12.31.2010

conversa 1674

Ela - Se pudesses pedir um desejo para 2011, qual é que pedias?
Eu - Não sei... e tu?
Ela - Eu pedia dinheiro, muito dinheiro. O Euromilhões, por exemplo.
Eu - Com o dinheiro compra-se tudo menos felicidade, sabias?
Ela - Sabia. Para mim não há problema nenhum. Quando estou triste, o que eu faço é ir às compras...

12.30.2010

da liberdade do Amor

Se há alguma coisa importante que o Amor nos ensina é que podemos viver a vida toda alimentando-nos da esperança. Acho até que a maior parte dos Amores que vivemos não passam disso mesmo, de esperanças que nascem e morrem na nossa vida como as folhas das árvores, aquelas que respiramos na Primavera e depois vemos desfazerem-se secas no tapete que o Outono tece. É por isso que esta não é uma história de Amor, é uma história de esperança.
Amei uma mulher durante dois anos e durante dois anos persegui esse Amor como se persegue um fantasma que se evapora em cada esquina. Ela sempre foi exímia naquilo que é uma característica comum a quase todas as mulheres do mundo, e que passa pela capacidade de, num só minuto, ressuscitar num homem a crença de pode gostar gostar dele. Digo 'pode', porque a maior parte do tempo entretém-se a evaporar essa vã miragem do Amor.
Lembro-me, por exemplo, de lhe telefonar todos os dias durante duas semanas para tentar marcar um jantar, um passeio, um café que fosse, e de ela fugir a essas tentativas de aproximação como se fosse capaz de passar pelos pingos da chuva. Com delicadeza, mas também com uma distância na voz que me despia a alma. Era, aliás, de alma nua que lhe deixava de telefonar e acabava sempre por me enganar noutro qualquer efémero e despovoado Amor. E era também de alma nua que acabava por ser ela a arranjar uma desculpa para vir ter comigo. O mundo parecia sorrir para mim de novo, mas com o tempo percebi que nunca passava de um sorriso amarelo, daqueles que se transformam em cepticismo muito antes de nos habituarmos a ele, já que nas duas semanas seguintes a ausência voltava a povoar-me qualquer expectativa que ainda pudesse ter.
Deixei de amar numa terça-feira de manhã, quando ela me telefonou para me convidar a tomar o pequeno-almoço e eu fiz mais de setenta quilómetros com o rádio do automóvel no máximo, como se o volume da música fosse o volume da minha felicidade. Cheguei ao café com vinte minutos de antecedência e duas horas depois ainda lá estava. Sozinho, que ela nunca chegou a aparecer e acabou por me mandar uma mensagem a pedir desculpa por entretanto se ter esquecido de mim. Nesse dia o sorriso não se desfez. Pelo contrário, fortaleceu-se. Deixei a esperança no café e saí pela cidade para celebrar a minha liberdade, como um recluso que acaba de cumprir o último dia duma pena de prisão. Já não a amava, já não tinha esperança.
Percebi depois que aquela inconsistência era um poço sem fundo. Com o seu fim diminuíram os meus encontros fortuitos e inconsequentes, porque no fundo deixei de precisar deles. Além disso varri do meu cérebro tanta informação que percebi que até então já não tinha espaço para armazenar praticamente mais nada. Era como sótão cheio de coisas que não servem para nada. E foi assim, com o sótão praticamente vazio, que me apaixonei de novo, numa coincidência que muitos dos leitores que aqui vêm já conhecem e que me ensinou também que um homem pode alimentar-se da esperança.

12.29.2010

pensamentos catatónicos (227)

Quando duas mulheres são apresentadas por um amigo comum, olham-se de alto a baixo num profundo processo analítico. Quando dois homens são apresentados por um amigo comum, cumprimentam-se e pronto. Mais nada. Não será sempre assim, mas pelo menos foi esta a conclusão duma conversa que tive hoje, durante um café, com amigos e amigas. Uma dessas amigas acha que é por isso que as mulheres se enganam menos na primeira impressão que fazem dos outros. Eu cá não sei.

a Mulher para Cavaco Silva...

Cavaco Silva é o actual presidente da República Portuguesa. A ele compete defender a Constituição e, portanto, também o princípio da igualdade entre géneros. Acredito até que o queira fazer, mas tenho a certeza que não o faz bem. Por um lado porque as suas opções políticas neoliberais favorecem a desigualdade entre quem apenas tem a sua força de trabalho para conseguir viver e quem o faz à custa da propriedade. Por outro lado porque a nacional parolice lhe está entranhada no sangue. Prova disso é a forma como, sem querer, desvenda a forma como vê a mulher na sociedade. Vê a mulher como interveniente política? Não. Vê a mulher como um ser criativo? Não. Vê a mulher como empresária? Não. Vê a mulher de alguma forma que não esteja ligada a uma dona de casa de avental e rolos na cabeça? Não. A mulher é um pilar da família, na protecção das crianças e na gestão do Orçamento doméstico. Pergunto-me a mim mesmo quantas mulheres deste país vão votar nele nas próximas presidenciais...

conversa 1673

Ela – Quando se começa a namorar com um homem tímido, nunca se deve ir viver com ele logo nos primeiros tempos, por muito apaixonada que se esteja.
Eu – Porquê?
Ela – Porque é impossível saber como ele vai ser quando, com a vida a dois, lhe passar a timidez.
Eu – Ah!
Ela – Sei isto por experiência própria. Enfim... vai-se aprendendo com a vida.
Eu – Tiveste um namorado tímido?
Ela – Todos os meu namorados eram tímidos quando os conheci. Depois... Ui! Prefiro nem falar nisso.
Eu (risos)
Ela – Agora ando à procura dum homem que seja... que seja... que seja...
Eu – Que seja o quê?
Ela – Que seja o contrário de tímido, não me lembro da palavra.
Eu – É... é... olha, também não estou a ver qual é exactamente o contrário de timidez.
Ela – Estás a ver? Estou lixada. Nem sequer existe...

onde começa o sexo

Lembra-se do céu. Aliás, do que se lembra sempre quando não se lembra de mais nada é do céu. Talvez pela sua omnipresença nas suas vidas. Não apenas na dele. Nas suas, ou seja, na dele e na dela. Que ele e Helena só se amaram sem tecto.
Lembra-se do céu ser uma aguarela pálida como as maçãs do rosto dela, e de talvez ter sido essa vergonha das cores faciais a encorajá-lo a tentar beijá-la pela primeira vez. Avançou com os lábios e ela recusou, empurrando-o para trás com o seu braço delicado. Depois manteve-se em silêncio muito tempo, com a mão dela a segurar a dele, amuada e tão quieta quanto a sua decepção.
O que é que estás a pensar? Perguntou ela como se pudesse pescar-lhe o encolhido pensamento que se afundava num oceano de emoções imperceptíveis. E também por isso se lembra do céu, onde escondeu os olhos enquanto limpava uma lágrima invasiva e abanava os ombros para encobrir a falta de vontade em responder.
Agora está ali, no mesmo pedaço de mundo a que milhões de anos de evolução do nosso planeta decidiram decorar com areia e mar. Por um momento acreditou que essa decoração foi feita propositadamente para esse momento em que tentou beijar Helena há muito tempo atrás, e que agora aquele espaço não é mais do que uma espécie de casa abandonada às suas recordações de infância. Tanto que apenas o céu continua lá, um pouco mais negro e violento, como se as nuvens também se lembrassem.
.
O amor nunca é só amor, pensa. É o mais forte combate à solidão e uma dádiva, porque nele abdicamos sempre um pouco de nós. Só que Mário nunca abdicou dele, depois dessa tentativa frustrada de beijar Helena em criança. Até ontem, passados quase quarenta anos, e talvez por isso tenha ido ali contar o sucedido. Não tinha mais ninguém para o fazer a não ser àquele lugar.

Há muitos anos que apanham o mesmo autocarro para voltar do emprego a casa. Ele sai sempre uma paragem antes dela. Há muitos anos que o fazem calados, aniquilando a espaços o silêncio apenas para falar do tempo ou duma notícia trivial qualquer. Há muitos anos que se olham pelo canto do olho sem um saber do desejo do outro. Há muitos anos menos ontem, quando sem perceberem muito bem porquê a mão dela escorregou para a dele e manteve-se ali, segurando-a como se segura a cria dum pardal. Ele deixou-se ir e não saiu na paragem habitual. Saiu apenas na seguinte, onde a tentou beijar avançando com os lábios sobre os dela e lhes conheceu o sabor. Depois caminharam até casa e fizeram amor. Tem mais de quarenta anos, e aprendeu agora que o sexo começa nas mãos que se dão.

12.28.2010

e ela disse que não...

Não há homem nenhum que já não tenha, pelo menos uma vez na vida, feito figura de pateta em frente à mulher que ama. Eu, no que me diz respeito, já lhe perdi a conta. Também é verdade que há mulheres a quem, se tentarmos ler o olhar, pensamos sempre que que nos estão a chamar patetas.
Um belga, ou ainda pior, um adepto de futebol belga, pediu a namorada em casamento a meio duma partida e perante o público presente no estádio. E ela disse que não... Epá, eu também dizia...

conversa 1672

Ela - Estou ansiosa que este ano termine.
Eu - Porquê?
Ela - Foi um ano horrível. Perdi o emprego, perdi o namorado. Sei lá... perdi a vontade de viver.
Eu - E só por passares o ano isso vai mudar? Eu acho que não.
Ela - Só tu para me desanimares ainda mais. Não sabes estar calado?
Eu - Não é isso. O que eu queria era mostrar-te que, se só por passares o ano consegues ficar bem disposta, então podes fazê-lo já hoje. Percebes?
Ela - Não, não percebo. Percebo é que tu tiraste-me a pica toda da passagem de ano.
Eu - Não estás a perceber. Acho que podes e deves passar o ano à vontade. Mas ficar bem disposta podes fazê-lo já hoje, agorinha mesmo.
Ela - Tu é que não estás a perceber. A passagem de ano tem uma força psicológica que um dia normal como hoje não tem.
Eu - Força psicológica?! Fosca-se!
Ela - É assim. Queres o quê?
Eu - Então convido-te para almoçar e vê se o almoço também te dá essa força psicológica.
Ela - Aceito.
Eu - Fixe!
Ela - Mas não garanto que chegue. Logo se vê...

árvores

Recentemente a Câmara Municipal de Aveiro abateu todas as árvores centenárias da principal artéria da cidade,  baseando-se num estudo que dizia as mesmas estavam doentes. O problema é que esse estudo não passa duma farsa para, daqui a uns tempos, poderem construir ali um parque de estacionamento subterrâneo em mais um negócio em que quem fica a ganhar é uma entidade privada qualquer. Falo do caso aqui.
Tenho uma ligação emocional com Aveiro que não tenho com mais nenhuma cidade, por razões óbvias. Não a acho melhor nem pior do que qualquer outra cidade, mas acho-a minha. E é minha, assim como de todos os que nela nasceram, cresceram, viveram ou amaram. É por isso que me dói passar pela avenida e não ver lá os choupos centenários a que o tempo me habituou. Acho mesmo que a sensação que tenho é similar à do fim duma forte relação amorosa. Estou triste.

12.27.2010

xadrez 18

conversa 1671

Ela - Acreditas que uma troca de olhares entre um homem e uma mulher desconhecidos possa ter um significado especial?
Eu - Acredito que possa, mas não parto do princípio que, só pela troca de olhares, haja de facto qualquer coisa especial.
Ela - Hoje de manhã, enquanto tomava café na estação, um tipo giro fartou-se de olhar para mim e eu para ele.
Eu - E houve algum sorriso, alguma coisa mais?
Ela - Não. Foi mesmo uma troca de olhares demasiado intensa para quem não se conhece de lado nenhum.
Eu - Ah! Então pode significar... não sei.
Ela (fitando-me de frente) - Foi mais ou menos assim.
Eu - Credo. Se fosse comigo acho que também olhava para ti, mas assustado.
Ela - Assustado?
Eu - Um bocadinho, pá. Tipo, se um cão estiver com ar de que me vai morder também não tiro os olhos de cima dele, que é para fugir se ele decidir correr atrás de mim.
Ela - Onde é que queres chegar com isso?
Eu - Eu acho que uma troca de olhares entre desconhecidos não costuma ser bem assim. Costuma ser mais discreta...
Ela - Pois, era essa a minha dúvida.

12.26.2010

conversa 1670

Ela - Adoro quando me dão muitas prendas com talão de troca.
Eu - Porquê?
Ela - Assim posso passar um dia inteiro a fazer compras sem gastar dinheiro nenhum.

