1.31.2023

A Dança das Folhas

Lembro-me de algumas folhas secas outonais que dançavam na rua deserta ao som de um vento harmonioso. Primeiro pensei que fossem alguns pardais a lutar por algumas migalhas de pão esquecidas no alcatrão, mas depois percebi que não.

O táxi tinha-me deixado ali com duas malas grandes e um saco de desporto igualmente generoso no tamanho, a dona do hostel onde eu alugara um quarto barato à pressa no terminal dois do aeroporto de Sófia ainda não tinha chegado para me abrir a porta e portanto restava-me esperar. Os meus olhos saltavam entre essa tola dança das folhas de árvore e toda a minha bagagem como uma bola de ténis batida lentamente por dois jogadores que nunca falham, quando se concentravam nas malas mergulhavam também na minha própria vida, que começava ali do zero outra vez.

Tinha quarenta e quatro anos e uma sucessão de empregos mal pagos, recorrentemente com salários em atraso, que mesmo assim todos somados não chegavam ao montante das minhas dívidas. A sensação era a de que o país onde eu vivera a maior parte desses anos me abandonara e como qualquer homem abandonado decidira afastar-me. Sem amuos. Apenas afastar-me.

Até àquele momento a minha vida na Bulgária resumia-se a uma conversa com o taxista sobre os jogadores búlgaros que tinham passado por Portugal e a esse primeiro momento de paz. Paz porque estava longe, só isso. Eu ainda não fazia ideia de que a minha próxima companheira de vida seria búlgara e que a ia conhecer num jardim não muito longe dali cerca de três meses depois.

O ano era 2016 e não estávamos no Outono mas sim no fim de Março. Foi também nesse ano de recomeço que me fui desligando deste blogue que começara dez anos antes, após o meu primeiro divórcio. Desde então muita coisa mudou e hoje vivo no Reino Unido, numa pequena cidade chamada Newcastle Under Lyme. A S. veio comigo, ou melhor, veio ter comigo meio ano depois da minha partida da Bulgária para este país e ainda cá está. Quer dizer, ainda cá estamos. 

Vou com cinquenta e um anos de idade e apetece-me escrever de novo sobre os dias que passam. Vou fazê-lo aqui,  recomeçando sem apagar o passado, alternando o meu olhar entre o que me rodeia e eu mesmo. Talvez as folhas ainda dancem  de um lado as minhas malas cheias de nada ainda estejam por abrir. Vocês são bem vindos. Se quiserem, claro.