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3.10.2015

inútil declaração de Amor

É uma merda que as pessoas se cansem de fazer declarações de Amor. Quando nos apaixonamos, não fazemos outra coisa senão falar de Amor, mas depois cansamo-nos e habituamo-nos à coisa. Começamos a dar ao Amor a mesma importância que damos às compras: é uma coisa que se faz porque se tem que fazer. Repito: isso é uma merda.
Volto ao princípio para me explicar melhor. O Amor tem que ser uma causa, daquelas pelas quais lutamos com todas as nossas forças. Não podemos aceitar que estar apaixonado seja a mesma coisa que estar na fila para o pão, ou seja, que o Amor se transforme numa variável útil da nossa vida, daquelas que só temos porque dá jeito ter.
O melhor Amor é aquele que não dá jeito nenhum. É o Amor inútil. Só existe pela mesmíssima razão que o Big Bang se deu. É a explosão que nos permite viver. Tirando essa razão para viver, não nos dá mais nada, a não ser sexo.
Ninguém devia responder "mais ou menos" quando lhe perguntam como está de Amor. Estar mais ou menos é a mesma coisa que estar mal, ou pior, é ainda mais vazio, mais cheio de nada. É só por isso que hoje, mais de seis anos depois de te ter conhecido, me apetece dizer publicamente que te Amo inutilmente.

10.17.2012

doente

Tenho estado doente. Acordo mal disposto, com calafrios e uma indisposição geral. Depois vou melhorando durante o dia e à noite até me sinto bem. Algumas horas depois de adormecer, o sono começa a tornar-se agitado e torno a sentir-me mal na manhã seguinte.
É claro que, cercado pela solidão de quem vive sozinho, telefono à Raquel a queixar-me dos males da vida. É claro que ela me manda ir ao médico e é também claro que eu não vou. Quando tenho forças para lá ir já me sinto bem. Vou lá fazer o quê?
Tem sido assim há três noites seguidas e hoje não foi excepção. Às cinco da manhã acordei com calafrios e nunca mais dormi bem. As dores de cabeça e um mal estar geral acompanharam-me até à uma da tarde, hora em que me consegui levantar.
Tornei a telefonar à Raquel, que me aconselhou a mudar a roupa de Verão que tenho na cama, um parco lençol e uma colcha fininha, para roupa de Inverno. Talvez tenha razão...

10.09.2012

ginásio

Ontem fui, pela primeira vez na minha vida, a um ginásio. Nada de mais, não fosse esta sensação de que o tempo passou por mim mais depressa do que era suposto. E não estou a falar da minha forma física. Essa, apesar da Raquel me ter quase partido os dois joelhos em exercícios de elasticidade, ainda está mais ou menos. Estou a falar de, no balneário, ter visto quase todos os homens a usarem secador para o cabelo e pente logo a seguir ao banho e, ao sair, ver as suas respectivas esposas à espera com um enorme ar de seca. No meu tempo não era nada disto.
Pensem lá o que quiserem, digam que sou preconceituoso ou o diabo a sete. Mas eu cá é que fiquei à espera da Raquel. Melhor ainda: eu esperei por ela e ela por mim, porque como homem com "H" grande que sou, não ouvi bem onde é que era o ponto de encontro à saída do ginásio. Uns bons quinze minutos depois de me ter sentado lá fora, sublinhe-se que totalmente despenteado, lá vi a Raquel surgir com ar de poucos amigos.

- Não tínhamos combinado esperar à porta dos balneários? - perguntou.
- Tínhamos?!?!?! Não ouvi...

Não foi vingança do que se tinha passado lá dentro, a sério que não. Mas podia ter sido. Para além de quase me ter partido os joelhos numa tortura medieval a que decidiu chamar exercício de elasticidade, a Raquel empurrou-me ainda para dentro duma sauna. Numa de descontrair, disse ela. Estive lá a aguentar pelo menos uns... vinte segundos. Depois verifiquei que num sítio com tanto calor não se pode comprar uma cervejinha gelada nem nada e fugi. Mas que raio é que o pessoal vai para ali fazer?! Experimentar a sensação de ser um frango assado?! Não, muito obrigado.
Resta a sensação de liberdade que senti ao sair. Fui comer uma feijoada e beber uma cerveja para me voltar a sentir um homem normal. Com a Raquel. 


