pele só porque supostamente lhe estão a roubar o carro.
Roubar um automóvel é injusto? É sim, mas eu posso enumerar uma quantidade enorme de situações mais injustas neste mundo que não levam alarme nem acordam ninguém. A fome, por exemplo. Se cada estômago que entrasse na fase da fome disparasse um alarme tinha muito mais lógica. Mas não, isso não acontece. São sempre a merda dos automóveis, normalmente desportivos foleiros que pertencem a parolos que os tratam melhores a eles do que à família e aos amigos.
Esta noite cheguei a casa às duas e meia da manhã, depois de um dia inteiro de trabalho. Tinha acabado de adormecer quando fui acordado por um alarme desses. Um barulho contínuo e irritante durante uns quinze minutos. Levantei-me, fui à janela e, claro, tinha que ser, era a merda dum desportivo vermelho. Ainda por cima ninguém o estava a assaltar. Antes estivesse, que eu ia lá ajudar a partir os vidros.
Durante o dia tinha conversado com uma amiga sobre dois outros amigos que se divorciaram recentemente. Estão os dois na fase em que não sabem muito bem o que lhes vai acontecer e precisam de alguém que lhes faça companhia ao almoço, ao jantar, ou simplesmente a beber uma cerveja à noite. A solidão pesa sempre, mas pesa ainda mais depois de um divórcio. Sei-o por experiência própria. "Se não gostavam um do outro não tivessem casado", respondeu-me ela enquanto eu expunha este meu ponto de vista.
O egoísmo é fodido. Aceitamos facilmente que se ponham alarmes na propriedade privada mas nem ouvimos os alarmes das emoções. Roubarem-nos dá-nos o direito de acordar toda a gente, estarmos tristes e desamparados não, não dá. É alarmante.

8.07.2011

conversa 1812

Ela - Tens os sapatos...
Eu - Tenho os sapatos quê?
Ela - Ia dizer que estavam desapertados, mas têm é um nó estranho...
Eu - Ah! É porque os atacadores se partiram, então dei um nó para unir os dois bocados de cada atacador e depois ainda dei outro para atar os sapatos. Por isso é que fica assim, uma confusão.
Ela (suspiro)
Eu - O que é que foi?
Ela - Estava a pensar que se um dia tiver um filho, prefiro que seja rapariga...

8.05.2011

conversa 1811

Ela - Já pus a hipótese de ser mãe sozinha.
Eu - Sozinha como?
Ela - Recorrendo a um banco de esperma.
Eu - Ah!
Ela - Os namorados que eu tive até hoje não eram muito mais do que isso, no fundo.
Eu - Mais do que o quê?
Ela - Bancos de esperma.
Eu - Ah!
Ela - A diferença é que um namorado é um banco com contas a curto prazo, enquanto num banco a sério os depósitos são a longo prazo.
Eu - Já tomaste café? Tenho que ir embora...
Ela - A conversa desagrada-te?
Eu - Não é isso, tenho que ir fazer um depósito.

8.04.2011

pensamentos catatónicos (254)

mentiras

Hoje ouvi uma avó ordenar ao neto, uma criança de uns seis anos, que não mentisse. Fê-lo de mão levantada ameaçando uma chapada. Perguntei-me a mim mesmo quantas vezes terá aquela mulher mentido na vida. Se o fez metade da vezes que eu fiz, mentiu pelo menos umas centenas. Esta é a maior verdade.
Para além disso, não há nada melhor do que ver uma criança a mentir. A mentira surge quando as nossas capacidades cognitivas percebem que a mentira é uma ferramenta essencial à sobrevivência. De tal forma que passamos a vida a mentir a nós mesmos. A mentira é um sonho, e por isso repito que é também a maior das verdades.
Às vezes não importa o que aconteceu, importa o que nós queríamos que tivesse acontecido. É por isso que sonhamos, é por isso que mentimos uns aos outros. A mentira faz parte da forma como nos damos e por isso é um dos ingredientes essenciais do Amor, ou pelo menos da falta dele. Mentimos para não perder um amigo, mentimos para não passar fome, mentimos para Amar, mentimos para fazer Amor, mentimos para nos convencermos que o mundo é melhor do que realmente é.
Estava a pensar na maior mentira da minha vida, por exemplo. Acho que foi a que inventei depois da minha separação. Disse a mim mesmo que estava muito bem sozinho e que não precisava de encontrar ninguém em especial na vida. Disse-o a mim e disse-o aos meus amigos. Nenhum deles me levantou a mão ameaçando bater-me. Antes pelo contrário, pagaram-me um copo aqui e ali fingindo que acreditavam em mim.
A mentira está confirmada e ninguém me veio pedir satisfações. É isso que é um amigo e é isso que devia ser uma avó. Uma mão levantada, por exemplo, pode ser uma verdade nua e crua, mas é uma verdade de merda.