12.24.2010

postal de natal com conversa

Ela - Imagina lá que tenho que escrever um postal para o Ivar. Estou completamente perdida.
Ele - Então porquê?
Ela - Mas tu és ceguinho? Tu não viste bem o CV que a Pólo Norte me mandou? O gaijo canta, dança, escreve, pinta, faz sapateado. às vezes tudo ao mesmo tempo.
Ele - E qual é o problema?
Ela - Era muito mais fácil se fosse um gajo que não fizesse nada de jeito. Assim, qualquer coisa que eu fizesse ou escrevesse ia fazer um brilharete.
Ele - Mas eu acho que ele não deve estar à espera do memorial do Convento.
Ela - Mas está à espera de qualquer coisa.
Ele - E tu mandas-lhe o teu melhor.
Ela - O problema é que eu devia ter começado a pensar nisto no dia 8 e hoje é dia 20 e nada.
Ele - Pois...
Ela - E sabes o que é me irrita mais?
Ele - Não, mas tu vais-me dizer.
Ela - É que o gajo tem uma gaja porreira.
Ele - E isso irrita-te porquê? Estavas interessada no gajo?
Ela - Não. Mas quando os gajos têm gajas porreiras fico com problemas de consciência se fizer insinuações sexuais. E uma insinuação sexual era coisinha para me safar desta falta de ideias.

Conversa enviada num postal de Natal pela Mente Quase Perigosa, a propósito do desafio da Pólo Norte. Há muito tempo que não recebia um postal de Natal a sério, destes que são únicos e não impressões em série para promover uma empresa ou um político. Soube-me bem. Obrigado Mente Quase Perigosa e, já agora, as insinuações sexuais caem sempre bem. :)

12.23.2010

conversa 1669

Eu – Olha! Fizeste tranças. Estás tão bonita.
Ela – A sério?
Eu – A sério.
Ela – Não me tornes a dizer isso senão dou-te duas chapadas.
Eu – Mas... só estava a dizer que estás bonita.
Ela – Sim, mas eu ando de tranças há mais de um mês e só agora é que reparaste.

mensagem de todos os dias e não de Natal

espera

Ele disse-me que estava à espera da mulher que ama. Eu também estava, pensei de imediato levando a chávena de café aos lábios para desviar discretamente o meu olhar do dele. Depois pensei que havia uma grande diferença na forma como as esperávamos. Ele estava à espera que ela voltasse de um longo período de ausência, eu estava à espera que ela voltasse da casa duma amiga. Depois vi-o levar a chávena de café aos lábios sem beber uma gota, talvez também para desviar o seu olhar do meu. E já agora o pensamento.
Não há muito a dizer a alguém que consideramos, de facto, amigo e que vemos à espera de um navio que não se vislumbra sequer na imensidão do oceano, apesar de querermos dizer qualquer coisa. O café acabou e aproveitei o pedido de duas cervejas para o enfrentar olhos nos olhos.

- Acho que entre duas pessoas que partilham a vida a espera pode fortalecer ou enfraquecer a sua relação. Fortalece quando é certa, enfraquece quando se torna longa e por isso incerta.
- É...

Espera. A mesma palavra pode abranger dois sentimentos tão distantes como Mercúrio e Plutão, dois sentimentos que giram à volta do mesmo centro mas jamais significarão algo semelhante. E com essa diferença vi-o sair dali com a alma nos pés, deixando a garrafa de cerveja tão cheia como veio a este mundo.
Foi duas noites depois que fez a barba com mais cuidado que o habitual, que se penteou com a ponta dos dedos e, pela primeira vez em muitos anos, passou as calças a ferro antes de as vestir. Depois mergulhou nesse oceano para o qual se habituara a olhar esperando em vão. Um oceano de pessoas atrasadas para apanhar um autocarro, outras fazendo compras em shoppings apinhados, outras combatendo a solidão na mesa de um bar qualquer. Um oceano onde talvez nos cruzemos com alguém por quem possamos esperar todos os dias com a certeza que vem, e que um dia encontrou mesmo.
Esta é uma história da carochinha, como ele próprio a definiu mais tarde, mas é verdadeira, para ele e para mais alguns milhões de homens neste planeta algures entre Mercúrio e Plutão. É verdade também para todos os que acham que estão sozinhos e ainda não perceberam que não estão. E é também o que eu vos queria dizer hoje, não sei bem porquê. Na verdade até me sinto estúpido a dizê-lo mas... tentem ser felizes.

12.22.2010

conversa 1668

Eu - Ena! Estás com bom aspecto.
Ela - A sério?
Eu - A sério.
Ela - Apaixonei-me, sabes?
Eu - Ah! tinha que ser. Estás com aspecto de apaixonada, sim. Quanto tempo é que estiveste separada?
Ela - Dois anos. Menos que tu, portanto.
Eu - Sim, eu estive quase três.
Ela - Eu já estava a achar muito tempo, para ser sincera.
Eu - Muito tempo?
Ela - Sim. Tenho mais de quarenta anos e o envelhecimento numa mulher é mais grave do que num homem.
Eu - Achas?
Ela - Acho.
Eu - Porquê?
Ela - Porque sou mulher.

conversa 1667

Ele - Cada vez que uma relação me parece estar a correr bem faço sempre o mesmo.
Eu - O quê?
Ele - Deito tudo a perder.
Eu - Deitas tudo a perder porquê?
Ele - Epá! É como se tivesse medo de ser feliz, não te sei explicar muito bem.
Eu - E não tens medo de ser triste?
Ele - Acho que tenho menos medo. Já estou habituado.

depois de um divórcio

a verdade da mentira

Depois do meu divórcio fui-me habituando à mentira que me dizia que eu estava sozinho, como se a única fuga desta vida à solidão pudesse ser uma mulher a quem se chame isso mesmo. Não é, e disso me apercebi ao mesmo tempo que os meus novos hábitos e comportamentos se me tornavam familiares. Coisas tão simples como telefonar às dez da noite a um amigo para a convidar a beber uma garrafa de vinho, ir à última sessão de um filme qualquer durante a semana ou simplesmente desaparecer uns dias sem dizer nada a ninguém.
Das mulheres que me tangeram esses dias, em forma de quase-sexo, sexo ou mesmo quase-início-duma-relação, lembro-me que me incomodava a forma como trituravam subtilmente esses meus novos hábitos. Afinal estar divorciado não era assim tão mau e passei para a fase da despreocupação com a minha vida emocional.
A vida emocional, para quem não sabe, não é o amor que sentimos pelo outro nem o egoísmo que nos habita dia a dia. É a verdade que resta daquilo que é mentira, mesmo quando toda a nossa vida é uma grande mentira. E é por isso, só por isso, que mesmo despreocupados nos podemos voltar a apaixonar.
Há dias, um amigo recentemente divorciado, disse-me que a maior vantagem do divórcio dele era que nunca mais tornava a passar pela mesma dor. Mesmo que um dia se apaixone de novo e a mulher o deixe, tudo o que vai sentir são apenas resíduos do que sente actualmente. Assenti compreendendo-o, mas também pensei que ele não é capaz de se apaixonar ainda. E não o é por um motivo muito simples: ainda acha que não é capaz de sofrer por uma mulher como sofreu pela primeira. É a verdade dele, dentro da mentira que é a sua vida neste preciso momento.
Não me digam nunca que o amor é uma coisa bonita. Não é. O Amor é apenas o nosso egoísmo no seu auge, e se eu hoje quero que a Raquel seja feliz é porque isso me faz feliz a mim. Mais nada. E na verdade, se alguma vez pensei que nunca na vida poderia sofrer como sofri no meu primeiro divórcio, enganei-me redondamente. Posso sofrer mais ainda, e foi ela que me ensinou isso.

12.21.2010

como ele e ela embrulham prendas de natal...

ele:
1] Coloca as prendas em cima da mesa da sala.
2] Embrulha-as.

ela:
1] Coloca as prendas em cima da mesa da sala.
2] Ainda não tem a certeza a quem vai oferecer algumas das prendas, por isso pergunta ao marido que está a ver o resumo de um jogo de futebol na televisão.
3] O marido diz que não faz ideia. Ela amua e espalha várias folhas de papel de embrulho pelo chão da sala para tentar decidir que papel e que prendas são para quem.
4] Protesta porque teve muito pouco tempo para comprar prendas e para pensar na festa do Natal
5] Desliga a televisão e obriga o marido a ajudá-la. O marido sai de casa e vai tomar café.
6] Enquanto o marido está fora ela sente-se muito mais calma e já consegue pensar no assunto. Faz uma lista com as prendas, o tipo de papel correspondente, a cor do laço e o destinatário de cada prenda.
7] O marido regressa e ela manda-o embrulhar tudo de acordo com a lista porque ela ainda tem que fazer filhós.

conversa 1666

(no café)

Ela - Tenho que ir para casa tomar banho já. Desculpa.
Eu - Já?
Ela - Já. Não reparaste em nada no meu cheiro?
Eu - Cheiras um bocadinho a perfume.
Ela - Um bocadinho?
Eu - Pronto, cheiras muito a perfume.
Ela - É pior do que isso. Cheiro muito a uns dez perfumes.
Eu - A uns dez?
Ela - Sim, estive a comprar perfumes para oferecer no Natal e tive que experimentá-los todos.
Eu - Ah! Já percebi. Por que é que não compras o mesmo perfume?
Ela - O mesmo perfume?
Eu - Sim, se gostas de um perfume, gostas e pronto, dá para todos.
Ela - Nada disso. Comprar um perfume para a minha mãe não é a mesma coisa que comprar um perfume para a minha colega de trabalho, que por sua vez não é a mesma coisa que comprar um perfume para a minha amiga confidente, que por sua vez não é a mesma coisa que comprar um perfume para a minha filha, que por sua vez...
Eu - Pára! Já percebi.
Ela - Estás chateado?
Eu - Não, não. Vai lá tomar banho...
Ela - Vou mesmo. Até porque depois ainda tenho que voltar à perfumaria. Falta-me um perfume para mim mesma.

12.20.2010

pensamentos catatónicos (226)

Se há coisa que tenho a certeza relativamente à diferença de géneros, é que as mulheres se organizam muita mais facilmente na sua desorganização pessoal. Bem sei que qualquer pessoa, homem ou mulher, poder ser mais ou menos organizada, mas também sei que nunca em toda a minha vida consegui perceber a organização duma mulher de quem me tenha feito íntimo e, no entanto, acabei sempre por perceber que são melhores do que eu nesse aspecto.
Eu, por exemplo, se quiser passar a noite a ler um livro no sofá, não o consigo fazer sem ter a cozinha e a sala arrumadas. Não consigo penetrar no mundo fictício das páginas de texto quando sei que o meu próprio mundo está todo desarrumado. Por isso arrumo-as. O problema é que depois já não sei onde pus o livro e tenho que andar à procura dele meia-hora. Quando o encontro reparo que já sei onde pus os óculos...
Não conheço mulher que não seja capaz de ler no cume de um monte de roupa por passar a ferro, com a cozinha num caos e a cama por fazer. No entanto, quando lhe pergunto onde está qualquer coisa ela sabe sempre. E aqui é que surge a grande questão: depois de lhe perguntar isso é que penso em como me irritaria se ela tivesse a distinta lata de me interromper a leitura dum livro para perguntar algo semelhante.

salvem as baleias


A PeTA (People for the Ethical Treatment of Animals) lançou em 2005 uma campanha para que as pessoas se tornassem vegetarianas, ou seja, se comesse menos animais. "Salvem as baleias", dizia um cartaz exibindo parcialmente uma mulher gorda de biquíni. A campanha tentava assim convencer que a carne engorda e que quem engorda se passa a parecer com uma baleia.
Não é fácil ser gordo, mas é ainda menos fácil ser uma mulher gorda. Acho muito bem que se adopte uma política para ajudar as pessoas a ter uma vida mais saudável e sei que isso passa também por ter um peso adequado. O que não percebo é como é que uma associação tão empenhada em defender animais, seja ao mesmo tempo tão facilmente agressiva para com pessoas.

conversa 1665

Ela – Já ouviste dizer que às vezes a distância entre duas pessoas pode aproximá-las?
Eu – Claro que já. Aliás, acho que às vezes isso é verdade.
Ela – Achas?
Eu – Acho.
Ela – E eu acho que estou a precisar disso neste momento. Gosto muito do Jorge mas neste momento acho que devia fazer um intervalo na nossa relação.
Eu – A sério? Nunca pensei...
Ela – Ainda não comprei prenda de Natal nenhuma e assim era menos uma para me preocupar.

12.19.2010

conversa 1664

(na minha casa)

Ela - Está aqui a cheirar mal.
Eu - A cheirar mal? E o que é que queres que eu te faça?
Ela - Por exemplo, que leves o saco de lixo lá para fora. Já deve estar aqui há três meses.

conversa 1663

Ela - Caramba! Isto depois de uma mulher se divorciar é um tal engordar... nem imaginas.
Eu - É?.
Ela - É, eu engordei. Acho que tenho que me inscrever num ginásio porque agora, sem sexo, não tenho onde gastar calorias.
Eu (risos) - Além disso os ginásios são um bom local de engate.
Ela - Devem ser... mas, por falar nisso, o sacana do meu ex emagreceu.
Eu - Sacana porquê?
Ela - Ele não anda em nenhum ginásio. Portanto... já se safou.

