Dantes as mulheres não trabalhavam. Quer dizer, trabalhar trabalhavam só que não tinham emprego. Elas ficavam em casa a tratar das tarefas domésticas e quem tinha emprego eram os maridos. É verdade que esta é uma das maiores injustiças da História dos géneros, primeiro porque à custa deste facto ainda hoje se diz que as mulheres dantes não trabalhavam, o que é manifestamente mentira; segundo porque elas não eram pagas pelo seu esforço, o que era uma exploração tramada; terceiro porque se havia alguém que não trabalhava eram os homens, não todos mas pelo menos aqueles que tinham empregos a fingir.
No grupo dos homens que tinham emprego e que efectivamente trabalhavam estavam os trolhas. A palavra trolha é, aliás, a primeira prova de que os maiores injustiçados nesta relação de género eram estes homens. É que para o comum mortal todos os que trabalhavam na construção civil eram trolhas, fossem eles pedreiros, electricistas, serventes, engenheiros ou canalizadores. Estavam num prédio, por isso eram trolhas e acabou-se. Porquê? Porque todos eles tinham uma coisa em comum: manifestavam-se sempre que uma mulher passava a menos de cinquenta metros da obra, ora com assobios, ora com gritos, ora com versos poéticos improvisados do género: "comia-te toda, oh! boazona!".
Hoje em dia os trolhas já não são como antigamente. Primeiro porque fomos invadidos por imigrantes do leste que, por serem letrados, têm a mania que devem respeitar tudo e todos; segundo porque entretanto os portugueses, com esse exemplo importado principalmente da Ucrânia, ganharam vergonha na cara. O problema é que eu tenho a certeza que as mulheres sentem faltam desse lusoaconchego em vias de extinção, e tenho a certeza porque eu sempre imaginei os edifícios em construção cheios de mulheres a trabalhar para poder ouvir o mesmo tipo de... poesia. Nunca ouvi, e acho que a minha vida foi mais triste por isso.
Por volta dos meus vinte anos, mais coisa menos coisa, ainda tentei passar repetidamente em frente das mulheres que ficavam em casa a limpar. Fiz uma lista com as casas do meu bairro e já sabia em que dia é que cada vizinha costumava ir à janela sacudir os lençóis ou pôr a roupa a secar e, metodicamente, passava mesmo em frente nesses dias a ver se alguma me dizia: "comia-te todo, oh! bonzão". Nunca aconteceu.
Acho que os piropos deviam ser considerados pela UNESCO património da Humanidade. Fazem falta, pá. Concordo que se diga habitualmente a uma mulher que ela é bonita, que é um amor, que se a ama ou que ela é a mais linda flor do nosso quintal. Viver uma vida inteira sem dizer algumas vezes que ela é boa cumó milho ou que com ela somos o homem erectus é que não pode ser. É como se tivéssemos um carro desportivo novinho em folha e nunca passássemos o limite da velocidade. Nem um bocadinho...