A Márcia era puta e bebia uísque. Eu era pior, pensava: amava-a e também bebia uísque. Depois disso a noite chegava sempre ao fim como um acidente de automóvel: como se se batesse sempre ao passar a velocidade máxima permitida por lei. A Márcia era puta e era a lei. Eu amava-a e não era nada. Ela era doi2 e eu zer0. Quando fodíamos eu tinha sempre o cuidado de ter o dinheiro trocado para lhe pagar. Não queria ter que lhe dar uma gorjeta por um acto de sexo, e também não queria que ela tivesse que me dar o troco. Ambas as situações tornar-se-iam embaraçosas, e por isso chegava a ir comprar pão à padaria da frente só para ter dinheiro trocado.
Há bocado o vento acariciou-me a face e depois entrou acanhado num bar quase deserto. A carícia lembrou-me Márcia, principalmente quando ficava por cima de mim e os seus cabelos compridos caminhavam levemente sobre o meu peito. Entrei no bar a seguir ao vento e pedi um uísque novo. O vento já bebia uma bebida qualquer colorida e eu sentei-me mesmo ao lado. Queria meter conversa, desabafar um bocado, qualquer merda assim... mas mantive-me calado até agora.
Acho que as pessoas se matam porque se amam. Se zer0 não amasse doi2 não entrava num autocarro para o fazer explodir, não o socava à porta dum bar, não lhe chamava filho da puta num jogo de futebol, não lhe pagava para ter uns míseros minutos de sexo num quarto duma pensão rasca. Tento dar a mão a este pensamento que está prestes a afogar-se no uísque. Preciso salvá-lo e peço ajuda à dona do tasco, solicitando outra bebida igual. Bebo a primeira num só gole e salvo o afogado. São seis euros, diz ela, e pede-me para pagar já porque vai fechar. Eu deixo o dinheiro em cima do balcão. Sempre trocadinho, insiste ela, e pisca-me o olho. Eu amo-a e apetece-me falar desse amor ao vento mas ele já bebeu demais. Márcia foi puta e agora vende uísque. Eu sou pior: amo-a e ainda bebo uísque.