12.18.2010

ver (mais um conto de Natal)

A primeira coisa que fez foi atirar os enfeites de Natal pela janela. Todos eles pareciam completamente alheados da sua tristeza e talvez até andassem a gozar com ele, pensou. Um Pai Natal de papel, algumas fitas e bolas coloridas, uma estrela e algumas prendinhas em miniatura compradas numa loja dos trezentos. A árvore, essa, ficou ali abandonada no canto da sala, tão nua quanto o seu espírito.
Mastigava o tempo como se mastiga comida de que não se gosta muito, como se a sua função mais importante neste mundo fosse transformar continuamente oxigénio em dióxido de carbono e o seu corpo já se tivesse apercebido disso. Respirava sofregamente para não fazer mais nada. Nem pensar, nem sorrir, nem amar. E dessa incapacidade de amar apercebeu-se logo na terceira noite após o divórcio, que as duas primeiras passou-as a deambular pensamentos soltos dentro duma insónia cansada demais para os perceber, quando uma vendedora lhe tocou à campainha da porta plastificando um sorriso de serviço nos lábios. Ele espreitou pelo óculo e não abriu, não se preocupando sequer em manter o silêncio para fingir que não estava ninguém em casa.
O problema do divórcio não era só a distância repentina da mulher de quem esforçadamente aprendera a não deixar de gostar. Eram a casa e a cama vazias, era a indiferença dos telejornais que teimavam em não dar nenhuma notícia sobre o fim do mundo e, por aqueles dias, era também a noção de que vinte anos com ela tinham sido um erro irrecuperável. Fechou-se em casa e em si mesmo. Na verdade, sabia que os dias continuavam a passar apenas porque lá fora já fizera noite, já se fizera dia, e agora anoitecia outra vez.
A campainha tornou a tocar, desta vez mais tempo, como se quisesse avisar que a vendedora não ia desistir. Abriu a porta disposto a resolver aquele ruído na sua tristeza duma só vez, provavelmente expulsando-a com o vocabulário mais cavernoso e brejeiro que conhecia, para tornar a enrolar-se sobre si mesmo no sofá como um animal que precisa de hibernar. E veio o silêncio. A mulher mantinha ainda o sorriso como se o tivesse conseguido petrificar, e sendo pedra parecia poder quebrar com ele qualquer coisa. Quebrou-o a ele, pelo menos, que pela primeira vez em alguns dias sentiu os músculos da face e do peito a abrandar.
Sim? Perguntou ele tentando que a voz lhe saísse o mais inofensiva possível.
-Sou a sua vizinha de baixo. - disse ela pondo-lhe o olhar mais analítico possível. - Acho que os seus enfeites de Natal caíram na minha varanda...
A vizinha de baixo, constatou ele contemplando-a como se contempla o mar a primeira vez que se o vê. Também os seus cabelos lhe ondulavam nos ombros como uma maré enchente, também nos seus olhos se desenhava a linha do horizonte sustendo uma imensidão azul. Também tudo. E como durante anos nunca a tinha visto assim, passando por ela da mesma forma que se passa por um transeunte anónimo qualquer num centro comercial, talvez a sua nova condição de divorciado não fosse assim tão má. Pelo menos tinha uma nova forma de ver.

12.17.2010

conversa 1662

Ela - Devo acreditar num homem que só me diz que me ama se estiver bêbado?
Eu - Pelos vistos deves é mantê-lo bêbado.
Ela - Talvez, talvez...
Eu - Estás com um ar maléfico. O que é que estás a pensar?
Ela - Deste-me uma ideia.
Eu - Ui! Que ideia é que eu te dei?
Ela - Levo-o para casa e embebedo-o, depois durmo com ele. Tranco a porta e escondo a chave para ele não poder sair. De manhã, quando ele acordar sóbrio, logo vejo pela cara dele se me ama mesmo ou não.
Eu - Não estás a falar a sério, pois não?
Ela - Naaaaaa... foi só uma ideia fugaz que me passou pela cabeça.

conversa 1661

Ela - O meu namorado tem uma disponibilidade excessiva para mim.
Eu - Disponibilidade excessiva? Não, não percebo.
Ela - Chega todos os dias atrasado ao emprego para tomar o pequeno-almoço comigo no café, porque eu entro mais tarde do que ele e por isso acordo também mais tarde.
Eu - E no emprego não lhe dizem nada?
Ela - Dizem, de certeza que dizem.
Eu - E tu não podes acordar mais cedo? Já que fazem questão de tomar o pequeno-almoço juntos...
Ela - Estou a ver até onde vai o servilismo dele, a ver onde é que a corda parte.
Eu - Ah!
Ela - E ele está a desiludir-me.
Eu - A desiludir?
Ela - Sim. Gosto que um homem saiba dizer que não e que não ponha a mulher à frente de tudo.

12.16.2010

pensamentos catatónicos (225)

Ela sentou-se à minha frente no comboio enquanto eu lia "O Jogo do Anjo", de Carlos Ruiz Zafón, e tocou-me no ombro. Cumprimentei-a e ela começou a falar, como se fosse natural eu fechar o livro para a ouvir. Olhei-a discretamente por cima das páginas que me deliciavam e percebi que sim, para ela era normal eu sair do mundo onde estava para entrar no dela. Por uma questão de simpatia, mas também por hipocrisia, foi o que fiz fechando o livro que guardei entre as minhas mãos.
Não a conheço muito bem. É uma mulher com olhar de lince que de vez em quando, mesmo muito de vez em quando, encontro por aí à noite e a quem pergunto se está tudo bem, sem no entanto estar interessado na resposta. Acho que a conheci só porque numa noite qualquer ela estava com alguém que eu conhecia melhor, e sempre tive a certeza que ela me respondia também sem dar a mínima importância à minha pergunta. Nunca tivemos uma conversa que nos interessasse, a mim ou a ela, de facto.
Acho que as pessoas podem passar anos sem se conhecerem mesmo, disse ela desafiando todo esse nosso passado inconsequente e ainda mais a minha aparente dificuldade em fechar o livro. Referes-te a ti e a mim? Perguntei. Assentiu com os olhos. Depois abriu a carteira e tirou ela um livro, marcado numa página mais ou menos a meio, que começou a ler sem me ligar mais. Ela, que me tinha arrancado à força d' O Jogo do Anjo, deixava-me agora a pairar num limbo enquanto virava as suas próprias páginas. Acho que o que ela me quis dizer é que esse limbo que eu sentia sempre existiu entre nós.
Não voltei à obra do Carlos Ruiz Zafón até ao fim da viagem. Não sei por que motivo há pessoas a quem, desde o primeiro segundo, dedicamos toda a nossa atenção, e há outras de quem nos desviamos como se fossem chuva. Sei que, apesar de tudo, às vezes a chuva molha-nos.

conversa 1660

Ela - É verdade que  a tua namorada foi uma paixão tua do liceu?
Eu - É.
Ela - Quer dizer que no liceu já gostavas dela?
Eu - Sim.
Ela - E ela? Gostava de ti?
Eu - Nem me conhecia e agora, vinte e tal anos depois, vim a saber que nem reparava em mim. Simplesmente não se lembrava de mim.
Ela - Epá! Gostava que isso me acontecesse.
Eu - O quê?
Ela - Um gajo em quem eu não reparava no liceu apaixonar-se agora por mim.
Eu - Um específico?
Ela - Sim. O Miguel, por exemplo.
Eu - Pelo menos sabes o nome dele. A minha namorada nem o meu nome sabia...
Ela - O Miguel foi a minha paixão do liceu também. Claro que oficialmente nunca reparei nele...

chopinho brasileiro

Hoje à noite, a partir das 22:30, passo música no Clandestino Bar, em Aveiro. Não há nenhuma noite em que não passe pelo Brasil. Por isso mesmo fica aqui um cheirinho do que mais gosto desse país e, já agora, um convite para o meu site pessoal. Obrigado.

12.15.2010

água

Diz este estudo do Correio da Manhã que as mulheres têm mais prazer no acto sexual quando usam um gel feito à base de água. Até aí tudo normal, parece-me. O que me inquieta é que a mesma notícia diz que "os investigadores analisaram mais de 10 mil relações vaginais com penetração e 3000 actos de masturbação". Eu, muito sinceramente, se tivesse um investigador científico sentado na ponta da cama, com um bloco de apontamentos e uma caneta, a tirar apontamentos durante o acto, não ia lá de certeza.

conversa 1659

(no café)
Ela – Acho que davas um psiquiatra excelente.
Eu – A sério?
Ela – Sim. És um bom ouvinte e os bons ouvintes dão excelentes psiquiatras.
Eu – Não sabia que era um bom ouvinte, por acaso.
Ela – Mas és, ainda agora o provaste. Eu nunca tinha conseguido falar de forma tão clara sobre os problemas do meu relacionamento com o meu marido.
Eu – Quais problemas?
Ela – Os que te falei agora mesmo.
Eu – Agora mesmo? Ah!...
Ela – Não me digas que não ouviste nadinha...
Eu – Não é isso. É que... estava aqui a pensar noutra coisa. Mas fui ouvindo, fui ouvindo...
Ela - Retiro o que disse. Davas era um psiquiatra sacana.
Eu – Um psiquiatra sacana? Essa agora...
Ela – Sim, um daqueles que finge que está a ouvir tudo e no fim pagamos-lhe a consulta para nada.
Eu – Vais pagar as cervejas?
Ela – Ao menos cala-te.

viagens

A Raquel gosta de viajar. Ainda bem, penso eu. Acredito pouco na capacidade de amar das pessoas que não gostam de o fazer, e como eu amo a Raquel quero que ela tenha essa capacidade. Por mim, é verdade, mas também por ela.
Viajar e amar é mais ou menos a mesma coisa. É percorrer locais que desconhecemos sem muitas vezes perceber se devemos virar à esquerda ou à direita, se é melhor descansar um pouco ou forçar o passo e o cansaço, se é melhor experimentar este ou aquele restaurante. Enfim, numa coisa e na outra estamos constantemente a optar e a arriscar.
É por isso que quem pensa que a opção de amar uma pessoa só serve para o fazer feliz está redondamente enganado. O amor está longe de ser só felicidade, embora esta seja a face mais importante dele. Quem viaja sabe que virar à esquerda numa rua desconhecida pode, a qualquer momento, ser uma experiência desagradável ou pelo menos monótona. E talvez esta seja a principal vantagem de quem gosta de viajar, saber que no Amor também há desolação e que é preciso saber ultrapassá-la.
Repito que a Raquel gosta de viajar. Ainda bem, penso eu.

conversa 1658

Ela – Estás porreiro?
Eu – Estou, e tu?
Ela – Vou andando. Passei uma fase má depois do meu divórcio mas agora apaixonei-me e estou a viver com um homem que me faz feliz.
Eu – Divorciaste-te antes de mim, não foi?
Ela – Foi, acho que sim. Divorciei-me em 2004, precisamente durante o Europeu de futebol em Portugal.
Eu – Pois, eu foi em 2006. Mas ainda bem que estás bem e que encontraste alguém. Fico contente.
Ela – Ainda estamos no princípio. Espero que corra bem. Gosto tanto dele.
Eu – Há-de correr bem. Se gostas dele e ele de ti não há nada para correr mal.
Ela - Estou à espera do teste final.
Eu – Que teste?
Ela – Do próximo Europeu ou Mundial de futebol. É sempre durante um Europeu ou Mundial de futebol que me chateio com os homens.
Eu – O próximo é só em 2012, acho eu.
Ela – Bem, pelo menos tenho algum tempo para ser feliz.

conversa 1657

Ela – Só há uma maneira para eu conseguir ter uma relação estável com o meu marido.
Eu - Qual é?
Ela – Ele tem que perceber que eu sou um pouco instável.

12.14.2010

conversa 1656

(no café)

Ela - Estás a beber cerveja logo de manhã?
Eu - Apetece-me. Mas esta cerveja é sem álcool.
Ela - Ah! Pensei que estavas com dificuldade em enfrentar o dia.
Eu - Bebes sempre que tens dificuldade em enfrentar alguma coisa?
Ela - Nunca reparaste que quando estou contigo normalmente embebedo-me?

coisas que fascinam (110)

Acho que me lembrei de um segundo, não sei porquê. Um segundo de um minuto de uma hora ao fim de uma tarde de mil novecentos e oitenta e oito. Ou por aí, que do ano já não me lembro bem. Só do segundo. A escadaria do liceu parecia um formigueiro excitado e eu uma formiga mais lenta do que as outras. Ela veio por trás de mim em passo apressado, abraçou-me e deu-me um beijo na face. Depois continuou em corrida até ser engolida pela multidão de adolescentes coloridos. Foi só isso.
Hoje de manhã vi-a pela janela do comboio a passear no cais três. A minha composição arrancava de Aveiro em direcção ao Porto e a dela acabava de chegar. Ao vê-la, foi desse segundo que me lembrei, há não não sei quantos anos. Não sei porquê. Um segundo pode marcar-nos mais do que um ano.