8.03.2011

respostas a perguntas inexistentes (172)

relógio

Foi com doze anos, e com o primeiro relógio que os meus pais me deram, que me aproximei dela na escola. Poucos alunos, ou se calhar nenhum, tinham relógio, e nós ficávamos os dois a olhar para o percurso cíclico dos ponteiros do meu como se isso fosse um privilégio, sem perceber que era por eles que um dia deixaríamos de ser crianças. É, aliás, essa a magia de contar o tempo quando se tem doze anos: pensar-se que se é imortal, tão interminável quanto o universo. Conta-se o tempo em direcção a lugar nenhum. Nem sequer à morte.
Perguntei-lhe uma vez quantas voltas já teriam dado aqueles ponteiros desde que tínhamos nascido, e ela respondeu-me simplesmente que o relógio tinha sido feito depois de nascermos, pelo que não era possível saber. Foi a resposta mais inteligente que me podia ter dado, pois foi também com esse relógio que me apercebi que uma volta inteira não demorava sempre o mesmo. Era rápida quando ela estava ao meu lado, era lenta quando ela não estava. O tempo era mais elástico do que o Amor que eu começava a sentir por ela.
Eu e ela fomos apenas crianças nessa elasticidade do tempo. Não mais do que isso. Nunca crescemos juntos, nunca trocámos olhares cúmplices, nunca fizemos Amor, nunca nos Amámos verdadeiramente. Por isso para mim ela ainda é a mesma miúda de sempre, que deve andar por aí a correr atrás de folhas secas para esconder dentro de livros, como me lembro de a ver fazer.
Lembrei-me dela uma vez, quando me apercebi que o Amor é uma armadilha. Acho eu, pelo menos. É que quando nos apaixonamos por alguém que se apaixona por nós também, acreditamos que temos resolvido o problema maior da vida: a felicidade. Depois disso é só tratar de coisas mesquinhas, tipo trabalho e dinheiro. Mas não é. O Amor não resolve definitivamente nada. E é por isso que é uma armadilha. Lembrei-me dela com alívio  nessa altura, por não ter sido ela a armadilhar-me.
Hoje lembrei-me outra vez, quando precisei de saber as horas e não tinha como. Tinha-me esquecido do telemóvel e em adulto decidi deixar de usar relógio no pulso. Decidi deixar de contar o tempo. Acho que foi por isso que decidi também Amar assim, da maneira que Amo hoje, como se não houvesse tempo e não tivesse que Amar tudo hoje.
Ontem uma amiga perguntava-me porque é que eu ainda não vivo com a minha namorada. Por isso mesmo, para que ela não se canse de mim, nem eu dela. Isso é Amar? Isso é querer Amá-la a vida toda, dê ela as voltas que der aos ponteiros do relógio.

8.02.2011

conversa 1810

Ela - O meu marido não tem ciúmes de mim. Não vale a pena tentar porque ele não tem...
Eu - Mas tem motivos para ter?
Ela - Não, não tem. Mas eu saio com amigos, vou jantar fora com colegas de trabalho, vou para o ginásio onde lhe digo que tenho um personal trainer com uns bíceps maravilhosos e ele não se importa nada.
Eu - Isso é óptimo. Evita mal entendidos.
Ela - Sim, isso é verdade. Mas...
Eu - Mas o quê?
Ela - Mas podia ter só um bocadinho de ciúmes. Não fazia mal nenhum...

8.01.2011

respostas a perguntas inexistentes (171)

entre homens

Não é fácil encontrar um homem com quem se consiga falar sobre mulheres. É uma verdade esquisita, ainda assim uma verdade. É fácil, no entanto, encontrar um homem que fale de gajas boas. Difícil é encontrar um a quem se possa confessar, por exemplo, um Amor secreto. Quer isto dizer que dois homens desconversam muito facilmente sobre mulheres, mas raramente conversam.
Há mulheres que acham que os homens falam de gajas boas pela sua carga sexual. Não é verdade. Os homens só falam em gajas boas porque têm medo de abordar o tema por outra perspectiva. A palavra Amor não é um tabu, mas é um monstro quando dita entre homens. Assusta. É por isso que se desconversa. É mais fácil dizer que "A Maria é boa como o milho" do que "Amo a Maria e só penso nela".
Dizer que uma mulher é boa como o milho não é problema nenhum. É só desnecessário. É a mesma coisa que dizer que um chocolate é doce. Todos o sabem mas ninguém o diz a não ser que queira desconversar. É isso que os homens fazem quando não tem coragem para falar de Amor. Desconversam.
Confessar a outro homem o Amor por uma mulher é isso mesmo: ir ao confessionário. Fala-se de Amor como se fosse uma fraqueza e por isso também uma culpa. Ou quase. Nunca me confessei na minha vida, nem sequer na igreja, com excepção de dois amigos que são os que me levam a sério quando eu digo que Amo alguém.
Quando conheci a Raquel, por exemplo, falei com um deles. Lembro-me de lhe dizer que tinha tido um encontro com uma mulher que me estava a fazer uma confusão enorme. Confessei-lhe que só me apetecia pegar no carro e ir ter com ela. "Devias ir", disse ele. "Estás apaixonado", insistiu. E eu fui. Não me perguntou se ela era loira ou morena, alta ou baixa, gorda ou magra. Não desconversou. Isso é raro entre homens.
Desconversar também sabe bem. Não podemos é estar de mal com o Amor.