3.31.2011

conversa 1750

(no café)

Ele - Quando me divorciei, a pior sensação que tive é que se desmoronava tudo o que eu e a minha mulher estávamos a construir.
Eu - Quando eu me divorciei, a melhor sensação que tive foi perceber que o Amor não é construção nenhuma.
Ele - Como assim?
Eu - O Amor não é para construir nada, pá. Ou vem com tudo feito ou  então não é Amor. É outra coisa qualquer.
Ele - A vida a dois não é uma construção?
Eu - Não. A ideia de construção implica pensar num futuro. O Amor quer é ser feliz no presente e não pensar muito no resto.
Ele - Uma vez disseste-me que querias encontrar uma pessoa com quem pudesses envelhecer, e quando conheceste a Raquel disseste-me que achavas que já tinhas encontrado essa pessoa. Eu lembro-me.
Eu - Também me lembro.
Ele - Então?...
Eu - Então ela é essa pessoa porque me parece que consigo ser feliz com ela todos os dias, em vez de acreditar que vou acabar por ser feliz daqui a uns tempos.
Ele -Ah! De facto há alguma lógica nisso.
Eu - É a lógica dos políticos de tanga que temos tido neste país. Os governos do PS e do PSD andaram anos a pedir para apertarmos o cinto em nome de um futuro melhor. O futuro já chegou e é a merda desta crise.
Ele - Olha! Dito assim parece a relação que eu tive durante mais de dez anos. Sempre a pensar que um dia a coisa ia melhorar e os dias iam passando...
Eu - Bem vindo ao clube.
Ele - Mais um uísque?
Eu - Não. Já bebi um e chega.
Ele - Só mais um. Eu pago. Estou a ficar feliz com uma conversa, pela primeira vez desde que me divorciei.
Eu - Ok, só mais um.

respostas a perguntas inexistentes (141)

Nos comboios urbanos entre Aveiro e Porto, a forma como as cadeiras estão dispostas são um desafio à timidez dos Homens. Em grupos de quatro, duas viradas para outras duas, obrigam muitos passageiros a viajar frente a frente. De tal forma que as pessoas tentam sempre ocupar os lugares mais isolados. Só quando já não há grupos com as quatro cadeiras vazias é que os passageiros se começam a sentar mais perto uns dos outros. Começa então o jogo dos olhares fugitivos, aquele em que se tenta ver quem está ao  lado sem que o  olhar seja apanhado.
É por isso que quando um homem, ainda com o comboio praticamente vazio, se senta à frente duma mulher, ela fica imediatamente desconfiada. Com tantos lugares livres, porque é que ele se foi sentar logo ali? Um dia destes vi isso acontecer na Estação de São Bento, no Porto, e para mim foi logo evidente que ele ia meter conversa com ela. Dito e feito. Começou por perguntar as horas e ela respondeu que não tinha; depois perguntou se o comboio ia para Aveiro e ela respondeu que ia para a Conchichina.O problema dele é que fez aquela figura de estúpido que só os homens sabem fazer. À partida, quem entra num comboio e se senta tão decididamente numa das suas cadeiras, sabe que horas são e sabe para onde vai. Se não souber está a fazer figura de estúpido, se souber e perguntar também está a fazer figura de estúpido.
É esse o problema dos homens, a solidão tem neles um efeito secundário que se chama estupidez. As mulheres sabem estar sós, os homens não. Uma mulher só, suspira pelo Amor; um homem só, desespera pelo Amor. É isso que faz um homem acreditar estupidamente que, depois de perguntar as horas a uma desconhecida bonita num comboio, vai manter uma conversa interessante com ela, jantar com ela e dormir com ela nesse dia. Não vai, a não ser que ele aprenda também a suspirar. Como ela, de preferência.
A estupidez, no entanto, que se mantenha sempre a postos. Eu, pelo menos, tenho um enorme orgulho na minha.

3.30.2011

respostas a perguntas inexistentes (140)

cidades

Conhece-se alguém como se conhece uma cidade. Ou apenas de passagem, ou apenas as ruas principais, ou as ruas principais e um bairro ou outro. Também se pode conhecer tudo, quando das ruas e dos bairros passamos para cada janela, cada porta e cada pedra da calçada, mas isso só o Amor permite.
Aprendi que a Raquel gosta do alho esmagado e não cortado em pedaços, que gosta do tomate pelado quando é para refogar, que se pode puxar pelo picante se houver uma garrafa de branco gelada no frigorífico, que a salsa tem ser cortada em pedacinhos pequeninos e mesmo assim prefere coentros.
Hoje estava fazer o almoço e a pensar em como aprendi tudo enquanto passeava por ela. Primeiro pelas suas avenidas, depois pelas ruas, depois por cada esquina e beco, à medida que ela me ia ou foi deixando. Porque cada mulher é uma cidade diferente da outra e, como em tudo, há cidades de que gostamos mais e cidades de que gostamos menos.

3.29.2011

conversa 1749

Ela - Que estás a fazer?
Eu - A lavar a loiça.
Ela - Isso vejo eu, mas para que é tanta água?
Eu - Tanta água?
Ela - Sim, não é preciso encher o lava-loiça com tanta água.
Eu - É, é. Se não puser muita água isto fica cheio de resíduos de comida.
Ela - Se puseres muita água, a densidade do detergente é menor e portanto lava pior a loiça.
Eu - Ponho mais detergente até a densidade me parecer bem.
Ela - E gastas mais água e mais detergente. Para isso não ficar com resíduos de comida passas a loiça por água antes de a lavar.
Eu - Assim gastas ainda mais água.
Ela - Gasto mais água mas não gasto mais detergente.
Eu - Mas gastas ainda mais água do que água e detergente juntos com a minha técnica.
Ela - E não.
Eu - E sim.
Ela - E não, e como estás na minha casa fazes como eu quero.
Eu - Então fazes tu, que eu tenho mais que fazer que obedecer a regras com que não concordo.
Ela - Muito bem. Prefiro fazer eu do que ficar mal feito. E não tornas a aproveitar eu ir à casa de banho para começares a lavar a loiça.
Eu - Não torno? Pois não. Acho que para a próxima é melhor jantarmos num restaurante. Assim ninguém lava a loiça.
Ela - Se calhar é melhor, é. Aí estamos de acordo.

a olhar para a parede

Faço parte dos divorciados que voltaram a ter uma relação mas que não voltaram a casar. Não há, no léxico português, uma palavra que defina por si só este enquadramento da vida, mas o que lhe falta em significante sobra-lhe em significado. Pelo menos acredito que somos uma espécie em expansão. Nessa discussão semântica há várias tendências: a que nos chama os desiludidos com o casamento, termo que eu rejeito absolutamente, e a que nos chama os iludidos com o divórcio, com a qual concordo mais.
Os iludidos com o divórcio são aqueles que perceberam que o Amor é uma partilha como o sal na comida. Saborosa mas sem exageros, portanto. E sendo assim afastamos também a hipótese da hipertensão do Amor, aquela que provoca acidentes cardiovasculares numa relação.
Ontem passei a manhã na minha casa, sentado no sofá, a namorar com a discografia da Mayra Andrade. Li um livro, passei alguma roupa a ferro, fiz o almoço e lavei a louça.  Divido assim o tempo, o meu tempo, também comigo, uma divisão que durante vários anos de casamento me fez falta e que, sem eu próprio perceber, me entristecia. Só o percebi, aliás, algum tempo depois de me separar, quando dei por mim a chegar a casa e poder sentar-me no sofá a olhar para a parede sem explicar a ninguém porque é que estava a olhar para a parede.
Esse tempo, o da parede que olhamos, é o nosso tempo. Depois há outro, aquele que queremos partilhar com alguém e, se possível, alguém que amamos. É o tempo em que em vez da parede há o mundo, e esse meu mundo agora é a Raquel. Como sal que baste e que sabe tão bem.