12.13.2010

conversa 1655

Ela – Acho que tenho um problema.
Eu – Qual é?
Ela – Nunca me apetecer iniciar o sexo, mas depois de começar nunca mais me apetece parar.
Eu – Ui! Isso é um problema, sim.
Ela – O meu marido também acha isso. É sempre ele que tem que iniciar a coisa.
Eu – Pois... mas isso de ter maior ou menor apetite sexual são só fases. O problema é depois de começares nunca mais quereres parar, acho eu. Como é que ele aguenta?
Ela – Acaba por adormecer.

12.10.2010

conversa 1654

Ela - O meu marido decidiu oferecer-me roupa interior. Sutiãs e cuecas...
Eu - Ah!
Ela - Só que nada do que ele me ofereceu me serve. É tudo pequeno.
Eu - Ah!
Ela - Agora preciso da tua opinião como homem.
Eu - Que opinião?
Ela - Achas que ele me imagina mais magra do que sou ou achas que me está a mandar uma indirecta para eu emagrecer?
Eu - Não sei, não sei...
Ela - Diz lá.
Eu - Não sei que te diga. Olha, se eu fosse a ti vingava-me e oferecia-lhe umas cuecas uns números abaixo do dele.
Ela - Nem pensar nisso. Ainda pensa que eu quero a coisa dele mais pequena.
Eu - Qual coisa?
Ela - A coisa, pá.
Eu - Ah!

vingança

O Amor é muitas vezes um cão sem faro, uma sequência de erros sucessivos que formam um erro enorme e absoluto. É uma pega de frente a um touro agressivo de cornos bem afiados. No fundo é uma cegueira total. E ainda bem que é assim, porque se assim não fosse o Amor nunca poderia ser ele mesmo. Para acertarmos é preciso falhar primeiro. Uma, duas, três, ou quantas vezes for preciso.
Eu sentia que ia passar a noite a seguir um grupo de homens e mulheres a alguns metros de distância, como um lobo que ainda não foi aceite pela matilha, mas quando a Márcia me telefonou a perguntar se eu queria ir jantar com ela e uns amigos aceitei sem hesitar. Depois disso veio uma viagem de automóvel, umas apresentações mornas que confirmavam que eu não era bem vindo no grupo e uma aprendizagem sobre como parecer que se está bem disposto quando de facto não se está.
Apaixonei-me por Márcia uns dias antes na internet, e quando um dos meus melhores amigos me criticou por eu me sentir apaixonado por alguém que nunca tinha visto, rebati o seu pessimismo com a certeza que um amor que começa pelas palavras é de certeza mais forte do que um que começa pelo prazer do sexo. Enganei-me. E foi assim que conheci a Sandra.
Márcia sentou-se à minha frente na longa fila de mesas e cadeiras no restaurante e era a única pessoa disponível para falar comigo. Por isso, quando o deixou de fazer passei a sentir-me numa ilha. Eu, uma garrafa de vinho e uma mesa enorme vazia cercada por um mar de gente a dançar em fila uma música pateta qualquer. Até que da maré brava deu à costa Sandra, uma mulher em quem eu tinha reparado por ter passado o jantar calada a cinco ou seis cadeiras de distância de mim, e que de repente, talvez embalada por aquela dança frenética, se sentou ao meu lado e bebericou directamente do meu copo de vinho.

- Vamos até lá fora? - Perguntou.
- És a minha única companhia. Faço tudo o que tu quiseres. - Mendiguei.
- Tudo mesmo?
- Tudo.
- Dormes comigo se eu te pedir? - Riu-se, não percebi se pelo vinho ou pela pergunta.
- Durmo.

Segui-a de perto para não a perder. Primeiro entre todos os que dançavam, depois lá fora entre a noite que entretanto se deitara na cidade e por fim de automóvel, até ela passar o portão do jardim duma casa de campo e me fazer sinal para estacionar na rua. Veio-me buscar ao carro e levou-me para dentro pela mão.

- Não quero sexo. - Disse. - Não te esqueças que disseste que fazias tudo o que eu quisesse.

Assenti que sim com a cabeça. Na verdade nem me importava. Para mim estar ali significava pelo menos salvar aquela noite de um vazio total. Deitámo-nos e falámos de tudo, que às vezes é mais fácil falar com um desconhecido do que com um amigo sobre as coisas que nos ocupam o espírito. Por fim adormecemos, talvez ao mesmo tempo.
O som dum cão a ladrar chegou antes da luz do Sol, mas só com ela é que acordei definitivamente. Tapei Sandra que parecia ter dormido com o vento, pelo menos pela forma dos lençóis do seu lado da cama, e saí para lavar a cara e urinar. Dei de frente com a Márcia a sair do quarto, que pelos vistos chegara já bastante alcoolizada a casa e dormira mal por causa da correspondente dor de cabeça.

- Eu convido-te para vires cá e tu acabas na cama com a minha irmã? - Perguntou pondo a mão na testa como se a sua recente descoberta lhe tivesse agravado a enxaqueca.
- É bem feita! - Gritou a irmã lá de dentro.

Eu, que nem sabia que elas eram irmãs, tinha servido para uma vingança qualquer. Talvez por isso, e por ter simpatizado com Sandra, não revelei que debaixo daqueles lençóis só se tinham trocado palavras.
Vim embora. Nunca mais as vi.

à espera duma puta chamada Gaivota

Tenho consciência absoluta que isto é um exercício de pura masturbação intelectual e que porventura não interessará a quase ninguém. É uma pequena brochura com poesia dedicada a uma puta chamada Gaivota que fiz há bocado a partir duns versos escritos em 2006 (acho eu). Eu escrevi-os porque sim. Quem quiser pode baixá-los aqui. Porque sim também e com o meu agradecimento.

12.09.2010

i

O jornal i passou por aqui. O meu agradecimento com um shot de bagaço.

conversa 1653

Ela - Se há coisa que detesto é quando um homem vem com a conversa de que é casado mas a relação dele está mal e blá blá blá...
Eu - Porquê?
Ela - Porque isso é só conversa de engate de coitadinho. Se a relação dele está mal que se divorcie.
Eu - Era bom que as coisas fossem assim tão simples...
Ela - E são simples.
Eu - São?
Ela - São. Para mim, pelo menos, são. Dá-me muito mais gozo ir para a cama com um gajo que tenha um casamento sólido do que um gajo cujo casamento esteja a desabar.
Eu - A sério? E achas que um gajo que tem um casamento sólido vai assim, sem mais nem menos, para a cama com outra mulher?
Ela - Oh rapaz! Isso até pode ajudar a solidificar um casamento.

conversa 1652

(num bar)

Ela (cantarolando a "vida de marinheiro" dos Sitiados) - Esta vida de divorciada está a dar cabo de mim. Pom porom pom pom porom pom pom porom pom pom!
Eu (risos) - Está dar cabo de ti, porquê?
Ela - Porque ando a descobrir uma coisa terrível sobre os homens divorciados da minha idade.
Eu - O quê?
Ela - Cheiram mal dos sovacos.

12.07.2010

conversa 1651

Ela - Hoje de manhã estava a limpar a casa de banho e encontrei uns cabelos loiros e compridos.
Eu - E depois?
Ela - E depois eu sou morena, tenho o cabelo curto e vivo só com o meu marido.
Eu - Ah!
Ela - Peguei logo no telefone e liguei-lhe furiosa.
Eu - E descobriste de quem eram, ao menos?
Ela - Durante o telefonema lembrei-me que eram duma amiga minha que jantou lá em casa este fim de semana.
Eu - Problema resolvido, então.
Ela - Sim, só que entretanto o meu marido atendeu e eu não tinha nada para lhe dizer.
Eu - Ah!
Ela - Disse-lhe que tinha saudades dele e queria-lhe dizer o quanto gosto dele.
Eu - Saíste-te bem.
Ela - Mais ou menos. Ele perguntou-me logo que asneira é que eu tinha feito para lhe estar a dizer aquilo, por telefone, a meio da manhã.

12.06.2010

segredos do mar

Amanhã, dia 7 de Dezembro e véspera de feriado, Couscous Prosjekt em versão solo (que é como quem diz, a partir de agora é só com o dj Bagaço Amarelo) no Mercado Negro a partir das 22:00. Os Citânia, com o Vitorino e a Maria Zogopoulou, talvez passem por lá para contar alguns segredos e beber um copo.

como agarrei uma divorciada - the final cut

Estava à procura de um disco específico para ouvir o primeiro minuto de cada música, "Welcome to Mali" do duo Amadou et Mariam. Tinha combinado com a Raquel às oito na Fnac e chegado mais cedo propositadamente para pôr as minhas pré-escutas da secção de worldmusic em dia. Nessa altura já eu sabia que ela, que me tinha enviado uma fotografia por email durante o dia, era a minha paixão da adolescência.
Escusado será dizer que não consegui ouvir nada, apesar de acumular algumas dezenas de cds em ambas as mãos. Os sons fugiam-me da mesma forma que ela me fugira mais de vinte anos antes na minha adolescência, como se fosse uma música que nos embala uma única vez nas doces ondas hertzianas dum programa de rádio, para depois terminar num silêncio empedernido do qual nem o nome sabemos. Por trás dessas montanhas de cd's nasceu solarenga finalmente a face dela.
Rapidamente apreendi que uma tamanha coincidência cosmológica não nos pode acontecer duas vezes na vida, e que se passara todos os meus tempos de miúdo a engolir as palavras que me pediam sempre que as soltasse, não ia repetir a asneira. "Olá Raquel! És o meu amor do liceu. Sabias?"
Não, ela não sabia.

ena!

Deixo este blogue aos cuidados da minha companheira durante três ou quatro dias e ela bate o recorde diário de visitas. De certeza que querem que eu continue a escrever aqui?

pensamentos catatónicos (224)

"Como nos ensina Freud, a mulher deseja o contrário daquilo que pensa ou declara, o que, bem vistas as coisas, não é assim tão terrível, porque o homem, como nos ensina o Calino, obedece em contrapartida aos ditames do seu aparelho genital ou digestivo."

in "A Sombra do Vento", de Carlos Ruiz Zafón

Como agarrar um divorciado - Epílogo

Quando o Bagaço me propôs assegurar os posts deste blogue na sua ausência eu hesitei bastante. Que grande responsabilidade seria dar continuidade a uma forma única de estar na blogosfera, onde se alia sensibilidade e sentido de humor. Ponderei e decidi aceitar.

Eu já estive desse lado. Eu já fui (continuo a ser) a leitora que sorria com as conversas e sonhava com as "coisas que fascinam". E, se ainda houver, por aí, um(a) leitor(a) que seja que se sinta como eu me sentia na altura em que decidi arriscar um e-mail ao autor, gostava que soubesse da nossa história. Gostava de dar o meu testemunho para garantir que sim, o amor é possível.

Sorte, coincidência, dirão... Sim, concordo, em parte... Mas que não teria existido sem um primeiro passo. Não desistam nunca de procurar o amor. E sejam felizes.

Raquel


PS: o Bagaço está a chegar. Este blogue vai seguir o seu registo habitual. Obrigado pela Vossa presença.

12.05.2010

Como eu agarrei um divorciado: pura sorte!

“Quanto ao café, desafio aceite. Marca a data”, disse-lhe. “E não, não sou enóloga. Lamento a desilusão. Mas gosto muito de vinho. De preferência tinto”.

Demorou cerca de uma semana a compatibilizarmos os nossos horários e acertarmos a data e o local para o café. Combinámos na Fnac: “devo levar uma flor na lapela para saberes quem sou?”, perguntei. “Não precisas de levar uma flor na lapela... mas por acaso não faço a mínima ideia de como és: preta, branca ou amarela; alta, baixa ou assim assim; morena, loira ou ruiva... mas acho que tu me reconheces”, respondeu-me.

"25 - Não sou loira.
 26 - Não sou preta.
 27 - Não pinto o cabelo."

Pareceu-me justo enviar-lhe uma foto minha, para que nos pudessemos reconhecer mutuamente.

À hora marcada avistei-o por detrás de uma pilha de CD's de música do mundo. Espreitei e sorri-lhe. Antes de eu dizer qualquer coisa, ele anunciou: “estive apaixonado por ti!”. - Como? - Tu não andaste na Escola Comercial, em Aveiro? - Sim, andei... - És a Raquel, e eu gostava de ti...

Que engraçado! Meto-me com um rapaz na internet, marcamos um café e ele não só se lembra de mim dos tempos do liceu, como tinha um fraquinho por mim...

Não, eu não me lembrava de alguma vez o ter visto. No entanto, foi como se nos conhecêssemos desde sempre, tal foi a fluidez da conversa e as memórias de pessoas e lugares comuns. Doce e terno, é assim que recordo o nosso primeiro encontro.

