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3.08.2016

duas moedas numa mão

Normalmente eram cinco homens. Um deles em pé a gesticular e os outros sentados em esqueletos de cadeiras a ouvir-lhe o vinho zangado. Não me lembro das palavras, lembro-me da fúria e das moedas que a minha mão de criança não conseguia esconder. Uma de um e outra de cinco escudos para comprar o jornal diário para o meu pai.
Era o que mais se vendia na taberna do senhor Seabra, vinho a copo e jornais diários. Os homens sentavam-se lá dentro a beber e eu escondia-me na curva do balcão amarelo pálido, esticava o braço e esperava que ele viesse lá de dentro, já com o jornal na mão, atender-me. Às vezes, raramente, pedia-lhe um copo de gasosa que custava dois e quinhentos.
O homem de que melhor me lembro tinha um bigode grande e costumava ficar em pé a impor a sua versão sobre tudo e sobre todos. Os outros ouviam-no com a atenção que o álcool ia permitindo e às vezes acenavam com a cabeça. Eram eles lá dentro e o mundo lá fora, sempre em total oposição. Assustavam-me. A minha forma de chegar ao balcão sem ser visto foi a minha primeira guerra de trincheiras.
Houve uma manhã em que fui apanhado. Estiquei o braço para que o senhor Seabra me visse e senti duas mãos a tentar abrir a minha. Olhei para cima e era ele, cujos berros se tinham transformado num silêncio ensurdecedor. Fechei os dedos com toda a força, mas ele foi mais forte. Tirou-me as duas moedas e sorriu da mesma forma que o Diabo deve sorrir quando recebe uma alma. Depois esticou o dedo indicador da mão direita e encostou-o aos próprios lábios como que a mandar-me calar.
Nesse dia não levei o jornal para casa e disse ao meu pai que tinha perdido as moedas. Não sei porque é que não lhe contei a verdade, mas de facto nunca o fiz. Sei que a partir desse dia comecei a comprar o jornal num quiosque que ficava bastante mais longe. Tinha perdido a guerra das trincheiras e agora fugia cobardemente dela todos os dias.
Só vi esse homem odioso uns cinco anos mais tarde, tinha eu uns doze. Estava a voltar da escola e uma pequena multidão juntara-se à porta dessa taberna. Aproximei-me para ver o que se passava e vi-o prostrado no chão, camisa rasgada, cheiro a vinho e sangue a escorrer-lhe pela cara. Outro homem, um pouco mais novo, tentava soltar-se duma boa dúzia de braços que o queriam agarrar. Lembrei-me da minha luta para segurar as duas moedas na mão e desejei que ele tivesse mais sucesso do que eu.

- Ele matou a minha irmã! Ele matou a minha irmã! Ele matou a minha irmã! - Repetia.

Percebi tudo pelas conversas dos que assistiam àquele combate. O mesmo homem que me roubara as moedas uns anos antes tinha assassinado a mulher à pancada. Foi, talvez, a primeira vez que percebi o que é violência doméstica. Fugi para casa.
Este ano faço quarenta e cinco anos. Dou ao Dia da Mulher um significado político porque sei como ele surgiu e porque é que surgiu, mas também porque entretanto já ouvi falar em violência doméstica mais umas centenas de vezes.
Sempre que tenho duas moedas numa mão, esta história vem-me à memória.

9.28.2015

O ideal feminino do Estado Novo

Morreu mais uma mulher, desta vez em Paços de Ferreira, às mãos do marido. As vítimas de violência doméstica são (quase) sempre mulheres, provavelmente porque há mais homens estúpidos do que mulheres estúpidas. Ainda assim, o erro está em pensarmos que mais uma promessa de Amor que acabou em morte se deve exclusivamente ao facto de estarmos a falar de um homem estúpido.

Não deve.

O homem estúpido é apenas uma das condições necessárias para que este tipo de crimes aconteça, mas o principal chama-se cultura, e é isso que temos urgentemente que mudar. Agredir a mulher, silenciar a mulher, provocar sofrimento à mulher ou torturar a mulher é uma questão cultural no nosso país. Sempre foi normal encostar a mulher a um canto da vida, através da limitação violenta do seu papel social e económico na sociedade. Aquilo que é normal durante séculos não o deixa de ser de um dia para o outro. Infelizmente.

No curto mas intenso documentário "O ideal feminino do Estado Novo", que podem ver no link a seguir, é fácil contextualizar o que eu estou a dizer, mas o mais importante é o que vos peço: não se remetam ao silêncio quando sabem da existência de um homem estúpido.