conversa 1748

Ela - Não sei como é que suportas a Márcia.
Eu - É minha amiga...
Ela - Mas tem a mania que é melhor que os outros.
Eu - Não tem nada.
Ela - Tem, tem. Pelo menos quando fala comigo é o que parece.
Eu - Comigo não parece nada. Se calhar isso é pessoal e quando tu falas com ela, ela fica com a mesma sensação.
Ela - Eu não tenho a mania que sou melhor que ninguém. Pelo menos nisso sou melhor que ela.

3.28.2011

respostas a perguntas inexistentes (139)

bloqueios

Normalmente não tenho nada para dizer a ninguém. É por isso que escrevo muito mais do que falo. Falar exige uma velocidade que eu não sou capaz de acompanhar, enquanto escrever pode ser um processo pausado e demorado. Além disso, o Amor ensinou-me que é sempre melhor escrever do que falar. Quando escrevemos parecemos quase sempre inteligentes, quando falamos parecemos quase sempre estúpidos. Foi o Amor que me ensinou isto, e ainda não lhe perdoei o facto de mo ter ensinado demasiado tarde.
Para compensar a minha incapacidade de acompanhar a velocidade necessária para falar, andei algum tempo a preparar uma frase que definisse o Amor. Não o Amor em geral mas sim o meu Amor por uma mulher, que é aquele que interessa sempre. Nunca fui capaz, e na ausência de matéria prima disse-lhe, com voz trémula:

- Não consigo pensar em ti porque me bloqueias o pensamento, mas também não consigo deixar de pensar em ti. É por isso que se calhar te pareço sempre uma pessoa bloqueada, mas gosto de ti.

Ela riu-se com vontade e eu sem. E a mistura desses risos com vontades opostas separou-nos para sempre. Eu tinha feito figura de estúpido. Depois dessa paixão veio outra, mas desta vez fechei a boca e tirei a tampa da esferográfica. Escrevi-lhe num guardanapo de papel enquanto lanchávamos num café:

Não consigo deixar de pensar em ti, mas sempre que penso em ti fico como que bloqueado. É por isso que ainda não fui capaz de te dizer que te amo.

Dei-lhe o guardanapo para a mão, ela leu-o e deu-me a mão que ainda estava pontilhada de pedacinhos de torrada. Nessa noite fizemos Amor.

3.27.2011

conversa 1747

(ao telefone)

Ela - Logo à noitinha queres vir a minha casa beber um chocolate quente? Estive a tarde toda a treinar e acho que já consigo fazer o chocolate quente perfeito...
Eu - Posso ir aí, sim, mas eu não ponho chocolate no leite. Bebo-o branco, está bem?
Ela (desliga)

ó esquerdelho de merda

Quero agradecer ao anónimo que me enviou este comentário hoje no post "a única saída para a crise". Suponho que foi o mesmo que me deixou alguns comentários, também recusados, no meu blogue político, pelo menos a ver pela sua capacidade de escrita. De qualquer maneira, admito que tornou a minha tarde de Domingo um pouco mais bem disposta.

queres sair da crise ai queres.. então deixa.te de ser um fedelho ó esquerdelho de merda e é mas é um homem. vai trabalhar que andão os outros a trabalhar e tu só molheres não é?
deves ter mUitas deves. tocas mas é ó bicho. ratazana de esgoto

respostas a perguntas inexistentes (138)

um sorriso estúpido na cara

Quando eu pensava que um homem só se conseguia apaixonar a sério uma vez na vida, que é o mesmo que dizer quando eu era criança, via, por causa disso, o Amor como uma fatalidade. Apaixonámo-nos, logo gastámos todos os créditos da vida para paixões, da mesma forma que num jogo de computador qualquer. Foi por isso que a minha segunda paixão foi um alívio. Ufa!
Nessa segunda paixão eu andava sempre com um sorriso estúpido na cara, e a Márcia dizia todos os dias que eu andava com um sorriso estúpido na cara. Eu respondia-lhe que era por estar apaixonado por ela, omitindo que era por ela ser a minha segunda paixão e, à conta disso, ter-me apercebido que depois dela poderia apaixonar-me outra vez e outra vez. Tantas vezes quantas fosse preciso.
Acho que lhe ganhei o gosto, porque comecei a apaixonar-me de cinco em cinco minutos por todas as mulheres que passavam por mim. Apaixonava-me pela mulher que me servia o café num balcão qualquer, pela mulher que me perguntava as horas na rua, pela mulher que via os horários dos comboios da estação, pela mulher que se sentava perto de mim no cinema ou pela mulher que dava pão aos patos num lago qualquer. Sempre com um sorriso estúpido na cara.
Quando eu pensava que um homem se conseguia apaixonar na vida todas as vezes que fosse preciso, que é o mesmo que dizer quando era um jovem adulto, via, por causa disso, o Amor como um usufruto. Apaixonámo-nos, logo tínhamos que aproveitar essa paixão. E não fazia mal nenhum que o fruto da minha paixão não correspondesse a esse meu desejo nem que essa paixão durasse apenas dez minutos, porque as paixões sucediam-se umas às outras, à velocidade do vento.
Um dia vi a minha sombra morrer no chão que eu pisava. Tentei reanimá-la para que ela se levantasse mas não consegui. A Raquel disse-me que eu estava com um sorriso estúpido na cara. Eu respondi-lhe que era por estar apaixonado por ela, omitindo que era por ter percebido que depois dela não me apeteceria apaixonar-me outra vez. Voltei a ser criança, sempre com um sorriso estúpido na cara.

3.26.2011

a única saída para a crise

Eu sei que falar de política é uma seca para alguns, por isso é que só publico textos políticos no meu blogue que (quase) ninguém lê. Mas acho importante, e actualmente acho mais importante que nunca. Isto é um convite para me aturarem um bocadinho... aqui. E com um obrigado do tamanho do mundo.

3.24.2011

conversa 1746

Ela - Detesto quando estou nervosa e alguém me diz para me acalmar.
Eu - Porquê?
Ela - Quando estou nervosa, a última coisa quero saber é que alguém acha que eu me devia acalmar. Não achas lógico?
Eu - Mais ou menos. E quando é que é oportuno alguém dizer-te que te devias acalmar?
Ela - Quando já estou calma.
Eu - Mas aí não serve de nada dizer-to.
Ela - Pois não, mas pelo menos também não me chateia.

conversa 1745

Ela - A primeira vez que conheço um homem, logo no primeiro momento, o meu pensamento é se tenho hipóteses de me apaixonar por ele ou não.
Eu - Que giro! E como é que analisas isso?
Ela - Pelo corpo, se o acho bonito ou não. Pela voz, pelos gestos e pelo que diz, pelo sentido de humor. Enfim, por tudo.
Eu - Ah! E tens-te apaixonado muitas vezes?
Ela - Nenhuma.
Eu - Nenhuma?
Ela - Não. Acho que ando muito exigente nas minhas análises, ou então os homens andam muito desinteressantes.
Eu - Ou então andas muito ansiosa com isso.
Ela - Ou isso, sei lá. Se calhar é isso.
Eu - Descontrai um bocadinho. Eu, por exemplo, acabei de meter a minha televisão no armário. Andava a chegar a casa e, a primeira coisa que fazia, era ligar aquela porcaria para ver as notícias. Ontem, por exemplo, passei a noite a ouvir música.
Ela - Boa ideia, mas no meu caso tenho é que pôr o frigorífico no armário.