No fim-de-semana seguinte saímos juntos de novo. Levou-me a Aveiro e apresentou-me a um amigo: "Esta é a Raquel, é a minha namorada.”

12.03.2010

A curiosidade matou o gato

Modéstia à parte, despertei nele a curiosidade. Ele não me ia deixar ir embora, assim, sem pelo menos me pôr a vista em cima. "Já valeu a pena?" Não, não... Isto não acaba aqui. E lançou o desafio para um cafezinho:

Olá Raquel,

Estudaste em Évora e trabalhas no Porto... hum... hum... se por acaso fores enóloga, isso sim, dá-te duzentos ponto extra. :)
Não te preocupes. A minha pontuação nos requisitos mínimos de mulheres também não tem andado famosa. Na verdade acho que tem sido sempre negativa.
Acho que apesar das baixas pontuações sempre se pode tomar um café um dia destes. Em Aveiro, Matosinhos (às vezes vou à fnac do Norte Shopping mas nunca ao fim de semana), Porto ou Baixa da Banheira. Os requisitos para tomar café são menos exigentes: é ter entre €0.55 e €0.90 e alguma vontade.
A mim calhou-me uma filha mulher. Agora está com nove anos e agradavelmente incompreensível. Vai dar quase ao mesmo...

Beijos
Ivar


Estava a melhorar. Estes requisitos eu cumpria a 100%. Só faltava marcar a data e o local.

Não compreendo os homens

Não gostei muito da pontuação do teste. Não gosto de notas medianas e eu tinha-me esforçado (foi quase uma manhã de trabalho roubada ao chefe para responder àquilo tudo). Restava-me uma saída airosa, demonstrando o meu (falso) desinteresse:

Assunto: Não compreendo os homens

Olá Ivar,

Sim, tens razão, isto não está famoso. E eu que tinha tantas esperanças... Acho que vou tentar o Tarzan Boy, então. Só um esclarecimento quanto aos sacos de plástico: quando vou ao supermercado e não levo sacos dos meus, insisto com as meninas que cabe tudo em metade dos sacos que elas querem. E não é para poupar o dinheiro do Belmiro de Azevedo ou do Jerónimo Martins. Mais um pontinho?

Sim, sou de Aveiro. Não sei se alguma vez nos cruzámos, de qualquer modo tenho péssima memória para caras e nomes. Saí de Aveiro em 1990 para ir estudar para Évora e de lá vim directo para o Porto, para trabalhar, em 1995. Estou por cá desde então.

Fui parar ao teu blog por acaso (como sempre acontece, não é?) e achei piada ao nome. Vocês não compreendem as mulheres, as mulheres não vos compreendem... Acho que isso faz parte do desafio. E, vê tu, calharam-me dois filhos homens que eu nunca vou compreender. Posso até perceber o significado de cada palavra do que eles dizem, mas nunca vou atingir o sentido da frase. Por isso tenho uma gata. Sempre é mais uma fêmea para equilibrar a minha casa.

E tu podes não conseguir rir de nada, mas fizeste-me rir a mim. Só por isso já valeu a pena. Obrigado.

Raquel


Assim, sem beijinhos no final da mensagem, sem fios soltos. Se a história ficasse por ali, já tinha sido um tempo bem passado.

A pontuação do teste

Creio que o Bagaço não estava à espera de uma resposta tão longa e detalhada aos 50 requisitos. E ficou curioso. Com as respostas e com algumas referências que fiz no texto, como ao facto de frequentar os comícios do pavilhão do Beira-Mar (o que denunciava a minha origem de Aveiro) e morar agora perto de Matosinhos. Desta vez demorou bem menos tempo a enviar-me a pontuação:

Olá Raquel,

Acabei de perceber que és de Aveiro e vives em Matosinhos e foste da JCP. Ora bem, eu nunca fui da JCP nem nunca serei (aliás, agora não posso ser de jota nenhuma), mas trabalhei na festa do Avante várias vezes e tive alguns amigos lá. Aliás, deves conhecer a minha melhor amiga, que por acaso é a minha ex-mulher e que foi sempre da JCP (agora é do PCP porque também já não pode ser de nenhuma jota). Sou amigo do Rui, por exemplo... e fui cunhado da Ana. Se calhar cruzei-me contigo algumas vezes na vida...
Bem... vamos à análise das tuas (in)competências: Cada uma vale dois pontos. Como são cinquenta é mais fácil calcular percentagens...

1] certo. 2 pontos
2] certo. 2 pontos
3] certo menos. O polvo devia mesmo ser o teu alimento preferido. 1 ponto
4] certo menos. Concordo que é cool ir ao cinema... mas também é ver filmes enrolado no sofá mesmo que dê sono. Não acho que filhos sejam um defeito. Aliás, às vezes acho mesmo que é a única qualidade que tenho. 1 ponto
5] errado. entrar nesse antro uma só vez na vida é um erro. 0 pontos
6] certo. é a melhor maneira de jogar. 2 pontos
7] certo. Eu não consigo chegar com o dedo do pé à boca mas consta que já consegui... há mais de trinta e seis anos. 2 pontos
8] certo. É por isso que se deve gostar do quadro, porque há sempre alguém que nos ajudou a criar e que tinha um... 2 pontos
9] certo. Eu não sou o Carlos Pinto Coelho. O problema é que o erro referido chateia-me mesmo. 2 pontos
10] certo menos. Não conhecer esta música é uma grave falha na nossa cultura geral, mas como aprendes depressa... 1 ponto
11] certo menos. Há uma diferença substancial entre ter vontade e poder ter vontade... 1 ponto
12] certo. Todos os livros que leste passaram pela sanita. parece-me bem... 2 pontos
13] certo menos. O Sandokan é o tigre da Malásia, mas isso devia vir como afirmação e não como interrogação. 1 ponto
14] errado. NUnca devia acontecer. 0 pontos
15] errado. é o melhor uísque do mundo e arredores. 0 pontos
16] certo. Eu destesto a visão política internacional do PCP e sou membro muito activo do Bloco de Esquerda, mas a questão aqui é a tua constituição genética impedir-te de votar na direita. 2 pontos.
17] certo. Não disseste... mas se tens... 2 pontos
18] certo. Eh eh! é rir. 2 pontos
19] certo menos. Não é talvez. É de certeza que não salva o mundo. Além disso não é um naco, a mulher dele é que é. 1 ponto.
20] certo menos. A vaca serve mas não é bem a mesma coisa. Falta-lhe o classicismo dos mealheiros. 1 ponto
21] errado. só há duas maneiras correctas de matar mosquitos: insecticida e palmadas no ar... 0 pontos
22] certo. como eu não sei fazer caipirinhas, acredito em ti. 2 pontos
23] certo. se nunca gravaste dvd's tb não deves ser das que chateiam muito com isso. 2 pontos.
24] errado. amuar também não é aceitável. isso é stress a mais. 0 pontos
25] certo. 2 pontos
26] certo. 2 pontos
27] certo. 2 pontos
28] errado. não gostar e pronto... acabase a análise. 0 pontos
29] certo menos. estou a ser muito condescendente... mas como tens um fraquinho pelo Beira-Mar... 1 ponto
30] certo menos. roubar é levar 20 quando só se precisa de 1. A tua resposta deixa dúvidas. 1 ponto
31] certo. com o Sylvester e com o Piu-piu pode ser. 2 pontos
32] certo menos. eu preciso que seja todos os domingos... mas mesmo todos, incluindo os cinzentos e aqueles em que há uma tourada em que o toureiro morre. 1 ponto
33] certo. Não sei quem é o Nuno Graciano... mas pelos visto não sabes o que é uma pulseira tucsons o que é fixe. 2 pontos
34] errado. muito errado. erradíssimo. 0 pontos
35] e 36] errado e muito grave. 0 pontos
37] certo. se não leste fizeste bem... não leias mesmo que te candidates a namorada do Tarzan Boy. 2 pontos
38] certo. Reiki é uma cena em que o pessoal acredita que pondo as mãos perto de nós nos cura não sei de quê. 2 pontos
39] certo. 2 pontos
40] errado e gravíssimo... 0 pontos
41] certo. eu não consigo rir de nada mas pronto. 2 pontos
42] certo. boa resposta. 2 pontos
43] certo, sinais pode ser. 2 pontos.
44] certo. o meu também era assim... até à semana passada em que mo roubaram. 2 pontos
45] certo. eu também. 2 pontos
46] errado. eu só compro aos putos. 0 pontos
47] certo. embora até possas gritar mas outras coisas, tipo "viva a revolução bolchevique". 2 pontos
48] certo. embora a um inimigo possas fazer. 2 pontos
49] certo menos. treze horas é que é fixe. mesmo fixe... 1 ponto
50] certo menos. Nem essas expressões se deve usar. 1 ponto

Bem... 65%. Isto não está nadinha famoso.... mas pelo menos está positivo. :)

Beijinhos,
Ivar


65%? Só? Que injustiça! Eu tinha-me esforçado tanto! Ah! Havia de lhe demonstrar toda a minha indiferença!

12.02.2010

Como agarrar um divorciado - Parte 3

Gosto de desafios. E adoro pessoas com sentido de humor. Bom prenúncio, portanto.

Eu já tinha dado uma vista de olhos no perfil do Bagaço: divorciado, mais ou menos da minha idade, de Aveiro. Espreitei a foto. Não, nunca o vira. Ou simplesmente não me lembrava da cara dele, tenho péssima memória para caras. Nasci e vivi em Aveiro até aos 18 anos, altura em que fui estudar para Évora e, curso acabado, vim trabalhar para o Porto, onde moro desde então. As visitas a Aveiro foram ficando cada vez mais espaçadas e as caras deixaram de me ser familiares. Mas, numa altura em que encontrar novos amigos era cada vez mais difícil, um passado geográfico comum tornou-se aliciante.

Eu estava em vantagem, sabia algo sobre o Bagaço. Ele não sabia nada de mim, apenas um nome. Resolvi então investir o meu tempo na resposta detalhada aos requisitos solicitados e enviei-lhe o seguinte e-mail:

São só os mínimos, portanto... Nem imagino as características que, não sendo requisitos mínimos, farão a diferença.

Certamente não os consigo cumprir todos. Existe uma hierarquia de importância? Se eu cumprir um dos mais difíceis, perdoas-me um dos restantes?

Bom, aqui vai a confissão das minhas (in)competências:

1 - Sim, gosto de sardinhas assadas, mas nunca as asso em casa por causa do cheiro. Prefiro ir a uma tasca qualquer ali em Matosinhos. Dos pimentos prefiro os vermelhos. Como com a mão, não me importo com o cheiro, mas talvez reclame na mesma. Faz parte de mim.
2 - Arroz de polvo com tomate... Hummm... Bem picante... Hummm...
3 - Polvo é bom. Não é o meu alimento preferido, mas é bom.
4 - Televisão vejo pouca. De facto, a televisão lá em casa costuma estar desligada no quadro eléctrico e os miúdos pensam que está avariada (sim tenho mais esse defeito, 2 filhotes terroristas). Mas, depois da cozinha arrumada e dos miúdos na cama, ligo-a para espreitar uma das séries do Canal 2 ou da Fox Life. Filmes, prefiro ver no cinema. Em casa, enroscada no sofá, dá-me sono.
5 - MacDonalds, confesso, vou. Raramente, mas vou. E, horror dos horrores, como um Happy Meal só para ficar com o brinquedo.
6 - Totoloto, quando faço, peço uma chave aleatória preenchida pela máquina. Tenho preguiça de pensar em números importantes.
7 - Sim, comer com a mão não tem qualquer problema. Sardinhas, marisco, frango, costelinhas... Lambuzar-me toda e lamber os dedos no fim... Com o pé nunca experimentei. Mas consigo chegar com o dedão do pé à boca...
8 - O quadro "O menino que chora"... Ainda dizem que não é possível viajar no tempo... A minha madrinha, que me ajudou a criar, tinha um quadro desses no quarto dela, em lugar de destaque. E acho que também havia por lá um quadro com cavalos. E papel de parede com flores.
9 - Erros ortográficos podem acontecer, mas não costumo dar. De facto, irritam-me um pouco. Verbos separados do sujeito por vírgulas também. Tenho a minha costela de Edite Estrela...
10 - José Cid é outra viagem no tempo. A minha mãe tinha um disco dele. Lembro-me das músicas "verdes trigais em flôr" e "na cabana, junto à praia". Se me esforçar, ainda consigo cantar o refrão. A música que me mandaste não conhecia. Mas, a ouvir 3 vezes por dia, aprendo num instante.
11 - Não, não tenho grande vontade. Ou pelo menos não está na lista actual de vontades. Mas podia estar. Mal não faz.
12 - O livro que ando a ler, em cada momento, não está ao lado da sanita, está em frente, num móvel, junto com os panfletos do supermercado. Já pensei em trocar o móvel por uma estante para colocar os livros em fila de espera para serem lidos. Acho que todos os livros que li (sem ser de estudo) foram lidos sentada na sanita. Não dobro as páginas para as marcar - uso um marcador ou um dos panfletos.
13 - Sandokan e o tigre da Malásia?
14 - Ás vezes acontece. Mas só quando os outros estendem a toalha quase em cima de mim, quando temos uma linha de costa tão grande...
15 - O que é uísque bushmills?
16 - Em criança, a minha mãe levava-me pela mão ao pavilhão do Beira-Mar para assistir aos comícios do "tio" Cunhal, como ela lhe chamava. Com 12 anos filiei-me na JCP e frequentava a sede do partido por cima da "Selectarte". Quando cheguei à idade de votar já me tinha desinteressado da política. O desinteresse mantém-se. Mas votar num partido de direita vai contra a minha constituição genética.
17 - Já te disse que tenho bastante flexibilidade?
18 - Eh! Eh!
19 - Talvez não salve o mundo, mas é um naco!
20 - Porquinho não tenho, mas tenho um mealheiro que é uma vaca malhada. Serve?
21 - Mosquitos irritam-me e não olho a meios para os eliminar. Vale tudo.
22 - Sabes como se faz uma boa caipirinha? Agita-se o copo ao ritmo do samba...
23 - Nunca gravei um Dvd. Também nunca tentei. De CD's já fiz 2 cópias pirata. Sozinha. Sem ajuda.
24 - Chateada não fico. Mas amuo.
25 - Não sou loira.
26 - Não sou preta.
27 - Não pinto o cabelo.
28 - Não gostar de que parte? Dos dotes futebolísticos? Da capacidade oratória? Dos bíceps e abdominais? Dos brincos? Dele todo?
29 - Bom, isso de não ser do Benfica... Eu explico: a minha irmã começou por ser do Sporting, porque o meu pai também era. Para arreliar, o meu irmão era do Porto. Qual era o clube que sobrava para mim? Mas tenho um chamego pelo Beira-Mar e pela Académica.
30 - Roubar? Como assim, roubar?
31 - E com o Sylvester e o Piu-piu?
32 - Depressões ao Domingo só quando estão aqueles dias cinzentos, mas sem chuva. Se chove, a depressão passa com o cheiro a terra molhada.
33 - Pulseira Tucson's? E isso é o quê? António Sala não, mas já tirei uma fotografia com o Nuno Graciano (esta dá aí um 200 pontos negativos, não?)
34 - Guns And Roses? Não tenho nenhum CD. Mas se passar na rádio ouço. E, dependendo da música, posso até pôr mais alto.
35 - Não jogo Civilzation IV.
36 - Não sei o que é Civilzation IV.
37 - Se os tivesse lido se calhar não andava a mandar candidaturas para namorada. Se calhar bem preciso, não?
38 - Mais uma vez a minha ignorância: o que é Reiki?
39 - Nos actos de desespero vale (quase) tudo. Menos a violência e as ofensas verbais.
40 - Tenho uma gata. Não é bem minha. Ofereci-a ao meu filho o ano passado, como prenda dos 5 anos. Mas sou eu que despejo o caixote e aspiro os pelos. Esta desqualifica-me de vez?
41 - Não tenho muito jeito para contar anedotas, racistas, políticas, sexuais ou outras. Mas consigo rir muito de uma boa piada.
42 - Gorda, eu?
43 - Tatuagens não tenho. Mas tenho muitos sinais pelo corpo.
44 - Sou um pouco forreta. Não compro nada a não ser que precise mesmo. O meu telemóvel tem ecrã a preto e branco, não filma, nem fotografa. É do século passado, tal como eu.
45 - Sim, já casei e descasei, mas não filmei. Nem contratei fotógrafo (uma amiga com jeitinho tirou fotos e ofereceu-me um álbum como presente). Foi apenas um dia de festa com os amigos.
46 - Compro prendas no Natal. Esta não é negociável. Mas, como já disse, sou forreta. São apenas pequenas lembranças.
47 - Não grito durante o acto sexual.
48 - Nunca o faria. Nem a um inimigo.
49 - Se conseguisse dormir 9 horas seguidas já era uma festa...
50 - Ateia? Sim, podemos considerar que sim. Mas, ao tropeçar numa pedra, quando não posso dizer uma asneira, digo "valha-me Deus". Também calha usar a expressão "Deus queira que..."

Ufa! Já está? Quantos pontos tive?


E fiquei de novo à espera da resposta...

Como agarrar um divorciado - Parte 2

Não, ele não se apressou a responder. "Mais uma louca", terá pensado. Deixou-me dois dias à espera da resposta, até que me escreveu de volta:

Raquel,

O departamento de marketing acusa a recepção do teu email, respondendo com os 50 (coisa pouca, portanto) requisitos mínimos que a candidata deve cumprir.


(Os leitores mais antigos poderão lembrar-se dum post chamado 50 requisitos mínimos, publicado em Novembro de 2008. Era a cópia da resposta ao meu e-mail.)

Beijos,
Bagaço.


"Esta agora", pensei eu, "o gajo não me levou a sério. Mas não há-de ficar sem resposta".

Como agarrar um divorciado - Parte 1

Quando este blogue foi criado, em 2006, eu ainda não sabia o que era um blogue. Na empresa onde trabalhava não havia internet e, em casa, com dois miúdos pequenos, não sobrava tempo para o mundo virtual.
Um novo emprego e um divórcio despertaram em mim a curiosidade pela world wide web. Dei por mim a passar os olhos por estes novos diários online, sendo que o Não compreendo as mulheres me chamou a atenção. Eles não nos compreendem, nós não os compreendemos a eles... Mas isso faz parte do desafio, não é?
Bom, após umas semanas de leitura passiva, decidi arriscar e enviei um e-mail ao autor, que transcrevo aqui:

Assunto: Candidatura (Att. Depto. Relações Privadas)

Bagaço Amarelo,
Estás a aceitar candidaturas para namorada? Existe um formulário para preencher? Quais os requisitos mínimos?

Assinado: Raquel, uma leitora do Blog


E aguardei, pacientemente, a resposta...

Aviso à navegação

Caros leitores(as):

Já deixei o Bagaço no aeroporto. Isto agora está por minha conta. Eh! Eh!

Ass: Raquel

12.01.2010

a raquel...

Como disse no texto abaixo, durante os próximos três dias vou estar em Bruxelas. Por uma vez vou abrir este espaço a quem não compreendo. Aliás, à mulher provavelmente mais incompreensível do mundo. Porque a incompreensão também pode ser, ou melhor, deve ser união.
Apresento-vos a Raquel, de quem às vezes falo aqui. Espero que gostem dela pelo menos uma centésima parte do que eu gosto, porque isso já é muito. E aos que aqui vão passando para ler o que escrevo deixo o meu abraço sincero. Sabe-me tão bem que existam. Obrigado.

chuva e sol

Tem chovido. Nunca me consegui explicar porque é que sinto semelhanças entre um dia de chuva e uma mulher que eu ame. A explicação mais óbvia será, muito provavelmente, que preciso da chuva para viver e que o seu toque nunca me foi indiferente. Mas há mais, talvez porque só a chuva e o amor sejam capazes de provocar dilúvios.
Dizia-me ontem uma amiga recente, acabadinha de chegar do Brasil, que Portugal lhe parece um país muito organizado e com gente simpática mas, e há sempre um mas, o Sol lhe faz falta. Nunca me consegui explicar porque é que sinto semelhanças entre um dia de Sol e uma mulher que eu ame. A explicação mais óbvia será, muito provavelmente, que preciso do Sol para viver e que o seu calor nunca me foi indiferente. Mas há mais, respondi-lhe eu como se a quisesse compreender, é do Sol que mais facilmente sinto saudades.
Na verdade é esse o cerne da questão. Quando se ama alguém tudo nos faz lembrar esse alguém a toda a hora, faça chuva ou faça Sol.
Amanhã vou apanhar o avião para uma curta visita a Bruxelas onde neste momento as temperaturas mais altas rondam os quatro graus celsius negativos. Não sei como vai ser o meu acesso à internet até domingo, mas a actualização deste blogue dependerá muito disso. O que eu tenho a certeza é que mesmo por pouco tempo vou ter saudades de quem amo. Ainda bem.

conversa 1650

Ela – Levar um homem para a cama é relativamente fácil.
Eu – Achas?
Ela – Acho. Eu, que nem sou uma mulher bonita por aí além, acho que consigo fazê-lo facilmente.
Eu – Tudo bem, mas então como é que o consegues?
Ela – Ei! Eu disse que não sou uma mulher bonita por aí além e tu aceitaste.
Eu – Não mudes de conversa. Diz-me lá mas é o teu método para levar um homem para a cama assim tão facilmente.
Ela – Deixa lá. Se calhar não funciona assim tão bem.
Eu – Mas agora tens que dizer...
Ela – Começa comigo a dizer que não sou bonita por aí além e com ele a dizer qualquer coisa do tipo: "és, és.".

11.29.2010

conversa 1649

(na rua)

Eu - Olá! Há tanto tempo. Estás bem?
Ela - Mais ou menos. Deixei de fumar há uns meses e estou a engordar muito. O meu marido já me começou a mandar bocas, que se calhar era melhor não ter deixado de fumar e isso. Não é só por eu estar a engordar, é porque ele também fuma e agora eu não consigo estar muito tempo perto dele para não me deixar cair na tentação. Além disso ando mais ansiosa e com os nervos à flor da pele. Até já me chateei no emprego e tenho que ter cuidado porque estou a recibos verdes e um dia destes ainda vou para a rua. O meu patrão até é porreiro mas, como se divorciou há pouco tempo, também anda mal com a vida e não está para brincadeiras, percebes? Ainda ontem tive que sair mais cedo para ir ao psiquiatra e ele não me queria deixar. É assim, só stress. E tu, estás bem?
Eu - Estou.
Ela - Ok! Tenho que ir andando. Vemo-nos por aí um dia destes.
Eu - Tchau!
Ela - Tchau!

tempestade

Lembro-me dela como de açúcar, que a sua presença me adoçava os dias amargos da solidão. E é assim que penso neles, nesses dias em que contava uma a uma as gotas de chuva que iam morrendo num voo suicida sobre as janelas da marquise. Dias amargos entre dois mundos: o mundo interior da minha casa e o mundo exterior da minha casa. Da imensidão do mundo exterior recebia às vezes a visita dela, e esses momentos eram os únicos em que eu não contava as gotas de chuva na janela. Ficava a ver os seus dedos finos a abraçar uma chávena de chá acabado de fazer para se aquecerem e a responder às suas perguntas. As nossas conversas eram sempre assim, com ela a perguntar e eu a responder preguiçosamente.
A minha preguiça, no entanto, não era uma fuga à sua presença. Antes pelo contrário, era uma forma de a prolongar. Esticava as palavras e temperava-as com um ou outro suspiro para render mais. Chegámos a estar tardes inteiras assim, com ela a perguntar e eu a responder, ela a perguntar e eu a responder, ela a perguntar e eu a responder. Fiquei a saber que podemos conhecer um pessoa não pelas respostas que dá mas sim pelas perguntas que faz. Tanto, que numa dessas tardes me apaixonei.
Quando estamos apaixonados queremos fazer amor, e quando queremos fazer amor as palavras deixam de o ser de facto. As nossas, para mim, passaram a ser um empecilho entre a marquise e a cama, e fui ganhando ciúmes até da chávena de chá onde ela aquecia as mãos. Depois, como o amor é sempre uma tempestade, deixei também de conseguir contar as gotas de chuva que se multiplicavam na janela quando ela não estava. Acho que foi num desses dias que ela não veio pela primeira vez. Talvez tenha tido medo da minha paixão, não sei. Nunca mais a vi.
Só um destes dias é que tornei a vê-la, por acaso, no formigueiro que era um dos centros comerciais da cidade. Convidei-a para tomar café. Ainda aquece as mãos frias nas chávenas quentes e acho que pela primeira vez foi ela a responder-me. "Lembras-te de mim?", perguntei-lhe como quem tem noção de que, fazendo parte de um mundo menor, possa ter sido esquecido. "Ia perguntar-te o mesmo", disse ela.