O ideal feminino do Estado Novo

5.22.2014

Marinho Pinto

Defendo que a violência doméstica deve ser crime público. A explicação é óbvia: as vítimas deste tipo de violência precisam de apoio da sociedade, não de desprezo. Precisam que o crime do qual são alvo possa ser julgado pela sociedade mesmo que não estejam em condições de apresentar queixa.
Marinho Pinto, candidato pelo MPT nas eleições europeias, considera que a violência doméstica NÃO deve ser crime público. É por isso que eu estou aqui, da forma mais sincera possível, a solicitar que não votem nele neste Domingo.
A justificação de Marinho Pinto é que, enquanto advogado, já assistiu a um caso em que o casal se reconciliou. A lei nunca impede a reconciliação, mas pode impedir que o abuso sexual e a agressão sejam permanentes. Basta fechar os olhos. Eu não fecho os olhos à violência doméstica!

5.13.2014

desabafo

Às vezes tenho vergonha de género, o que quer dizer que tenho vergonha de ser homem. Com "h" minúsculo. Isso acontece-me sempre que leio alguma coisa sobre violência doméstica. É que a estatística não engana e, enquanto as vítimas são quase sempre mulheres, os agressores são quase sempre homens.
São os homens que têm esta capacidade de transformar um beijo num murro, ou de passar de uma mão dada para uma mão sufocante à volta do pescoço. Este ano já vamos em dezoito vítimas mortais neste país, todas elas mulheres cuja culpa foi apaixonarem-se pela pessoa errada.
É certo que a violência entre quatro paredes é sempre um acto de cobardia mas, para além disso, o que retira qualquer capacidade de compreensão é essa metamorfose da paixão em violência. Nisto tudo tenho apenas uma certeza: se é possível o Amor transformar-se em agressão, já a agressão nunca se transforma em Amor. É uma fria verdade sobre a nossa espécie, mas é assim.
Sei que a minha vida emocional me leva a muitos sítios diferentes e é grande por isso mesmo. Leva-me ao sofrimento algumas vezes, à felicidade plena outras vezes. Se algum dia me tivesse levado à violência seria apenas isso: uma vida pequena.

11.28.2013

a primeira vez

Há demasiadas mulheres inteligentes que se deixam anular por homens estúpidos. Pode parecer um contra-senso, mas não é. Deve haver alguns homens que, depois de lerem esta primeira fase, chegam à conclusão que não há homens estúpidos, caso contrário não conseguiriam anular mulheres inteligentes. Errado. A estupidez não tem apenas a ver com o nosso pensamento dedutivo, mas também com o nosso comportamento, e quem se apropria da vida de outra pessoa é porque é estúpido. Ponto.
O que eu estou a dizer é que é muito mais importante o que nós fazemos com a nossa inteligência do que a nossa inteligência propriamente dita. Um homem que agride constantemente a mulher é estúpido, um homem que controla todos os movimentos da mulher é estúpido, um homem que manda calar a mulher também é estúpido. Por muito inteligente que se ache, claro.
Já sei que me vão dizer que também se passa o inverso. Obrigado, eu sei. Só que também sei que tenho quarenta e dois anos e nunca li no jornal que dezenas de homens foram assassinados pelas suas suas companheiras em Portugal, enquanto sobre mulheres mortas leio constantemente. Este ano foram trinta e três, num país do tamanho de um berlinde.
A violência doméstica não tem solução, se calhar porque a estupidez parece ser uma característica biológica e não cultural. Pelo menos nalguns casos. Por isso é que a coisa tem que passar pela primeira vez. E isto é um pedido que faço a todas as mulheres: a primeira vez que ele vos levantar a mão, a primeira que ele vos ameaçar, a primeira vez que ele fechar a porta de casa e esconder a chave ou a primeira vez que ele vos ofender, a única solução é dizer-lhe adeus. 
A estupidez funciona muito melhor quando está sozinha.

11.18.2012

pelo fim da violência contra as mulheres

design: Catarina Leal

Sábado, 24 Novembro
MOB (travessa da Queimada, nº33 Bairro Alto)
18h workshop de defesa pessoal com Sakura Mónica
22h30 Rita Redshoes e dj Miss Sara

Domingo, 25 Novembro
15h Marcha pelo fim da violência contra as mulheres com:
Dança com Orchidaceae
Teatro com O Bando
Dj Soulflow

9.06.2012

porreiro, pá!