3.23.2011

conversa 1744

Ela - Com a minha idade cheguei a uma conclusão muito simples.
Eu - Tu tens a minha idade. Qual é a conclusão?
Ela - Uma mulher tem que se apaixonar pelo menos duas vezes na vida.
Eu - Porquê?
Ela - Uma que é para arranjar um companheiro que venha a ser o pai dos filhos dela, outra para arranjar um companheiro que não seja o pai dos filhos dela.
Eu - Estás a falar a sério?
Ela - Nunca falei tão a sério na minha vida.

quarto de hotel

Tem piada, já não se lembra do corpo dela. Só se lembra da sensação de lhe tocar. É como se tivesse esquecido a cor dos lençóis duma cama de hotel sem lhe esquecer o conforto. E é altura de se perguntar outra vez porque é que não se apaixonou por ela. Nunca percebeu, mas sabe que esteve sempre quase e nunca aconteceu. Foi um amor estéril, conclui. Os amores estéreis são esses, os que nunca o chegam a ser mas crescem na mesma, talvez como uma flor sem raiz.
Acha que ela também nunca se apaixonou por ele. Aliás, tem a certeza. Ainda bem, pensa. Só assim é que é possível dizer um até amanhã sabendo que é um até nunca. "Um dia destes telefono-te", disse-lhe ele. E ela sorriu sabendo que era mentira. Mas não se importou. Pelo contrário, foi um alívio.
Nunca acreditaram no toque um do outro, mas mesmo assim tocaram-se repetidamente. Precisavam de acreditar num toque qualquer e não havia mais nenhum. Às vezes é assim. Ambos tinham um Amor não correspondido e ninguém se acomoda à falta de correspondência. Aliás, foi nesse quarto de hotel que ela lhe disse que ambos tinham ficado sem casa, mas como ninguém gosta de ficar na rua refugiaram-se ali, num quarto de hotel e um no outro. Ele assumiu-se como um refugiado no Amor e a respiração tornou-se mais lenta. Nesse momento até o corpo amoleceu e precisou de um novo toque para endurecer.
Tinham-se conhecido uns dias antes, ainda ambos eram apenas um caco da destruição de um Amor anterior. Ainda ambos farejavam a cidade como cães anósmicos, à procura do que não havia, e acabaram por roçar um no outro. Tem piada ele já nem se lembra do que bebeu nesse bar. Só se lembra da sensação de estar a fingir um interesse que não tinha e de sentir que ela fingia o mesmo. Talvez por isso tenham ido para um quarto de hotel: para nenhum deles dar mais de si do que devia. E fecharam-se ali, onde sabiam que o Amor não os encontrava para fingir que nem precisavam dele. Ele sentiu-se mais prostituto. Ela também. E soube bem.

3.22.2011

conversa 1743

Eu - Com este Sol e estás de gola alta?
Ela - Tenho dois chupões no pescoço.
Eu - Ainda bem que são no pescoço e não na cara, senão acho que andavas de máscara.
Ela - No mínimo ficava doente e não ia trabalhar.

pensamentos catatónicos (238)

censos 2011

Respondi ao inquérito dos Censos 2011 como se mantivesse uma conversa chata, como se conversasse com alguém a quem apenas respondia com repetidas interjeições plenas de impaciência: "hum... hum...". O mais desolador é que tinha lido algures que aquilo servia para nós sabermos quem somos e, portanto, estava cheio de entusiasmo. Acho mesmo que me vi ao espelho nessa manhã e molhei os cabelos que se espetavam no ar, alisando-os como se aguardasse um primeiro encontro com alguém.
Perguntaram-me como é a minha casa, como a aqueço e como a pago. Perguntaram-me se sei ler, onde é que estudei, onde trabalho e como me pagam. O problema dos Censos é esse, o mesmo de quem nos governa actualmente: quer saber aquilo que já sabe e não aquilo que precisamos. Ao fim e ao cabo, somos seres que gastam o seu tempo à mesma velocidade com que se respira, somos os que se apaixonam e desapaixonam, os que se riem e choram, os que abraçam e esmurram.
A minha filha telefonou-me este fim de semana e acordou-me com um "feliz Dia do Pai" e um "obrigado por seres meu pai". Hoje de manhã fiquei com um buraquinho na alma quando me despedi da Raquel e a vi desaparecer na curva do fim da rua, de tal forma que fui dar um passeio ao bairro para me aquecer ao Sol que testemunhou o facto de eu me sentir apaixonado. Por estes dias sou isso, um homem com saudades da filha e apaixonado pela namorada. O resto: a casa, o seu aquecimento, o trabalho, o comboio e a educação deviam vir com a vida e não se pensava mais nisso. Bastava pôr a Economia a servir-nos e não ao contrário.

3.21.2011

conversa 1742

Ela - Anda a apetecer-me fumar e beber cada vez mais.
Eu - Porquê?
Ela - É libertador.
Eu - Ah! Então está bem.
Ela - Está bem?!
Eu - Se é o que queres, não sou ninguém para te impedir.
Ela - Precisava dum amigo que me tentasse convencer a não o fazer.
Eu - Se quiseres posso fingir uma conversa em que tento convencer-te a ter uma vida mais saudável.
Ela - Não, já não vale a pena. Agora seria muito artificial.
Eu - Pois.
Ela - Caramba! Cada vez dás menos pica.
Eu - Menos pica?! Eu até te percebi bem. Também acho que, se achas libertador, deves fumar e beber até à morte.
Ela - Também não exageres. Na verdade nem sequer me apetece fumar ou beber.
Eu - Pronto, então não fumes nem bebas.
Ela - Acho que isto é falta de sexo. Isso é que eu preciso.
Eu - Fumar e beber não tem nada a ver com sexo.
Ela - Bem, até pode ter, de certa maneira. Queres que eu te explique?
Eu - Hum... acho que não.