11.26.2010

conversa 1648

(depois do jantar, com vinho nos copos, quando eu me preparava para começar a limpar o fogão)

Ela - Está quieto!
Eu - Vou só limpar o fogão e não faço mais nada. É só para esta sujidade não secar...
Ela - Eu sei, mas estás a limpar o fogão com um tira-nódoa para roupa.
Eu - Olha, pois estou. A forma da embalagem é igual à do desengordurante que uso para o fogão.
Ela - Lá está, és homem.
Eu - O que é que isso tem?
Ela - Só ligas à forma. Se te importasses em ler o que passa pela tua vida não te tinhas enganado.
Eu - Foi um gesto instintivo. Mais nada.
Ela - Talvez sim, mas é assim em tudo. Os homens só ligam a uma mulher se gostarem da forma dela, as mulheres gostam de ler o homem antes de se deitarem com ele.
Eu - E achas que os homens são todos assim?
Ela - Na verdade acho.
Eu - Se os homens são todos iguais então as mulheres são burras. Pelo menos na tua opinião.
Ela - Porquê?
Eu - Passam a vida a ler os homens apesar de eles serem todos iguais. É como ler o mesmo livro repetidamente a vida inteira.
Ela - Bem, também ligamos à forma, pronto. Mas pelo menos tentamos dar um enredo à coisa.
Eu - São líricas, portanto.
Ela - Sim, é mais ou menos isso.
Eu - Então vamos dar uma de lirismo e acabar a garrafa de vinho do jantar.
Ela - Vamos, até porque no vinho a forma não interessa. As garrafas são todas iguais. Interessa é o sabor, o aroma e a textura.
Eu - Hum... não sei porquê mas isso já me parece mais com o que um homem pode procurar numa mulher: sabor, aroma e textura.
Ela - Pois... uma mulher num homem também.
Eu - É tudo igual independentemente do género, não é?
Ela - É. Quer dizer... quase igual.
Eu - Quase?
Ela - Nós somos mais... mais... mais...
Eu - Mais teimosas?
Ela - Pelo menos isso.

conversa 1647

Ela - Cheguei à conclusão que é possível amar tanto um objecto como um homem.
Eu - Diz lá qual foi o objecto por que te apaixonaste. Estou curioso.
Ela - Por nenhum.
Eu - Por nenhum?
Ela - Por nenhum mesmo. Passei foi a ver o meu marido mais como um objecto do que como um homem.
Eu - Mas... como?
Ela - Não me interpretes mal. Há objectos antigos dos quais não me consigo livrar porque gosto muito deles. Só que normalmente esses são os objectos que já não servem para nada a não ser como... sei lá... decoração.

11.25.2010

cinema

O sexo tem velocidade, ou melhor, tem velocidades. Há sexo mais rápido e sexo mais lento, e isso lembra-lhe ao que se resumia a sua opinião sobre o cinema quando era criança. Alguns filmes eram lentos, outros eram mais rápidos. Normalmente preferia os filmes rápidos e quando a televisão emitia um filme lento ela protestava. Dizia que “o filme era muito parado”.
Com o sexo também foi assim. Preferiu sempre o sexo mais rápido do que o sexo mais parado. Os motivos é que são diferentes. Quando via filmes na televisão em pequenina era a receptora e exigia essa velocidade do emissor. Queria romance. No sexo, sem perceber como, habituou-se a ser ela a emissora e o marido receptor. No fundo ela estava ali para lhe agradar, e por isso é que imprimia a velocidade. Às vezes até dizia coisas que não sentia, como “gosto quando és bruto!” ou lhe pedia para a dominar.
Por isso é que ainda não adormeceu e já a noite se dissolve na doce luz da manhã que se vem deitar ao lado dela. Ontem deitou-se pela primeira vez com um desconhecido com que se cruzara por acaso no bar do hotel. Sexo descomprometido, que na conversa de engate durante uma margarita ambos se disseram casados e ambos abanaram os ombros sobre o barómetro da felicidade dos respectivos casamentos. Nem sequer sabiam se tinham um casamento feliz ou ou casamento triste. Depois, só por acaso, as mãos de ambos tocaram-se no botão do elevador e já não se separaram mais. Fora assim, dadas, até um dos quartos. Por sinal o dela.
Ali pisaram a fronteira da legalidade com um primeiro beijo tão brando quanto o fim do voo duma ave. Depois, a fronteira da legalidade tem a mania de ser assim: só custa a transpor a primeira vez. Fizeram amor como exploradores que esquadrinham a área a Lua pela primeira vez. Devagar, e com interesse por cada centímetro quadrado do corpo. E, tal como na Lua, sentiram a falta de gravidade e voaram. Ele dentro dela e ela dentro dele. Tão devagar que o sono ainda não passou por ali. Até agora, que ele saiu deixando nos lençóis apenas o calor do corpo. Ela fecha os olhos. Se calhar tem que rever o filme da sua vida.

conversa 1646

Ela – Achas que o Júlio e a Sandra têm uma relação não assumida?
Eu – Não acho nem deixo de achar. Porquê?
Ela – Andam sempre os dois juntos...
Eu – Não acho que o facto de um homem sair com uma mulher signifique obrigatoriamente que tenham uma relação.
Ela – Esse é que é o teu problema.

conversa 1645

Ela - Já tiveste sexo com alguma mulher de quem nem sequer te lembres?
Eu - Não sei.
Ela - Não sabes?
Eu - Se tive, não me lembro.
Ela - Não é isso. Estou a falar duma situação em que te lembras que tiveste sexo mas não te lembras bem com quem.
Eu - Que raio de pergunta...
Ela - É que queria perceber porque é que um tipo com quem estive há um mês atrás não me telefona nem me atende o telefone.
Eu - Há um mês atrás?
Ela - Sim, acho eu. Já não me lembro bem...

pensamentos catatónicos (223)

Ele está na janela da sala. Observa as mulheres que passam na rua e pensa que se podia apaixonar por cada uma delas, se por acaso o destino alguma vez o cruzasse com elas.
Ela está sentada no sofá. Observa-o a ele e sabe que, se por acaso nunca o tivesse conhecido, ele seria apenas mais um por quem passaria eventualmente na rua. E se passasse o mais provável era nem reparar nele.

11.24.2010

conversa 1644

Ela - Tenho que deixar de comer torradas com manteiga ao pequeno-almoço, pá.
Eu - Então?
Ela - Tenho que ter cuidado com o colesterol.
Eu - Ah! Fazes bem, nós somos mesmo aquilo que comemos.
Ela - Pois somos, eu que o diga. Ando a comer um colega do escritório desde o princípio do mês e ando toda alterada com isso.

11.23.2010

conversa 1643

(a propósito do meu pensamento catatónico 222)

Ela - Se eu morrer um dia destes fazes-me uma coisa?
Eu - O quê?
Ela - Em vez de ires ao meu funeral, juntas alguns amigos e bebem uns copos a pensar em mim.
Eu - Ah! Está bem. Isso não custa nada.
Ela - Caraças. Não custa nada?
Eu - Não. Quer dizer, não custa nada beber uns copos. Tu morreres ia custar um bocadinho.
Ela - Só um bocadinho? Vai-te lixar.
Eu - Eu disse só um bocadinho porque pensei que era isso que querias que eu dissesse. Se querias que eu bebesse uns copos era para não sofrer. Certo?
Ela - Errado.
Eu - Errado?
Ela - Errado. Era para tu sofreres muito mas a pensares que eu não queria que sofresses.
Eu - Começo a ficar com dores de cabeça com isto.
Ela - Esquece, esquece...
Eu - Já esqueci. Afinal nem sequer quero pensar na tua morte.
Ela - Ah! Assim é melhor.
Eu - Mas eu só falei por tua causa...
Ela - Não digas mais nada. É melhor. Quando falas, ou entra mosca ou sai asneira.

só sexo?

Ele decidiu fingir que adora o timbre da voz dela, mas não adora. Na verdade às vezes até o irrita, principalmente quando atinge um leque de frequências mais agudas que o faz lembrar uma mulher a ralhar com uma criança. Fê-lo de forma consciente, para não perder aquilo de que realmente gosta nela: o sexo. Ela decidiu fingir que gosta das piadas dele durante as refeições, mas não adora. Na verdade normalmente nem as percebe muito bem, já que são quase sempre sobre futebol, e do pouco que percebe até as acha estúpidas. Fê-lo de forma consciente, para não perder aquilo de que realmente gosta nele: o sexo.
Andam assim há anos, desde o deslumbramento da primeira noite na cama. A ela nunca lhe tinham feito um minete tão certo, e certo é o adjectivo que o qualifica realmente, pela pontaria e pela subtileza. Tanto, que a fez esquecer-se da língua de gato do seu ex-marido. A ele nunca lhe tinham feito um felatio tão profundo, e profundo é o adjectivo que o qualifica realmente, pela forma como ele se lembra dos lábios dela a beijarem-lhe os pêlos púbicos. Tanto, que o fez esquecer-se das constantes recusas da ex-namorada em fazer sexo oral. Desde então que estão juntos numa relação que depende exclusivamente do sexo. Quando este acabar, acaba também a relação. Algumas relações são assim, outras não. Ambos sabem disso.
É por ambos saberem disso que hoje aceitaram a mentira um do outro. Ele telefonou-lhe do escritório a meio da tarde, disse que tinha que trabalhar durante toda a noite e não podia ir dormir a casa. Ela fingiu acreditar e desejou-lhe boa sorte. Um “boa sorte” honesto até, já que sabia perfeitamente que ele ia sair para o engate. Depois de desligar desejou boa sorte a si mesma também.
Sair para o engate quando não se precisa de sexo é diferente de sair para o engate quando não se quer outra coisa. Ele percebeu isso na primeira tentativa, enquanto se oferecia para pagar, ao balcão de um botequim de esquina, uma bebida a uma desconhecida que se apressou a encostar-lhe as mamas na barriga e apertar-lhe o falo com os seus dedos de aranha. Ia perguntar se ele tinha alguma coisa no bolso ou se estava contente por a ver, mas ele não estava nada contente por vê-la. Infelizmente também não tinha nada no bolso. Pagou-lhe a bebida e foi-se embora fazer aquilo que pensara fazer por uma vez na vida com uma mulher: passear na marginal e falar. E fê-lo, só que falando consigo mesmo.
Sair para o engate quando não se precisa de sexo é diferente de sair para o engate quando não se quer outra coisa. Ela percebeu isso na primeira tentativa, enquanto apreciava os lábios dum homem a remexer um palito entre dentes com nódoas verdes de esparregado. Do peito saiam-lhe alguns pêlos arduamente penteados e da boca alguma palavras arduamente soletradas. Tens uns pára-choques fixes, cuspiu ele. Ela acabou por fugir aproveitando uma suposta ida à casa de banho. Queria, por uma vez, dar a mão a um homem e dividir o prazer de ver montras com ele, mas acabou por dar as suas próprias mãos uma à outra enquanto encostava a cabeça ao vidro duma loja abandonada.
Talvez por isso continuem os dois a dividir a vida. Ele fingindo que gosta da voz dela, ela fingindo que percebe as piadas dele. Sempre com muito sexo que, afinal, talvez não seja só isso.

11.22.2010

conversa 1642

Ela - As mulheres precisam menos de sexo do que os homens.
Eu - Como é que sabes?
Ela - Sou mulher e vivo com um homem.

conversa 1641

Ela - Ando a tentar ter uma vida social mais activa.
Eu - Acho que fazes bem.
Ela - Acho que se tiver uma vida social mais activa tenho também mais oportunidades de conhecer homens interessantes.
Eu - Pois... é possível. E o que é que andas a fazer para ter uma vida social mais activa?
Ela - Para já fiz uma lista com as minhas amigas que eu acho que são mais feias do que eu. Agora vou convidá-las, uma a uma, para sairmos uma noite destas.
Eu - Quem é que está na tua lista?
Ela - Que tu conheças está pelo menos a Márcia*
Eu - A Márcia não é...
Ela - Não é o quê? Não me digas que ela não é mais feia do que eu.
Eu - Não, não. Estava a dizer que a Márcia é bonita.
Ela - Bem... acho que é melhor riscar a Márcia e passar para a seguinte.
Eu - Qual é a seguinte?
Ela - Não digo. Começas a dizer que elas são bonitas e daqui a pouco não tenho ninguém para convidar.
Eu - Pronto. Quantos nomes tens?
Ela - Três.
Eu - Ok... ainda te restam duas amigas mais feias do que tu.
Ela - Não achas pouco?
Eu - Sei lá, não acho nada. O que é que eu hei-de achar?
Ela - Devias achar pouco.
Eu - Opá... se quiseres vou eu contigo. De certeza que a maior parte dos homens que se possa interessar por ti me acha mais feio do que tu.
Ela - Mas tu és homem. Se eu sair com um homem nenhum se vai interessar por mim.
Eu - Isso não é ter uma vida social mais activa. Isso é sair para o engate.
Ela - É?
Eu - É. Uma vida social mais activa é saíres comigo e ires conhecendo amigos meus e eu amigos teus.
Ela - Isso não quero. Prefiro o engate, então.