Em Portugal somos todos uns porreiros. Aliás, acho que o adjectivo "porreiro" e todo o seu alcance semântico deviam ser património nacional. Neste país crescemos a aprender que somos todos porreiros independentemente daquilo que verdadeiramente somos.
O único senão da coisa é que ser porreiro é muito pouco, principalmente quando comparado com a importância que se lhe quer dar. Ser porreiro, em abono da verdade, não é muito mais do que conseguir manter uma conversa de café sem dar um tiro no interlocutor. Conhece-se alguém à mesa do café, enquanto se bebe uma cerveja gelada e se fala de futebol, e pronto, já está: mais uma pessoa porreira que se conheceu.
É isso que é o porreirismo nacional, uma forma de esconder o que verdadeiramente somos. Qualquer sacana cobardolas que bate na mulher em casa, a tortura física e psicologicamente, se quiser passar da besta que verdadeiramente é a um gajo porreiro em menos de cinco minutos, só tem que ir ao café beber um copo com um amigo e já está. Entra uma besta e sai de lá um gajo porreiro.
As reacções à violência doméstica, aliás, não passam muito do espanto porreirinho. Afinal de contas ele até é um gajo porreiro, portanto ela deve ter feito alguma coisa. Talvez por isso haja cada vez mais gajos porreiros a agredir as mulheres em Portugal. Aliás, já há tantos que em menos de vinte e quatro horas foram assassinadas três. Duas a tiro, em Boticas e em Gaia, outra estrangulada em Olhão.
A Polícia de Segurança Pública tem, na sua página oficial, um aviso sobre violência doméstica que assume a forma de pedido, porque estamos a falar de um crime público e que portanto depende da queixa de qualquer cidadão. Não apenas da vítima. Se os cidadãos não se queixarem, a polícia fica de mãos atadas. Eu queixo-me. Para acabar com o nacional porreirismo.

3.15.2012

rotundas

Hoje de manhã, numa das muitas rotundas da cidade de Aveiro, dois homens chatearam-se de tal maneira que cada um saiu do seu automóvel para intensificar a zanga. Um deles tinha feito a rotunda quase toda por fora, obrigando o outro a uma travagem brusca para evitar a colisão. Não colidiram os carros, colidiram depois os condutores. E quando eu passei pelo local, já eles estavam numa espécie de jogo do empurra.
Quando uma discussão passa a conter o elemento físico, é porque já nenhum dos intervenientes quer demonstrar que tem razão. Quer, isso sim, impor a sua maneira de ver as coisas. É esclarecedor que as rotundas dêem tantas dor de cabeça aos portugueses. Por um lado quer dizer que não as sabem fazer, por outro quer dizer que insistem em fazê-las.
Um país que têm problemas com as rotundas é, inevitavelmente, um país com problemas de Amor. A violência doméstica é também isso mesmo. Uma discussão física numa rotunda em que alguém se esqueceu que há uma estrada, ou várias, a percorrer já a seguir. Naquela rotunda, rodando sobre ela mesma para todo o sempre, fica uma vida perdida.

9.01.2011

quatro

Em primeiro lugar uma meia verdade que não é uma meia mentira: a violência doméstica atinge ambos os géneros. Agora uma verdade inteira: as mulheres são as principais vítimas da violência doméstica. Em menos de uma semana foram assassinadas quatro em Portugal.
A violência doméstica precisa de dois ingredientes: uma vítima e um cobarde filho da puta. Foram esses dois ingredientes que se misturaram nestes quatro casos e que se misturam continuadamente um pouco por todo o país.
A vergonha é a máscara que encobre este tipo de violência, e é ela que devia estar só do lado do agressor. Mas não está por uma razão muito simples: os cobardes filhos da puta não nunca têm vergonha. Tenho dito.

1.10.2011

pneu furado

Acabei por arregaçar as mangas. Primeiro escondi a cabeça debaixo do guarda-chuva e continuei, em passo apressado, em direcção ao meu escritório e ao meu egoísmo. Depois a chuva molhou-me a ponta dos sapatos e eles pararam, talvez contra a minha própria vontade. Voltei para trás e perguntei-lhe se precisava de ajuda. "Já tentei telefonar ao meu marido mas ele não atende", disse ela, como que a querer manter alguma distância. "Deixe estar, eu troco-lhe isso em dez minutos", respondi. Assentiu.
Trocar o pneu furado ao automóvel duma mulher é um cliché e talvez eu também seja vítima de clichés. No entanto, mais importante do que lhe trocar o pneu, pareceu-me, foi o facto de a ter ficado a ouvir enquanto ela segurava o guarda-chuva que nos protegia a ambos. Entre outras coisas fiquei a saber que o marido, a quem ela supostamente já tentara telefonar, é apenas uma pedra na sua vida. Têm o divórcio marcado e ele até já foi violento com ela algumas vezes na vida. O corpo dela já sarara essas feridas mas a voz não. Ainda sangrava tristeza e solidão.
Apertei bem os parafusos com pé e disse-lhe que podia ir. Perguntou-me se queria boleia para algum sítio, o que recusei prontamente por não precisar de facto. Depois fiquei a vê-la diluir-se no trânsito onde outras tantas histórias parecidas devem circular como colesterol nas veias duma cidade doente. Às vezes é mais fácil abrirmo-nos com um desconhecido do que com um amigo, pensei.