3.18.2011

o sussurro do vento

Gostamos do Amor quando ele não nos atende, como se bater à porta duma casa onde não está ninguém para abrir pudesse ser uma diversão. Não é uma diversão, mas é uma ilusão da qual não se consegue fugir. E a Márcia para mim era essa ilusão.
Encontrava-a por acaso todos os dias ao fim da tarde quando ela vinha da escola, e eu, que para que esse acaso se desse chegava a fazer a mesma rua duma ponta à outra mais de dez vezes, cumprimentava-a sempre com um ar surpreendido. Olá, estás aqui? E ela respondia sempre com um silêncio que fingia acreditar em mim. Depois eu acompanhava-a a casa, porque também por acaso andava sempre a passear só para matar o tempo, nunca lhe confessando que era o tempo que me matava a mim.
Depois ficávamos a conversar à frente da entrada do prédio dela. Às vezes horas, outras vezes minutos, com o tempo assassino que a mim me parecia sempre insuficiente. E, nessa insuficiência, até do vento que lhe acariciava os cabelos e sussurrava aos ouvidos eu tinha ciúmes. Não se podia fazer silêncio, porque o sacana vinha logo segredar-lhe que se despedisse de mim. E ela obedecia. Então até amanhã ou até um dia destes, dizia. Como se não soubesse que no dia seguinte eu tornaria a esquadrinhar a rua para a encontrar por acaso.
Às vezes falávamos do futuro, como se a merda do futuro me interessasse alguma coisa; outras vezes falávamos do passado, como se a merda do passado me interessasse alguma coisa. Nunca falámos do presente, e o presente que eu queria era um que se abrisse e a revelasse a ela, como uma porta onde eu batesse e alguém me dissesse para entrar e ficar.
Uma vez ficámos até mais tarde na conversa. Tanto, que até o Sol se cansou de nos ouvir e se foi afastando em passos curtos. Ela queixou-se que tinha pele de galinha e eu dei-lhe o meu casaco, depois queixou-se que era eu que tinha frio e que não podia aceitar a minha oferta. Abracei-a, um abraço que lhe aqueceria o corpo e a mim a alma, mas ela recuou enrijecendo os músculos e apagando o sorriso. Fez-se silêncio e lá veio o vento segredar-lhe que subisse. Nesse dia fê-lo sem se despedir.
No dia seguinte ela não passou na rua, nem no outros que se seguiram a esse. Encontrei-a apenas mais duas vezes na vida. Uma em que percebi que ela tinha mudado o percurso de propósito para que eu não a encontrasse novamente, o que me fez desistir dela. Outra ontem, mais de vinte e cinco anos depois e noutra cidade que não a nossa. Primeiro trocámos um olhar indefeso e os nossos corpos cruzaram-se num passo decidido. Depois parei e olhei para trás. Ela também tinha parado. Dissemos adeus.

cisnes selvagens

Sobre a China no fim do período da Revolução Cultural Maoísta, pouco antes da morte de Mao:

Muitas vezes, nos autocarros apinhados, nos comboios ou nas lojas, ouvia mulheres a gritar com homens e a dar-lhes bofetadas. Frequentemente, o homem negava a acusação, seguindo-se uma troca de insultos. Eu própria fui diversas vezes molestada por homens; sempre que isso acontecia, limitava-me  a afastar-me. Tinha pena daqueles homens. Viviam num mundo onde não encontravam escape para a sua sexualidade a menos que tivessem a sorte de ter um casamento feliz, o que era cada vez mais raro. O vice-secretário do Partido na minha universidade foi uma vez apanhado num grande armazém com o esperma a escorrer-lhe pelas calças. A multidão tinha-o comprimido contra uma mulher que estava à sua frente. Foi levado para uma esquadra de polícia e mais tarde expulso do Partido.

Jung Chang em "Cisnes Selvagens, Três Filhas da China" - Quetzal editores 1995

3.17.2011

conversa 1741

Eu - Estás a rir de quê?
Ela - Estás a ver aquela mulher ali na paragem de autocarro?
Eu - Sim.
Ela - Olha para as cuecas dela.
Eu - Como é que eu olho para as cuecas dela se ela está de calças?
Ela - Mas nota-se as dobras a fazer vinco no tecido do rabo.
Eu - Nota? E o que é que tem?
Ela - São enormes, as cuecas dela. É tão pouco sexy...
Eu - Nunca repararia nisso...
Ela - Não?! Incrível. Eu acho é que há mulheres que não têm cuidado nenhum quando se vestem para sair à rua.

respostas a perguntas inexistentes (137)

A certeza do toque

Ele descobriu hoje que está sozinho. Mais concretamente pela manhã, quando ela saiu, bateu a porta de casa com mais força do que o habitual e depois manteve o telemóvel desligado pelo menos até à hora do almoço. A essa hora, esta hora, ele desistiu de lhe ligar e fez uma descoberta mais grave: já está sozinho há vários anos. Talvez por isso procure agora na água que cai do chuveiro uma carícia na pele, aquela que ela não lhe fez. E pelo ralo se escoa a promessa dum Amor para o tempo que ainda há-de vir.
E talvez seja essa carícia da água a dizer-lhe que o maior é erro é falar de Amor como se fala do tempo, esse tempo que não se sabe de onde vem nem para onde vai. Talvez o Amor não deva nunca ser uma promessa e só dessa forma possa ser uma certeza. A certeza do toque.
A certeza do toque é a certeza da mão dada, do beijo, da penetração ou do abraço. É a certeza do sono a dois e do chocolate que se divide em trincas ainda mais doces. É  a certeza do ar que se partilha e se respira devagar. Sem toque não há certeza, mesmo que o tempo esteja lá e perdure.

3.16.2011

conversa 1740

Ela - Não gostavas de fazer uma tatuagem?
Eu - Não.
Ela - Porquê?
Eu - Porque não.
Ela - Nem um brinco, um piercing...
Eu - Nada. Não gosto de nada disso.
Ela - Mas achas feio?
Eu - Nalgumas pessoas gosto de ver. Eu ti gosto, por exemplo. Em mim não gosto de nada disso porque me incomoda. Nem um anel consigo usar, só para tu veres.
Ela - Tu não és normal.

respostas a perguntas inexistentes (136)

Amar como uma folha e branco

Hoje sinto-me preguiçoso, e para escrever tenho sempre que vencer duas etapas. A etapa da preguiça e a etapa da ansiedade. Nem sempre sei o que vou escrever quando ligo o computador, ou melhor, talvez nunca saiba. No entanto, o cursor de texto vai piscando como se tivesse fome de palavras. Das minhas palavras, aliás. E eu sem forma de o poder alimentar.
Querer escrever sem ter palavras para o fazer é uma contradição que só o Amor consegue explicar. À partida só devíamos ter necessidade de escrever quando as palavras nos chegassem à ponta da língua e começassem a fazer cócegas nos lábios. Mas não é assim, ou melhor, mas não somos assim. Senão também só teríamos necessidade de Amar quando estivéssemos apaixonados.
A vontade de Amar surge na vida como a vontade de escrever surge numa folha em branco. Não temos nada em perspectiva, por isso tentamos encontrar alguma coisa a que nos possamos agarrar. E é assim que se procuram as palavras, exactamente da mesma forma que se procura um Amor. Saímos de casa, caminhamos à deriva pela cidade, entramos num ou noutro café e vamos trocando olhares com os demais. Um dia cruzamo-nos com alguém que traz a tal sensação de cócegas nos lábios, só que noutro sítio, a que por qualquer motivo nos habituámos a chamar de coração.
Depois há o défice de Amor, aquele por que passamos quando não temos ninguém a quem telefonar quando estamos sós, realmente sós, e que se parece com o termos a folha da vida em branco sem conseguir escrever lá nada. É por isso que mantenho este blogue, por exemplo, porque Amar não é mais do que ir escrevendo os dias com alguém. Ou para alguém.

