Dizem que é preciso algum tempo para
perceber se se gosta de alguém. Eu concordo que às vezes sim.
Outras vezes não.
Com a Irina, por exemplo, foi uma
questão de espaço e não de tempo. Por isso é que decidi em dez
minutos que não gostava dela. Não gostar dela não significa
detestá-la ou ter algum sentimento negativo por ela. Significa
apenas que a obrigatoriedade de gostar, para poder sair com ela uma
segunda vez, não se cumpriu.
A porta da pastelaria Bissau, mesmo em
frente à estação de comboios de Aveiro, é pequena. Por ela passa
apenas uma pessoa de cada vez. Há mais cafés ali, mas eu teimo em
ir à Bissau sempre que estou naquela zona. Ela perguntou-me porquê,
ao telefone, quando combinámos um encontro para eu lhe entregar um
saco que uma amiga comum me pedira. Eu expliquei-lhe, sem pensar
muito no assunto, que é a pastelaria mais antiga por ali.
- És um tipo estranho! - disse ela.
Fiquei a saber que era estranho eu
escolher sempre os cafés e pastelarias mais antigos quando existe a
possibilidade de optar. Sempre o fiz e ainda hoje o faço, pelo que
me limitei a confirmar que, se por ela não houvesse inconveniente,
era na Bissau que eu queria tomar café e fazer a entrega.
Quando, no dia seguinte lá cheguei,
ela já lá estava. Reconheci-a pela camisola amarela que ela tinha
prometido levar como sinal e, por isso, depois de me apresentar,
sentei-me na cadeira em frente. Dei-lhe imediatamente o saco e
iniciámos uma conversa de circunstância.
Por norma gosto muito de ter conversas
de circunstância ou, como se diz por aí, conversas de treta ,
arrotar postas de bacalhau (nunca percebi esta), etc. Aquela também
não correu mal. No que diz respeito a trivialidades, tanto eu como a
Irina mostrámos alguma capacidade de comunicação. Isto para não
dizer mais.
O meu problema com ela, se é que se
pode chamar problema ao facto de perdermos a vontade de estar com
alguém pela segunda vez, foi perceber que ela manteve sempre as
pernas esticadas, de tal forma que quem queria ir à casa de banho
tinha que pedir por favor para as encolher, o que aconteceu três ou
quatro vezes enquanto conversámos, tanto a entrar como a sair. Eu
não lhe disse nada, mas comecei a sentir-me incomodado com aquilo.
Não percebia por que motivo ela não se virava um pouco e esticava
as pernas para outro lado, de forma a não incomodar os clientes que
queriam ir aos lavabos.
A conversa acabou e ela levantou-se
primeiro do que eu para, por amabilidade, pagar a despesa toda (dois
cafés e uma água com gás). Eu, depois de ter apertado bem os
atacadores dos sapatos, reparei que ela tinha parado exactamente na
pequena porta da pastelaria para se assoar duas ou três vezes,
fazendo esperar uma mãe com duas crianças que queriam entrar.
Foi já cá fora que lhe expliquei,
mais em jeito de explicação do que zangado, que gosto de pessoas
com noção de espaço público. Detesto ver automóveis estacionados
em segunda fila, por exemplo, da mesma forma que não suporto ver
pessoal deitado em dois lugares num comboio repleto de pessoas em pé.
Fico incomodado e, por norma, reajo.
- És um tipo estranho! - disse ela.