7.18.2010

depois da primeira vez... acabou

Diz o Jornal de Notícias que os homens continuam a matar mulheres e pergunta porquê. Porquê? Ninguém sabe muito bem porquê. Sabe-se que o único porquê por trás disto é uma besta a quem não vale a pena explicar as coisas, porque a "não violência" não é uma coisa que tenha que ser explicada. Há homens que não entendem isto por serem uma bestas. Ponto final, não se lhes explique mais nada. Explique-se é às mulheres que, por mais que tentem acreditar no contrário, têm que perceber que depois duma primeira vez há sempre uma segunda. Um homem que bate uma vez é porque é capaz de fazê-lo, e essa é a fronteira que nunca pode ser ultrapassada numa relação.
Depois da primeira vez... acabou.

2.26.2010

muito bem

França deu um passo importantíssimo na prevenção da violência doméstica, com que eu concordo plenamente. Os maridos violentos passam a ter que usar uma pulseira gps para que a polícia saiba se se estão a tentar aproximar ou não da vítima. Também foram endurecidas posições contra a violência psicológica, aquela que corrói a vítima por dentro, prevendo penas severas até três anos de prisão e multa de 75 mil euros em casos de "actos e palavras repetidas que resultam na degradação das condições de vida da vítima e que podem afectar sua saúde física ou mental". (ler no JN)
Por aqui podíamos copiar esta ideia...

11.26.2009

vergonha

Sara Tavares, de 24 anos, foi assassinada à facada pelo marido este ano em Portimão por se ter recusado a passar o dia na casa da sogra. A Sara é apenas uma da lista que o Público publicou com as vítimas de violência doméstica mortais deste ano no nosso país.
Esta lista tem uma vantagem: não se limita a ser quantitativa e dá um rosto às vítimas. É que as vítimas têm sempre um rosto, têm uma vida toda até ao dia em que morrem antecipadamente.
Acho que é óbvio que as mulheres estão cada vez mais sensibilizadas para reagir à violência doméstica quando são vítimas. Ainda bem. O que falta é sentirem protecção do sistema quando o fazem. Quando há uma vítima mortal de violência doméstica temos que pensar que o Estado falhou, ou seja, nós todos falhámos e devíamos ter vergonha disso. Eu tenho... e muitas vezes tenho vergonha deste país.

10.07.2009

a violência contra as mulheres é um desporto universal



Acho esta publicidade francesa contra a violência doméstica muito feliz, isto porque é mais dirigida à própria mulher enquanto vítima do que ao homem enquanto agressor, ou seja, compara a mulher a um saco de pancada mas não compara o agressor ao que efectivamente ele é: uma besta. É que antes de fazer com que um homem deixe de bater na mulher lá em casa, é preciso fazer com que a própria mulher perceba que não pode aceitar em circunstância nenhuma que isso lhe aconteça... até porque uma besta não costuma entender a mensagem à primeira.

2.22.2009

pusilânime

Das mais de 20 000 ocorrências de violência doméstica registadas pela GNR e pela PSP, apenas 213 chegaram à fase da sentença. [ler no Público]
A violência doméstica nunca é só uma agressão. Mais do que uma agressão, é uma forma pusilânime de roubar a vida de outro(a). Elisabete Brasil, da União de Mulheres Alternativa e Resposta, defende a criação dum tribunal único para tratar casos deste âmbito. Com estes números não há como não lhe dar razão.

2.14.2009

não podemos apoiar quem não quer ser apoiado, diz ela

É grave. O Partido Socialista prepara-se para alterar a lei da violência doméstica de forma ingénua. Embora continue a ser crime público a investigação criminal passa a exigir que a alegada vítima preencha um requerimento. Paula Deus, deputada do PS, justifica a alteração porque "não podemos apoiar quem não quer ser apoiado". O problema da Paula é que não percebe que todas as vítimas de violência doméstica querem e precisam de apoio, só que algumas têm medo ou não estão em condições de pedi-lo. [ler no Arrastão]

12.16.2008

o meu pai sempre bateu na minha mãe

Uma leitora anónima, a quem agradeço, deixou este comentário neste blogue. E porque a pressão social tem que envergonhar o agressor e não o agredido, é sempre boa altura para falar deste tema...