3.15.2011

conversa 1739

Ela - Às vezes chego tão cansada a casa que digo logo ao meu marido que, se quer sexo à noite, é ele que se tem que se esforçar. Eu fico deitadinha e quieta.
Eu - Uau! E ele aceita isso na boa?
Ela - Que remédio tem ele. Ou se esforça ele comigo deitada, ou se esforça ele sozinho na banheira. O esforço é sempre dele.
Eu (risos) - Mais vale mudar a hora do sexo para de manhã.
Ela - De manhã ele está sempre a roncar que nem um porco.
Eu - A vossa história parece uma história de príncipes e princesas. Estou a imaginá-la com a Barbie e o Ken...
Ela - Imagina à vontade. Só tens que pôr a Barbie de telecomando na mão a ver a novela sem pensar em mais nada, e o Ken a jogar computador com um tesão enorme.
Eu - Acho que vou pedir outro café mas desta vez com cheirinho.
Ela - Pede dois, um deles sem café.

coisas que fascinam (119)

Num cruzamento qualquer um automóvel ficou parado quando o semáforo passou para verde porque o condutor beijava a mulher que viajava ao lado. Imediatamente se ouviram algumas buzinadelas zangadas. Àquele sinal verde correspondia o sinal vermelho para peões que me fez parar junto à passadeira e aperceber-me da situação, mas correspondia também um sinal vermelho para beijos dentro dos carros. Depois os apaixonados lá arrancaram, devagarinho e com outros veículos atrás bem perto, como se o quisessem empurrar. É a segunda ou terceira vez que vejo isto acontecer em pouco tempo, e agrada-me saber que ainda há beijos que desrespeitam o cinzento modo como as cidades respiram.

3.14.2011

conversa 1738

(no café)

Ela - Como é que é estar apaixonado? Já nem me lembro...
Eu - Só te separaste há meio ano, não foi?
Ela - Foi, mas já não estava apaixonada há uns dez anos no mínimo.
Eu - E entretanto ainda não te ocorreu nada?
Ela - Nada. Acho que treinei demasiado a minha forma de ser para conseguir viver sem paixão. Houve uma determinada altura na minha vida em que pensei que isso era normal, percebes?
Eu - Percebo, acho que percebo.
Ela - Mas como é que é estar apaixonado? Dá-me uma dica.
Eu - Olha, no meu caso é estar aqui a beber uma cerveja contigo e a pensar na minha namorada.
Ela - O quê? Estás a falar comigo e a pensar na tua namorada?
Eu - Quer dizer... sim.. mas também estou concentrado na nossa conversa.
Ela - Merda para isto. Pior que estar divorciada aos quarenta é só ter amigos e amigas casados.
Eu - Mas eu estou a ouvir-te...
Ela - A ouvir-me e a pensar na namorada. Muito obrigado.
Eu - Mas...
Ela - Ao menos diz-me que estou bonita.
Eu - Estás bonita.
Ela - Com essa entoação artificial não acredito. Tens que ser mais natural.
Eu - Contigo a pedir-me para o dizer, não consigo ser natural.
Ela - Então e se eu não pedir mais?
Eu - Já pediste.
Ela - E agora?
Eu - Agora é melhor deixares de sair só comigo. Uma mulher que sai com um homem não tem hipótese nenhuma de ter um romance.
Ela - Porquê?
Eu - Achas que algum homem aqui te ia fazer olhinhos comigo ao teu lado? Claro que não.
Ela - Estás comigo enquanto pensas na tua namorada e ainda por cima és um obstáculo à minha felicidade esta noite, é isso?
Eu - Bem... na verdade acaba por ser um bocado isso.
Ela - Socorro!
Eu - Já pensaste em pedir ajuda?
Ela - Acabei de o fazer.
Eu - Estava a falar de um psicólogo.
Ela - Onde é que está um psicólogo?
Eu - Não está aqui nenhum, ou melhor, se estiver eu não sei. Isto é um café. Estava a falar de teres uma consulta num psicólogo. É uma coisa normalíssima, procurar ajuda dum especialista quando estamos tristes.
Ela - Boa ideia. Vou fazer isso. Espero que ele seja giro.

conversa 1737

Eu - Então, estás apaixonada?
Ela - Porque é que perguntas?
Eu - Estás com ar de apaixonada, não sei porquê.
Ela - Não estou apaixonada mas sim, é verdade que estou muito feliz.
Eu - Ah!
Ela - O meu ex chateou-se com a namorada dele.
Eu - Estás feliz por isso?
Ela - Sim, e não me venhas com conversas moralistas sobre a felicidade alheia e mais não sei o quê. Anda comigo que eu pago-te uma cerveja.
Eu - Ok... mas a sério que me faz confusão ficares feliz com a infelicidade do teu ex-marido.
Ela - Não é bem ficar feliz com a infelicidade dele.
Eu - Então é o quê?
Ela - Sempre que ele passava com ela por mim, punha aquele olhar de "eu já tenho namorada e tu ainda estás sozinha". Não imaginas como eu me sentia.
Eu - Anda lá, paga-me lá uma cerveja.
Ela - Pago-te as que tu quiseres.

convite para um chá de casca de toranja

Da estratégia de comunicação na sedução faz sempre parte a omissão. Omite-se o que realmente se quer, um vulgo engate para entrar num jogo em que a omissão, em vez de esconder, revela lentamente as intenções. Talvez por isso, em conversa com um amigo durante umas cervejas, tenha concordado que o jogo da sedução, pelo menos às vezes, é mais interessante que a própria sedução em si. Concordei nisso e no facto de que em nenhum caso se consegue enganar uma mulher a não ser que ela própria deseje ser enganada.
Lembro-me da Sandra, por exemplo, que conheci uma vez numa noite de Verão. A Sandra apeteceu-me, porque é difícil que uma mulher bonita não nos apeteça quando estamos sós. Depois de dois dedos de conversa convidei-a para beber um chá de casca de toranja em minha casa, e essa foi a minha omissão da noite. Omiti que queria dormir com ela, revelando no entanto que de alguma maneira ela me interessava. 
A primeira vantagem de um convite para um chá de casca de toranja é que ninguém convida ninguém para um chá de casa de toranja à uma da manhã, e isso permitiria-lhe sair de fininho caso não estivesse interessada em dormir comigo. Ao mesmo tempo, aceitando-o, a porta ficaria semi-aberta para o desejo omitido. A Sandra não aceitou e saiu de fininho, mas a segunda vantagem de um convite para um chá de casca de toranja é que ninguém fica triste por vê-lo recusado. É só mais um, afinal de contas.
Acho que por isso é que nunca fui capaz de convidar tão facilmente um Amor a sério. Dum engate digere-se bem uma recusa, dum Amor a sério não. Acabei de beber a minha cerveja e pousei o copo na mesa suja do café. "Mas dum engate pode nascer um Amor a sério, não pode?", perguntou o meu amigo enquanto eu já me levantava. "Pode, claro que pode!", respondi. E depois insisti: "Talvez todos os Amores comecem pelo convite para um chá de casca de toranja, talvez porque assim nunca se tem medo de um não".

