respostas a perguntas inexistentes (205)
Adormeço durante cerca de quinze minutos. Quando acordo, olho pela janela e a paisagem já é outra. Não assisto à sua lenta transformação, em que a densidade de casas e árvores se vai desertificando. Em vez disso, esta viagem de comboio parece mais uma aventura numa máquina de teletransporte. Torno a fechar os olhos e tudo torna a acontecer.
No escuro do sono, meio adormecido, sou assaltado pela ideia confusa de que estou a reviver toda a minha vida, todos os meus Amores. Tenho a noção de que foi assim que vivi, teletransportando-me de uns para outros, fechando os olhos e adormecendo entre eles. Algumas vezes saí em estações, mas a maior parte delas foi apenas em apeadeiros. Acordo.
À minha frente, uma mulher que aparenta ter cerca de dez anos a mais do que eu, adormeceu e pousou a cabeça no ombro do homem que a acompanha. Reparei também que, para não a incomodar, ele ainda não se mexeu desde o princípio da viagem. Vai ali como se fosse uma estátua feliz, talvez com formigueiro no braço, a embalar quem Ama.
A minha atenção centra-se nele. Leva um livro aberto numa das pernas, numa página marcada pelo próprio joelho, que não se atreve a ler. Tudo o que ele quer é manter o máximo de silêncio e quietude, para não incomodar o bem estar da mulher. Outro comboio qualquer cruzou-se com o nosso, e imediatamente o vi a pousar a mão numa das orelhas dela para abafar o ruído. De resto, tem ido sempre a olhar pela janela. Ele sim, a ver a paisagem modificar-se lentamente.
Acho que somos todos mais ou menos assim. Às vezes apetece-nos adormecer e acordar noutro lugar qualquer. Um lugar que seja diferente e que nos dê uma nova oportunidade para Amar. Outra vezes queremos desfrutar de cada segundo, como se o tempo fosse essa paisagem mutante que vai passando por nós. Isso acontece quando estamos apaixonados. Mais nada o permite.
Fecho os olhos. Sei que dentro de pouco tempo vou apanhar um avião para Madrid, onde conto passar todo o fim de semana. A Raquel também vai e, com ela, espero ver todo o céu sem perder uma única nuvem. Até ao meu regresso e fiquem bem.