* nome fictício

pensamentos catatónicos (222)

Hoje o comboio onde eu seguia de manhã no sentido Porto-Aveiro atropelou uma senhora. O revisor percorreu todo o corredor central da composição para informar que a viagem ia atrasar bastante. Lá dentro, apesar da morte nos carris, a vida continuou. Uns protestavam com o atraso, outros telefonavam para parte incerta, outros liam o jornal como se nada fosse. Não sei explicar bem porquê mas esta mania que a vida tem de continuar sempre, independentemente do que nela acontece, faz-me confusão. Alguns passageiros saíam pela única porta aberta para ir ver o cadáver. Eu, que não tenho prazer nenhum em ver cadáveres, encostei a cabeça a uma das janelas e tentei adormecer. Quando a vida continua sem eu perceber porquê é o que faço: tento dormir.
Foi com a cabeça encostada ao vidro da janela que tentei visitar outros momentos em que fiz o mesmo: tentar adormecer para contornar a sôfrega e intrigante respiração da vida. Foram todos momentos em que, por uma razão ou outra, um Amor terminara ou estava em vias de terminar. Passei o resto do dia com esta transparente indisposição. Não pela morte da senhora em si, mas pelo paralelismo que estabeleci sem querer entre o fim da vida e o fim do Amor. Não é a mesma coisa, pois não?

11.19.2010

conversa 1640

Ela - Hoje não tenho ninguém para sair à noite.
Eu - E o teu marido?
Ela - Está um bocadinho chateado comigo.
Eu - Jantar fora e beber um copo num bar simpático pode ser uma boa maneira de fazer as pazes com alguém.
Ela - Bem... ele está muito chateado comigo.
Eu - Mas está assim tanto que nem as pazes quer fazer?
Ela - Para ser sincera ele está é amuado comigo.
Eu - Mas o que é raio aconteceu?
Ela - Perguntei-lhe se ele não era capaz de se despachar.
Eu - Despachar?
Ela - Sim, durante o sexo.
Eu - Ah!
Ela - Eu já estava satisfeita e ele nunca mais acabava...
Eu - Ah!
Ela - E estava quase a começar um programa de televisão que eu queria ver...

11.18.2010

conversa 1639

Ela - Ando há que tempos para explicar ao meu marido que preciso de vida própria.
Eu - Não tens vida própria?
Ela - Acho que o facto de viver com ele e praticamente já não fazer nada sem ele está a matar lentamente a nossa relação. A única coisa que faço sem ele é trabalhar no escritório...
Eu - Eu percebo isso perfeitamente.
Ela - Percebes?
Eu - Percebo.
Ela - Mas há uma vantagem nisto tudo.
Eu - Qual é?
Ela - Não odeio completamente o meu trabalho. Na verdade até começo a gostar de ir trabalhar.

são só palavras...

...para informar que hoje à noite no Clandestino Bar, em Aveiro, os Couscous Prosjekt vão passar música toda a noite. A mariana também vai...

11.17.2010

conversa 1638

Ela - O ciúme que um homem tem é maior quanto mais inseguro esse homem é.
Eu - De certeza?
Ela - Sim, o meu marido anda muito ciumento, e isso tem a ver com o facto de estar a ganhar uma barriguinha e de ainda haver homens que olham para mim na rua...
Eu - Acredito que haja homens a olhar para ti na rua, não acredito é que ele esteja inseguro.
Ela - Está, está. Não o assume mas eu noto.
Eu - E tu? Nunca tens ciúmes?
Ela - Tenho, claro que tenho. Mas as mulheres não têm ciúmes por insegurança.
Eu - Então é porquê?
Ela - Quanto mais detestam a gaja que se meter com o homem delas, maior é o ciúme que sentem.

mataram o pião

Lembro-me de ter que pôr as duas mãos em cima do velho balcão de madeira da loja e içar-me para conseguir ver os vários piões que o senhor Chico punha à minha disposição. Depois pegava neles deixando-me cair no chão para os poder observar ao detalhe. Fazia isto um a um antes de escolher o pião ideal. À noite, o meu avô observava-o também e aprovava ou não a minha decisão.
E se cedo a minha vida com as mulheres começou a falhar (a Helena, a Teresa e a Márcia nunca me ligaram nenhuma durante o ciclo preparatório), não foi por causa da minha falta de investimento pessoal nessa primeira formar de afirmar a masculinidade. Os rapazes tinham piões, as raparigas não. E numa aula de Ciências da Natureza sobre transferências de energia em que era preciso escolher um aluno para demonstrar como se transferia a energia para o pião, fui eu o escolhido com o voto quase unânime de todas elas. Por uma vez na vida todas as miúdas, ou quase todas (raios Márcia, eras sempre tu), escolheram-me a mim para alguma coisa.
No recreio jogava-se ao Racha. Fazia-se um círculo no chão e tinha que se conseguir que o pião começasse dentro desse círculo e acabasse fora, caso contrário ficava onde estava para os outros jogadores tentarem parti-lo. Normalmente partiam-no mesmo. Depois vinham as lágrimas e um pontapé ou outro de vingança. Era um jogo viril e uma aprendizagem para a vida. Não se podia falhar.
Agora mataram o pião. Ontem os meus enteados apareceram em casa excitados com um brinquedo novo, uma coisa de plástico e metal chamada beyblade. É uma maquineta às cores que faz um pião girar sem hipótese de erro. Aquilo gira sempre, basta puxar uma espécie de cordel e já está. Depois os vários beyblades vão girando uns contra os outros até o último parar. Mais nada. Nunca se partem nem exigem o aperfeiçoamento da técnica para enrolar o cordel. É o fim do pião. É o fim de tudo.
O governo devia proibir imediatamente a importação do beyblade. Qualquer dia vemos os velhotes no parque a jogar à malha ou à petanca com peças de plástico e um contador electrónico a pilhas. Não me fodam, há coisas que não deviam mudar.

11.15.2010

conversa 1637

Ela - Mais uma amiga minha que engravidou sem querer.
Eu - Sem querer?
Ela - Sim, acho que ela e o namorado utilizam o método do "tirar fora na hora h".
Eu - Bem... deviam saber que não é um bom método.
Ela - Não deviam nada. Ela está tão feliz...
Eu - Feliz? Se calhar engravidou mas foi por querer engravidar.
Ela - Oficialmente foi sem querer, isso é que interessa.
Eu - Interessa como?
Ela - É mais bonito engravidar sem querer. Quer dizer que há tanta paixão naquele casal que nem conseguiram separar-se a tempo.
Eu - Não estás a falar a sério, pois não?
Ela - Claro que estou. Tu é que és um insensível.

11.12.2010

conversa 1636

(ao telefone)

Eu (atendendo) - Olá! Diz depressa que estou a conduzir.
Ela - Estás a ir para onde?
Eu - Para o trabalho. Diz depressa...
Ela - Encosta.
Eu - Não posso, estou na auto-estrada. Diz depressa...
Ela - Não dá para encostares só um bocadinho?
Eu - Não posso. Diz depressa...
Ela - Mas vai trabalhar até que horas?
Eu - Não sei. Até tarde de certeza. Diz o que querias dizer depressa, por favor...
Ela - Olha, esqueci-me do que te ia dizer. Telefono-te outra vez quando me lembrar.

pensamentos catatónicos (221)

Nunca durmo com a persiana totalmente fechada. Gosto que a luz do dia se intrometa lentamente nas minhas pálpebras e me acorde com a suavidade que só a luz sabe ter. Esta foi sempre uma das minhas incompatibilidades naturais com as mulheres, que têm a mania de tapar qualquer orifício do quarto por onde o Sol possa espreitar de manhã.

11.11.2010

conversa 1635

Ela - Acho que estou apaixonada.
Eu - Achas ou tens a certeza?
Ela - Acho. Ainda não fui para a cama com ele.
Eu - E só depois de ires para a cama com ele é que sabes se estás apaixonada?
Ela - Só depois de ir para a cama com ele é que sei se me quero apaixonar.

11.10.2010

esferográficas

Faço parte do grupo de pessoas que não se lembra de ver a tinta duma esferográfica chegar ao fim. Provavelmente nunca vi. Perco-as, 'emprestado-as' ou simplesmente estrago-lhes o bico ao escrever uma palavra mais nervosa, mas de todas as esferográficas que comprei nunca nenhuma morreu nas minhas mãos. Pior, comprando-as regularmente, sou aquele que nunca tem uma à mão quando é mesmo preciso.
Às vezes penso nisso e tenho pena. Gostava de pelo menos uma vez na vida fazer uma homenagem decente a quem me dá tanto (e este 'quem' refere-se, de facto, às esferográficas). É que numa esferográfica já vêm as palavras todas que nós queremos escrever. Basta-nos tirar a tampa, chamá-las no nosso pensamento, e dispô-las numa folha de papel pela ordem que queremos.
Engana-se quem acha que falar é o mesmo que escrever, e que por isso a nossa língua e os nossos lábios podem ser uma alternativa fiável a uma caneta e um pedaço de papel. Não é. Aliás, o Amor é a primeira prova disso. Sou capaz de jurar que todos aqueles que confessam o seu Amor pela primeira vez na vida o fazem através da escrita e não através da fala. A explicação é simples: a folha de papel na qual escrevemos é sempre compreensiva. Os outros, aqueles a quem falamos, não são. Principalmente quando falamos de amor.
Há uns dias, enquanto folheava alguns cadernos do liceu, encontrei uma folha de papel que tem uma das primeiras confissões de Amor que fiz. Li-a e reli-a várias vezes, como se aquele pedaço de papel fosse uma vida qualquer adormecida. E acordei-me. Lembro-me tão bem de o escrever numa aula de Matemática enquanto fingia ouvir a professora.

Passaste agora do outro lado da janela. Passaste e na paisagem ficaram os cabos de alta tensão que parecem a pauta duma música qualquer que fala de ti. Que te canta. Neles, com o céu ao fundo, os pardais são as notas soltas que dançam.

Há bocado sentei-me num café e rasguei uma folha dum caderno que tenho na mala do computador. Queria reescrever este pequeno pedaço da minha adolescência. Torná-lo mais adulto, talvez. Depois procurei em todos os bolsos do casaco uma caneta que comprei há uns dias num supermercado e nada, já não a tinha. Provavelmente deixei-a ontem num restaurante onde a usei para escrever uma nota num cartão de apresentação que entreguei a um conhecido. Fiquei por isso novamente a ler e reler aquela minha confissão fossilizada num papelinho há mais de vinte anos. Reli-a tantas vezes que acabei por falar alto sem querer. Talvez as pessoas que tomavam café na mesa ao lado tenham ouvido. Sei que pela primeira vez na minha vida fiquei feliz por não ter uma esferográfica à mão. Há, de facto, confissões de Amor que se fazem a uma folha de papel, mas só devemos fazê-las uma vez. À segunda, nem que seja mais de vinte anos depois, devemos dizê-las. Ou cantá-las até. Sei lá. E eu estou a dizê-la, sem a reescrever, à Raquel.

respostas a perguntas inexistentes (112)

 O resto... logo se vê

Seca a face com a toalha prolongando o momento. Já não se lembra muito bem do último abraço que recebeu sem ser duma toalha de rosto e, talvez por isso, a beije agora enquanto se enrola nela como um caracol que se fecha na própria concha.
Já se tinha habituado à falta duma voz constante dentro de casa, mas é a primeira vez que sente verdadeiramente solidão sexual. Talvez porque as vozes dos homens dos anúncios na secção Relax do Jornal de Notícias não passassem duma ou outra pergunta do tipo “quer ficar por cima ou por baixo?”, “quer começar com um minete?” e, antes de saírem, “posso usar a sua casa de banho?”. Sexualmente satisfaziam-na, verbalmente não. E com o tempo foi ligando cada vez menos até abandonar completamente a ideia de que um prostituto pode substituir um companheiro.
Quando se divorciou foi mesmo isso que pensou, que a partir daí o melhor era nunca mais se envolver emocionalmente com ninguém e, uma vez por outra, pagar para ter sexo. A ideia brilhante foi-se desfazendo até que um homem que, segundo o seu anúncio, era “um canhão latino pequeno mas grosso”, começou a chorar em pleno acto e perdeu o tesão. Acabaram os dois abraçados na cama com ele a contar a sua vida desgraçada e como tinha acabado na prostituição. No fim perguntou-lhe se podia usar a casa de banho e depois saiu envergonhado sem cobrar os oitenta euros estipulados.
Desde então que os sons do rádio da cozinha enquanto faz o jantar, da televisão da sala enquanto janta e do vibrador a pilhas quando se deita, têm sido os únicos a propagar-se dentro daquelas paredes. Talvez seja a altura de aniquilar esse silêncio constante da sua vida, pensa. Dá mais um beijo na toalha antes de a deixar cair no chão para se ver nua no espelho da casa de banho. Ver-se mesmo, com a coragem que uma divorciada de quarenta anos e três filhos tem que ter, e não apenas mirar-se como se tivesse medo de enfrentar o tempo que vai passando pelo corpo. Ainda está boa, considera, e considera-o para si mesma e não para mais ninguém. É ela que tem que se achar bonita, é ela que tem que gostar de si. Ponto final.
E gostando de si vai tirar os pêlos das pernas e o pó dos melhores vestidos que tem no armário. Vai jantar sozinha num bom restaurante da cidade e depois beber um vermute num bar qualquer. Consigo mesma. O resto... logo se vê.