3.13.2011

uma pessoa nova

Se eu pudesse conhecer uma pessoa nova hoje, escolhia conhecer-te a ti outra vez. Assim, como se fosse a primeira.

conversa 1736

Ela - Porque é que estás com essa cara?
Eu - Que cara?
Ela - Com esse sorriso de orelha a orelha.
Eu - Ah! Ganhei um jogo de Fifa 2010 a um amigo meu que me costuma ganhar sempre.
Ela - Às vezes gostava de ser homem. A sério que gostava...
Eu - Porquê?
Ela - Para conseguir ficar feliz com insignificâncias.
Eu - Insignificâncias?! Sabes lá...
Ela - Pois não, não sei.

3.11.2011

conversa 1735

Ela - É preciso que o coração não se canse de amar e o meu cansou-se. Foi por isso que tive que pôr fim à minha relação.
Eu - Acho isso normal. Cansou-se e precisa descansar um pouco.
Ela - Exacto. Quando um coração se cansa, depois precisa de descansar um pouco. É por isso que o meu ex me faz confusão.
Eu - Então?
Ela - Acabei com a nossa relação numa quinta-feira. No sábado seguinte ele já andava com outra gaja. Achas isso normal?
Eu - Acho.
Ela - Achas?!
Eu - Tão natural como a tua sede. Talvez ele também esteja cansado e por isso não esteja muito apaixonado, mas sente um buraco enorme da relação que acabou e precisa de se deitar com alguém à noite.
Ela - Mas isto é só sexo?! Os homens são mesmo perigosos.
Eu - Perigosa és tu, nesse caso, que achas que a cama é só sexo. Eu acho que é sexo, é estar abraçado a alguém, é combater a solidão...
Ela - Então, eras capaz de ir para a cama com uma mulher por quem não estivesses apaixonado?
Eu - Claro que sim. Aliás, um dos passos para me apaixonar é ir para a cama com uma mulher.
Ela - Não te consegues apaixonar por uma gaja sem a ter comido?
Eu - Se queres pôr as coisas nesses termos, é mais difícil acontecer. A envolvência física com uma mulher é um passo necessário para a paixão. Às vezes dá, outras vezes não.
Ela - Ser mulher é fodido.
Eu - Ser homem é que é fodido.

pensamentos catatónicos (237)

A guerra em tempo de Amor

Mais ninguém. Quando penso na mulher que amo, é sempre o quem depois: mais ninguém. Pensar que gosto mais dela do que de outra qualquer pessoa no mundo, seria pouco para definir o que é o Amor. Pode gostar-se mais de uma pessoa pessoa do que outra apenas um bocadinho. No entanto, pensar que ela é como mais ninguém, isola-a de todos os outros. É como mais ninguém.
Amá-la como a mais ninguém torna-a incomparável. Logo, não gosto nem mais nem menos do que quem quer que seja. Só existe ela. Ela é o mundo, porque essa é uma das definições intrínsecas do Amor: ser o mundo.
É por isso que o Amor também é uma guerra ou, se quiserem, um continuado campo de batalha. Os mundos conquistam-se palmo a palmo, trincheira a trincheira. Essa é a História do Mundo e também a História do Amor.
Um amante passa a vida em guerra, disputando um olhar ou um minuto de atenção desse mundo com todas as armas de que dispõe. Às vezes um olhar, outras vezes palavras, outras ainda o próprio corpo. É uma guerra sem tréguas em que às vezes se é certeiro, outras vezes nem por isso. Eu, como um soldado de quase quarenta anos, já dei alguns tiros no pé. Perdi terreno e voltei a conquistá-lo de novo. Teve que ser. Tem sempre que ser.

3.10.2011

conversa 1734

Ela - O meu marido tem a mania que é um ás do volante. Detesto essa faceta dele mas deixo-o tê-la.
Eu - Porque é que detestas essa faceta dele?
Ela - Porque acho que um gajo que está sempre a armar-se em ás do volante, com ultrapassagens que fez, derrapagens e mais não sei o quê, é estúpido. Primeiro porque se está a armar com uma coisa que qualquer pessoa é capaz de fazer: conduzir. Segundo porque é preciso ser parolo para se gabar disso.
Eu - Então porque é que o deixas ter essa faceta?
Ela - Olha, coitado, não se consegue armar por mais nada e eu até tenho pena dele.
Eu - Sei lá... não me parece que tenhas muita consideração pelo teu próprio marido.
Ela - Se queres pôr as coisas nesses termos, não tenho, não. Caramba! Ninguém devia casar com vinte anos de idade. Aos quarenta é que percebi que vivo com uma pessoa que não me interessa nadinha.
Eu - Divorcias-te e pronto.
Ela - Tenho pensado nisso, mas o que é que um tipo que acha que conduzir é uma tarefa digna de contar uma história excitante todos os dias, vai fazer quando se vir sozinho?
Eu - Olha, vai trabalhar todos os dias e tentar conhecer outra pessoa. A propósito, em que é que ele trabalha?
Ela - É motorista.

3.09.2011

conversa 1733

(no café)

Ela - Já tiveste sexo com alguma mulher por quem não estivesses apaixonado?
Eu (riso)
Ela - A sério, já ou não?
Eu (mais riso nervoso)
Ela - Não respondes porquê?
Eu - (mais riso nervoso)
Ela - Eu tive uma vez e não gostei nada.
Eu - (mais riso nervoso)
Ela - Quando foste para a cama comigo estavas apaixonado por mim?
Eu - Já não me lembro muito bem. Foi há tanto tempo...
Ela - Não podias ter dado resposta pior.

3.08.2011

conversa 1732

Ela - Acho sempre que gosto mais do meu namorado do que ele de mim. Se calhar é por isso que às vezes crio algumas discussões espontâneas com ele.
Eu - Ui!
Ela - Ui?! É só isso que tens para dizer?
Eu - Se disser o que eu penso sobre isso, acho que me vais querer bater.
Ela - Prometo que não bato.
Eu - Gostas tanto dele que queres que ele goste ainda mais de ti. Só que como gostas mesmo muito dele, é-te difícil acreditar que alguém possa ainda gostar mais de alguém do que isso, ou seja, nunca vais achar que ele gosta mais de ti do que tu dele.
Ela - Onde é que foste buscar essa ideia?
Eu - Já tive vinte anos. Agora tenho quase quarenta.
Ela - Mas eu não tenho vinte anos.
Eu - Mas parece.
Ela - Só não te bato porque prometi.

3.07.2011

respostas a perguntas inexistentes (135)

Por estes dias estou de visita ao Alentejo, numa casa caiada de branco e que tem a porta principal durante mais tempo aberta do que fechada. De vez em quando, e com alguma regularidade, um ou outro vizinho entra por ela para dizer alguma coisa, seja perguntar pelas crianças (que nesta terra podem sempre estar em qualquer lugar), seja para oferecer alguma fruta ou carne. 

Gosto do Alentejo também por isso. A solidão que parece povoá-lo à primeira vista, desaparece quando o conhecemos melhor. Em Aveiro ou no Porto, as cidades por onde vou dividindo os meus dias, é impensável ter a porta de casa sempre aberta, para que em caso de necessidade um vizinho possa entrar sem ter que bater. Ontem estava a pensar nisto e em como o Amor também é uma necessidade.

