[aviso: este texto é uma seca... mas apetecia-me registar esta noite]
Desta vez viro à esquerda no cruzamento onde viro sempre à direita e estaciono no primeiro lugar vago que encontro. Não me apetece ir ao mesmo bar de sempre, ver as mesmas caras de sempre, beber as mesmas cervejas de sempre, cuspir as mesmas palavras de sempre. Nesta rua rua há uma porta que divide dois mundos: o meu e outro que não conheço. É a única porta por onde me apetece passar. Encosto o dedo indicador numa campainha mal aparafusada e uma janelinha abre-se. Uns olhos fitam-me durante alguns segundos e perguntam-me o que quero. Beber um copo, respondo. Só um momento. Um momento que se prolonga por dois ou três minutos. Depois a porta abre-se e um homem com ar de quem não conseguiu emprego depois de acabar o serviço militar obrigatório dá-me um cartão de consumo. Cento e vinte e cinco euros de consumo obrigatório. Digo que só quero beber umas cervejas, e digo-o no plural de propósito, para me certificar que não tenho que pagar aquilo tudo. Sente-se no balcão, responde ele, que os sofás estão todos reservados. Conto os sofás. São doze e apenas quatro estão ocupados. Há uma mulher para cada homem em cada um, e uma garrafa num balde de gelo em cada mesa. Ok, isto é mesmo um bar de putas.
Sento-me ao balcão. Um tipo novo de fato e lacinho vem rapidamente atender-me. Deve ter uns dezoito anos. Pergunto quanto custa uma cerveja. Ele afasta-se e desaparece. Quando regressa diz-me que dois euros. Dois euros parece-me aceitável. Uma Super Bock, então. Tiro uma esferográfica e uns papéis do bolso, Quero escrever qualquer coisa mas não me sai nada. Algumas mulheres riem num dos sofás, mas é um riso em que eu não acredito. Não é genuíno. A Super Bock tem um guardanapo vermelho no gargalo e o copo é tão grande que dava para umas cinco cervejas. Já que cheguei até aqui continuo na minha. Tiro o guardanapo e bebo pela garrafa.
Escrevo uma frase. Uma frase de merda mas não deixa de ser uma frase: Acho que esta noite não gosta de mim. Depois uma mulher senta-se ao meu lado. Guardo a esferográfica no bolso. É um acto instintivo e que lhe dá sinal verde para começar a falar. Pergunta-me se pode beber alguma coisa. Que sim, respondo, desde que pague. Que se eu não pagar ela não pode ficar ali. Tudo bem, respondo outra vez. Por mim não faz mal. Ela levanta-se e desaparece, exactamente pela mesma porta que o empregado quando lhe perguntei o preço duma cerveja. Depois volta e senta-se de novo ao pé de mim, desta vez com um casaco vestido por cima da camisola decotada. Talvez tenha pedido permissão para acabar o turno ou assim, penso. Pergunta-me se lhe pago uma cerveja, pelo menos. Uma cerveja até pago. A cerveja vem e, para minha surpresa, ela também bebe pela garrafa. O empregado já sabia, de certeza, porque desta vez nem copo trouxe.
Pergunta-me porque é que entrei ali. Que me apetecia uma cerveja, respondo. Ela diz que eu não tenho ar de cliente. Penso em perguntar-lhe como é esse ar mas, olhando para os gajos todos que lá estão dentro, acho a pergunta inútil. Não tenho e não sou, digo-lhe. Depois ela começa a falar sozinha. Diz que anda a tentar juntar dinheiro para abrir um cabeleireiro, que é duma aldeia perto de Bragança e que a família pensa que ela trabalha num escritório, que tinha outro emprego mas ali ganha muito mais. Que percebo, vou dizendo só para ela perceber que não desisti de a ouvir.
Torno a olhar para a frase que escrevi: Acho que esta noite não gosta de mim. Rasgo o papel aos bocadinhos pequeninos e dou o último gole na cerveja. Ela pergunta-me se tenho carro e se a posso levar a casa, que àquela hora tem sempre que ir de táxi. Que sim. Tiro uma nota de dez euros para pagar as cervejas mas ela diz que já estão pagas. O porteiro deseja-me boa noite. Menos mal, penso.
Deixo-a numa casa rural nos subúrbios da cidade. Um cão ladra, não sei se por causa do barulho do carro se porque o dia já está a amanhecer. Ela pergunta-me se quero entrar. Hesito, que hoje até me apetecia dormir com alguém, mas depois digo que não. Prometo que passo de novo no bar e que talvez para a próxima. É mentira. Não conto voltar lá nunca mais na minha vida, mas tenho a certeza que ela sabe.