O meu pai sempre bateu na minha mãe, desde que me lembro, era mau e em vezes que ela tentou fazer queixa à polícia os próprios polícias retraiam-se e diziam que entre marido e mulher...e a minha mãe com a boca toda ensanguentada, a levar pontos, as nódoas negras constantes, o olho que passou a ver menos bem, etc etc. Chegou ao ponto de lhe encostar uma arma à cabeça, chegou ao ponto de disparar e só falhar por estar demasiado bêbado. E eu cresci também a ser espancada, também a ser humilhada, sem que ninguém nada fizesse por mim. Lembro-me da coisa mais revoltante que ele me fez, obrigou-me a estar a cerca de 5 metros dele parada e em pé enquanto me atirava batatas e cebolas que tinha junto a si, depois obrigava-me a apanhar tudo, devolver-lhe para mas voltar a atirar. Lembro-me das noites em que me acordava para me bater, dos pontapés que me dava...lembro-me de dormir dentro do guarda-roupa toda tapada para me sentir protegida. Lembro-me de me chamar estúpida, de dizer que eu era uma merda, ah e também me lembro de me bater com a parte de cabedal da trela do cão, com um chinelo de plástico duro que me deixava vergões durante dias. Lembro-me depois de já em adulta estar grávida e ter reagido menos bem contra o senhor que me ameaçou dar-me um pontapé na barriga porque eu recusei abortar. E fui eu que tive problemas em tribunal e fui eu que saí a perder, porque o que ele disse nada conta. Puta de vida, vida filha da puta.

grunhos filhos da puta

O gajo que no café nos parece a melhor pessoa do mundo. O gajo com quem bebemos uma cerveja e discutimos amigavelmente um jogo de futebol que acabámos de ver, em casa pode ser uma besta que agride a mulher constantemente. Nos últimos dias as decepções que tenho tido a este respeito têm sido um exagero. Na verdade eu não fazia ideia que isto era tão mau, que há homens terrivelmente calculistas e que não se importam de fazer mal aos próprios filhos para magoar a mulher ou ex-mulher.
Homens que batem em mulheres grávidas, homens que não deixam a mulher abrir a boca lá em casa, homens divorciados que desligam o telemóvel quando estão com os filhos para a mãe não poder contactá-los, homens que passam o dia a agredir verbalmente a companheira reduzindo a sua auto-estima a zero, homens que empurram a mulher para responder a qualquer pergunta que seja, homens que ameaçam a companheira de morte. Sei lá... desculpem lá o desabafo mas estes dias têm sido um exagero... e há cabrões que ainda se orgulham disso
A única designação que encontro para um gajo que faz isto é grunho filho da puta e, se estás a ler isto e já o fizeste de algum modo, és apenas mais um.

11.25.2008

eu não sou cúmplice

A UMAR - União de Mulheres Alternativa e Resposta está, através deste blogue, a fazer um abaixo-assinado para homens que não sejam cúmplices da violência doméstica contra as mulheres. O objectivo é mobilizar as energias masculinas para esta batalha dos direitos humanos que está longe de estar ganha. A violência doméstica é uma forma de terror que não tem desculpa, e quem não é cúmplice não deve contornar a questão.
Eu podia pôr aqui o número crescente de vítimas desta forma cobarde de violência mas como havendo uma já é demais, não ponho. Eu não sou cúmplice e já assinei...

11.04.2008

alguma raiva em silêncio

Hoje vi um homem a dizer à mulher, cheio de orgulho e com um ar triunfante: o senhor está à espera, se fosse lá em casa levavas já duas lambadas. O senhor era eu, que estava mesmo atrás deles à espera que ela escolhesse um pastel na pastelaria Bom Gosto, em Aveiro. Ela estava indecisa e por isso demorou um pouco mais do que o normal. Do lado de lá do balcão, a empregada olhou para ele zangada. Reparei que engoliu alguma raiva em silêncio. Eu disse-lhe para não se preocupar, que eu costumo demorar muito mais tempo a escolher um pastel. Mesmo muito mais tempo... insisti. Depois também engoli alguma raiva em silêncio.
Sentei-me a tomar o pequeno-almoço enquanto lia o jornal. Durante cerca de vinte minutos ela não disse uma única palavra. Só ele é que falou e sempre para a humilhar em público. Estão fartos um do outro e o gajo é um parvalhão. Gostava que ele lesse isto mas não o vai fazer quase de certeza, mas gostava que ele lesse que é um parvalhão. Eu também sou... que não me devia limitar a engolir alguma raiva em silêncio.