3.06.2011

conversa 1731

Ela - Saí com um tipo por quem me comecei a interessar aos poucos.
Eu - Fixe!
Ela - Não é tão fixe assim. Comecei a dar-lhe uns elogios, mas ele nunca percebeu que esses elogios significavam que ele podia avançar...
Eu - Nunca avançou?
Ela - Não.
Eu - E ele estava interessado em ti?
Ela - Se não estava, porque é que saímos tantas vezes os dois?
Eu - Sozinhos?
Ela - Sim.
Eu - Pois... não sei. Que elogios é que tu lhe deste?
Ela - Disse-lhe que ele fazia uma excelente caipirinha.
Eu - Só isso?
Ela - É pouco?
Eu - Não sei se é pouco ou muito. Eu, pelo menos, não partiria do princípio que podia avançar para uma noite de sexo contigo, só por elogiares a minha caipirinha.
Ela - Estás a ver?! Não era para uma noite de sexo que eu queria que ele avançasse. Era para uma relação, um namoro a sério...
Eu - Ainda pior. Dizer a um gajo que ele faz uma boa caipirinha não é propriamente o mesmo que dizer-lhe: "eu amo-te e quero passar o resto da minha vida contigo". Percebes?
Ela - A não ser que a caipirinha dele seja horrível.
Eu - A caipirinha dele é horrível?
Ela - É intragável. Fiz um esforço enorme para beber aquilo. Ele devia ter percebido que eu estava a mentir porque gosto dele.

3.04.2011

respostas a perguntas inexistentes (134)

cartas de amor e candidaturas a um emprego

Durante um café, queixava-se hoje um amigo meu, desempregado pela terceira vez em poucos anos, que a maior parte das empresas nem sequer responde às candidaturas enviadas por ele. Tem razão. Pelo menos a minha experiência também confirma isso. Não estou desempregado mas uma vez por outra, e assim como quem não quer a coisa, lá respondo a um anúncio que considere mais adequado.
Uma candidatura a um emprego é uma carta (ou um email, actualmente) onde tentamos mostrar o que sabemos e somos capazes de fazer, e explicamos porque é que o queremos fazer. É relativamente fácil, fazer essa candidatura, e por isso é que de vez em quando a faço mesmo sem andar à procura de emprego.
Lembrei-me, no entanto, da dificuldade que sempre tive em escrever cartas de Amor, aquelas em que nos candidatamos a Amar alguém e tentamos mostrar porque é que o queremos fazer. Acho que escrevi muitas cartas de Amor na minha vida mas não entreguei quase nenhuma. A maior parte delas acabou numa bolinha de papel tão amarrotada quanto a minha alma de jovem adulto apaixonado. E assim, não me candidatando a nada também nunca tinha resposta.
Uma ou outra entreguei, apesar de tudo, ou pelo menos arranjei coragem e maneira de ela chegar à destinatária. Acho que é a fase pior, a fase da "não resposta". O Amor até se pode resolver com um "não", mas dificilmente se resolverá com o desprezo. E eu perdi a conta às "não respostas" que tive. Ou melhor, que não tive.
Expliquei isto ao meu amigo. Não responder a uma carta de Amor é um crime, não responder a uma carta para um emprego é normal. As cartas de Amor que se escrevem levam sempre um bocadinho de nós: um sorriso, uma lágrima ou mesmo um pouco de suor. Quando não têm resposta esse bocadinho fica a faltar-nos, como se fosse a peça de um puzzle incompleto. À candidatura a um emprego falta-lhe isso, essa parte de nós.
No mesmo dia em que declaramos Amor a uma mulher, todas as outras mulheres do mundo se tornam uma sombra ao pé dela. No mesmo dia em que nos candidatamos a um emprego, todos os outros empregos do mundo similares a esse, seriam bem vindos.
A minha chávena de café já estava fria. A dele também. Levantámo-nos e ele lá foi, enviar mais quatro ou cinco cartas a tentar arranjar emprego. Nunca ninguém neste mundo enviou quatro ou cinco cartas de Amor no mesmo dia.

o síndrome do dentista

Hoje fui ao dentista. A consulta foi mais dura que o costume e, assim de repente, tinha duas mulheres a segurar-me a boca enquanto o dentista me queimava a gengiva para poder colocar um dente novo. A minha boca estava cheia de tubos, brocas e o que mais houver numa clínica dentária razoável. Mesmo assim todos me faziam perguntas, às quais eu não conseguia responder porque nem a boca conseguia mexer.
A partir de hoje, chamo a todas as perguntas que as mulheres me fazem e para as quais não tenho resposta, tipo "achas que eu sou tua companheira ou um objecto sexual?", "para ti o Amor e o sexo são a mesma coisa ou são coisas diferentes?" ou, a mais difícil de todas quando uma mulher vem a minha casa, "sabes onde é que guardas o papel higiénico?", o síndrome do dentista.

3.03.2011

conversa 1730

(na minha casa)

Ela - Não acredito que me tenhas dito uma vez que não gostas de U2 e agora estejas a ouvir a Shakira.
Eu - Eu gosto da Shakira.
Ela - E de U2?
Eu - Não.
Ela - Tens a mania que és diferente, é o que é.
Eu - Diferente?! A Shakira é só a gaja que vende mais discos no mundo inteiro.
Ela - Diferente de mim, era o que eu queria dizer.
Eu - Diferente de ti?! Olha que esta!
Ela - Eu desligo o som sempre que a Shakira passa na televisão.
Eu - Mesmo com o som desligado continuo a preferir a Shakira. Aliás, com o som desligado é que te garanto que prefiro mesmo a Shakira aos U2.
Ela - És um caso perdido.

conversa 1729

Ela - Sinto-me bem quando estou longe do meu namorado. Ando a precisar de estar sozinha, e não sei muito bem o que é que ele pensa de mim actualmente.
Eu - Boa!
Ela - Pensa que sou boa?
Eu - Não. Boa ao que tu disseste.
Ela - Pensa que não sou boa?
Eu - Não. Estava só a ser irónico porque até parece que descobriste a pólvora.
Ela - Qual pólvora?
Eu - Alguma distância entre duas pessoas que se amam, de vez em quando, só ajuda a manter a relação.
Ela - Ah! sim. Era aí que eu queria chegar.
Eu - E eu disse boa.
Ela - O que é que tem o facto de eu ser boa a ver com isso?
Eu - Deixa lá. Esquece.

as mulheres têm filhos para não terem que trabalhar?

"Uma mulher que vá a um entrevista pode estar de boa-fé, quando diz que tem dois filhos, mas também o pode dizer de forma intencional, porque sabe que isso pode ser um obstáculo"

Cristina Rodrigues, coordenadora da comissão de recursos - IEFP (Público)

A técnica dos partidos da direita parlamentar (PS, PSD, CDS) para combater o desemprego tem sido sempre a mesma. Em vez de se criar investimento público para criar emprego digno desse nome, culpabiliza-se o desempregado, apontando-lhe o dedo pela sua incapacidade e falta de vontade de trabalhar.
A verdade é que o sistema económico neoliberal precisa de desemprego para sobreviver, para que os privados possam negociar em condições mais vantajosas com aqueles que dependem exclusivamente do seu trabalho para viver. Aliás, um país de dez milhões de habitantes com mais de setecentos mil desempregados revela isso mesmo: que por muito que se queira ter um emprego, as probabilidades de não o conseguir são muitas.
Aquilo que eu ainda não tinha visto, era esta ofensa generalizada a quem quer trabalhar e não pode, passar a uma ofensa de género, numa revelação da mesquinhez e estupidez em que este governo se transformou. Cristina Rodrigues, coordenadora da Comissão de Recurso do Instituto de Emprego e Formação Profissional, pôs ao Público a hipótese de que quando uma mulher diz numa entrevista de emprego que tem dois filhos, o pode estar a fazer porque não quer trabalhar nem quer o emprego em questão.
A primeira estupidez é que a Cristina não põe a hipótese de um homem dizer o mesmo. Portanto, para ela, os filhos são uma responsabilidade exclusiva da mulher e não muito mais do que um fardo para as famílias.
A segunda estupidez é que ninguém diz que tem filhos por não querer trabalhar, mas em qualquer entrevista para emprego se deve dizê-lo (que engraçado, eu sou homem e digo-o) porque isso, de facto, pode ter alguma influência na assiduidade no trabalho. É uma questão de honestidade.
Com este governo estúpido, põe-se a hipótese real de uma mulher (e não um homem) perder o subsídio de desemprego por dizer numa entrevista que tem filhos.

3.02.2011

conversa 1728

Ela - Tens que ir a minha casa jantar. Já não vais lá há tanto tempo.
Eu - É uma boa ideia.
Ela - Eu convido-te. Só tens que me prometer que no fim não lavas a loiça.
Eu - Porquê?
Ela - Da última vez lavaste e eu tive que a lavar outra vez. É um desperdício de água e detergente.
Eu - Mas estava mal lavada?
Ela - Não é que estivesse mal, estava normal. Só que para mim normal não chega.
Eu - Tem piada, já não te via há tanto tempo que até já acho piada a essas tuas coisas.
Ela - Que coisas?
Eu - Essa mania de achares que tens que ser tu a fazer tudo e que há sempre alguma coisa de errado no que os outros fazem.
Ela - Achas mesmo que eu sou assim?
Eu - Acho.
Ela - Os meus últimos três namorados diziam mais ou menos o mesmo de mim...
Eu - Isso quer dizer alguma coisa.
Ela - Sim, quer dizer que os homens são todos iguais.

respostas a perguntas inexistentes (133)

Hoje vi-a fumar dois cigarros, e pareceu-me que os dois cigarros se lamentavam de qualquer coisa num poluído choro de cinzas. Depois vi-a pegar no cinzeiro e despejá-lo num caixote do lixo comum aos vários escritórios onde trabalha, como se tivesse conseguido deitar fora algumas das suas tristezas. Vi-a em silêncio, porque qualquer coisa me impediu de passar da porta do corredor enquanto fumava. Só depois me aproximei, como se tivesse acabado de chegar.

- Desculpa o atraso!
- Já estavas aí há muito tempo a fingir que não me vias. Estou assim com tão mau aspecto? - respondeu olhando-me de frente.

As mulheres têm a mania de não me deixar fingir, e também de me deixar sem resposta, pelo menos se considerarmos que o silêncio não responde a nada. Mas até responde, porque ela depressa o entendeu como uma confirmação.

- Pronto, estou. - e vestiu o casaco para sairmos dali, como se sair dali fosse respirar depois duma apneia matinal.

Continuámos em silêncio, desta vez os dois, por entre a indiferença dos edifícios, das montras dos prontos-a-vestir e das paragens de autocarro impacientes, até uma rua onde um homem só ouvia um rádio roufenho num pequeno bar de esquina. Tomámos um café cada um e ela pôs dois pacotes de açúcar (o dela e o meu) enquanto se ria timidamente de si mesma. Regressámos por um percurso não combinado mas propositadamente diferente, e deixei-a à entrada do mesmo prédio onde a fora buscar.

- Estás melhor?
- Sim. - respondeu.
- Não estás com mau aspecto, estás com aspecto cansado. Só isso.

Ainda não sei porque é que ela me telefonou a pedir para dar uma volta de manhã, não sei porque é que voltou a fumar nem porque é tinha um aspecto cansado. Não mo disse, e se não mo disse talvez seja melhor nem saber. Sei que tenho uma amiga que só vejo uma ou duas vezes por ano, mas mesmo assim é a quem recorro por último, ou seja, quando já não tenho mais ninguém a quem o fazer. Ela também. E agora que estava a pensar nisso, acho estranho que se recorra à simples presença silenciosa de alguém e que isso funcione. Mas funciona.

3.01.2011

conversa 1727

Ela - Hoje à tarde precisava da ajuda dum amigo...
Eu - Então?
Ela - Estou com pouco tempo porque tenho uma reunião. Achas que podias ir buscar a minha filha à escola?
Eu - Se me deixarem trazê-la sim, posso. Eles não me conhecem...
Ela - Eu já avisei que em princípio ia um desconhecido buscá-la, já que o meu marido está em Espanha e eu não posso mesmo.
Eu - Então eu vou, sim.
Ela (dando-me um papel) - Obrigado. Depois a minha lista de compras é esta. Paga tu que eu depois dou-te o dinheiro. E se puderes, pega lá o meu cartão de cidadão e vai-me levantar esta carta registada aos correios.
Eu - Mas...
Ela - És um anjo. Deus te pague.
Eu (só em pensamento) - Eu sou ateu.

coisas que fascinam (118)

Primeiro tive que me desviar de alguns detritos orgânicos dum cão qualquer, depois pisei uma garrafa de cerveja que já estava partida. Aquela rua sem nome estava anormalmente suja, pontilhada por muitas beatas de cigarros e algumas embalagens diversas a tender para o irreconhecível. Dois homens passavam. Um que acabava de deitar mais um resto de cigarro para o chão, outro que vinha para limpar. Era o varredor, empurrando um carrinho preguiçoso sem cor. Ambos pareciam fazer parte da sujidade da rua, tal a forma cabisbaixa e cinzenta como caminhavam, parecendo que da vida apenas esperavam a morte.
Foi quando abri a porta do automóvel que ouvi um deles cantar. Era um "lai lai lai" rouco e desafinado mas ainda assim um cantar qualquer. Olhei. O varredor tirara a pá e a vassoura de cima do carrinho e varria uma das poucas áreas da rua que não precisavam de ser varridas. Depois veio o som duns saltos altos. Uma morena de olhos verdes e saia curta passou por nós como um peixinho vermelho num cano de esgoto, até que o som dos seus sapatos emudeceu depois duma curva. O varredor tornou a arrumar a pá e a vassoura, e o fumador acendeu outro cigarro enquanto trocavam um olhar silencioso mas comprometedor. Depois continuaram a caminhar, novamente cabisbaixos, até desaparecem também.
Só as mulheres são capazes de fazer isto, encantar uma rua suja e torná-la um ligar primaveril à sua passagem.

gato espiando os donos na cama

Um dia destes foi o aniversário da Raquel e eu fiz um desenho para lhe oferecer. Já não fazia um desenho para oferecer desde puto, quando na escola me punham a desenhar no Dia do Pai ou no Dia da Mãe. Acho que foi um caso concreto em que, por uns momentos, voltei genuinamente a sentir-me criança.
Talvez tenha exagerado um bocadinho, que o mesmo tem um metro largura por cinquenta e quatro centímetros de altura, mas fica aqui uma mostra do que faz uma criança...