8.31.2012

au au

Eu a Raquel adoptámos um cão, ou melhor, uma cadela.
Na verdade não foi bem assim. A Raquel adoptou uma cadela e eu, mesmo resmungando muito, acabei por adoptá-la também. Sempre gostei de cães. Na verdade sempre pensei que um dia mais tarde acabaria por adoptar um, mas nunca a viver num apartamento. Precisava, por isso, que alguém que partilhasse a vida comigo partilhasse também essa responsabilidade. Assim é óptimo, a iniciativa partiu da Raquel e eu satisfiz a minha vontade indo apenas atrás dela.
Talvez seja uma coisa muito masculina, esta de deixar que a mulher tome a iniciativa naquilo que se quer fazer mas não se tem a coragem suficiente. É que isso é coisa que as mulheres têm a sobrar, principalmente quando falta nos homens.
A verdade é que adoptar um cão ganha ainda mais significado quando se vai a um canil municipal. Os animais ladram na nossa direcção como se estivessem a disputar entre eles a oportunidade de ter um lar. É um desfile de olhos tristes, aquele.
A Luna (o nome não é grande coisa mas já vinha assim baptizada) tem pulgas e um problema qualquer no pêlo que agora vamos tentar resolver com o tempo. Aquilo que ficou resolvido em menos de uma hora foi precisamente o seu olhar triste. Hoje de manhã levei-a a passear pelas ruas do bairro e, na segunda vez que passei em frente ao prédio, ela dirigiu-se para a porta e já não saiu dali, como se me estivesse a dizer que queria entrar. O respirar ofegante e a cauda a abanar diziam-me que ela estava contente.
Um vizinho que passou perguntou-me se eu a tinha adoptado. Menti, respondendo que sim. Na verdade foi a Raquel que adoptou. Eu apenas fui atrás.

2.10.2012

o segredo da rua

Hoje almocei com a Raquel por aí, num restaurante em Matosinhos de que já nem me lembro do nome. Lembro-me sim, de que acabei a refeição antes dela muito por culpa da minha terrível mania de comer demasiado depressa, e de ter ficado com meio copo de vinho para beber devagar. Dei um primeiro gole contemplativo como quem bebe um segredo, e fiquei a vê-la acabar.
É verdade que o Amor começa sempre por ser um segredo só daquele que Ama. Pelo menos, quando me apaixonei por ela, só eu é que o sabia. Mais ninguém. Às vezes até me convenço que chegou mesmo a ser um segredo de ninguém, porque me apaixonei antes de eu próprio o ter percebido. Foi nessa altura que lhe comecei a chamar o segredo da rua. A ela. Mais ninguém.
Era uma rua qualquer de Aveiro onde eu a esperava todos os fins de tarde, só para a ver passar por um momento, e onde os sorrisos sedutores que eu ensaiara durante o dia inteiro me asfixiavam nesse preciso momento. Era um segredo só meu, esse Amor e essa asfixia contínua do tempo.
E a minha mãe a perguntar-me se eu estava doente e eu a responder que não, o meu amigo Paulo a perguntar-me se eu estava bem e eu a responder que sim, a minha amiga Luísa a perguntar-me se eu estava apaixonado e eu a abanar os ombros. Assim, todos os dias a mentir-me a mim mesmo através dos outros para não tocar na verdade que era um segredo só meu.
Passaram-se mais de vinte anos desde esse tempo até a poder ver de novo, por uma mera coincidência, num café do Porto, num encontro combinado às cegas através do email com uma leitora deste blogue (os que aqui costumam vir já conhecem a história). Lembro-me de a ter reconhecido com o mesmo sabor do vinho de hoje e de, por um momento, tudo isso ter sido um segredo cósmico só meu.

1.28.2012

a suficiência é insuficiente

Tenho vestidas três camisolas desalinhadas na zona do pescoço. A Raquel diz-me, em tom de brincadeira, que podia ter arranjado um namorado que se vestisse melhor. Rio-me. Penso, em tom mais sério, que eu não podia ter arranjado nenhuma outra namorada. Nem mais nenhuma.
O Amor duma mulher é suficiente? Sei que há quem discuta isto consigo mesmo desta maneira. A mim, a palavra "suficiente" nunca me chegou para adjectivar o Amor. Prefiro dizer que há homens para quem o Amor duma mulher é tudo. A palavra "tudo" é mais certeira que a "suficiente" para definir um Amor, pelo menos se for mesmo assim.
Há homens que procuram simultaneamente o Amor de várias mulheres. Esses, por estranho e contraditório que possa parecer, são os homens sós. O Amor duma mulher nunca é suficiente, o que quer dizer que nunca se chega ao tudo. Sofre-se mais, mesmo que pareça que se sofre menos. Estes são os homens mais injustiçados pela herança judaico-cristã da nossa cultura. As mulheres chamam-lhes invariavelmente sacanas porque não percebem que eles são sofredores. Nunca sentem que têm tudo e nada lhes é suficiente.
Fecho os olhos nesta floresta densa em que penso, aquecido pelo frágil frio dum Inverno que teima em não se fazer notar. Sei que já fui um pouco dos dois. Abro-os novamente. Por um momento percebo que tenho tudo e que a suficiência me seria insuficiente.

1.10.2012

depois a Raquel chegou

Depois a Raquel chegou, sentou-se ao meu lado, e perguntou-me se eu estava bem.
Hoje, quando peguei no jornal do café para ler as gordas enquanto esperava pela torrada seca e pelo galão directo do costume, subi-o mais um pouco do que o habitual de forma a que ele me tapasse a cara. Mesmo assim quase todos me perguntaram se eu estava bem. A dona do estabelecimento que passa mais tempo na caixa a contar o dinheiro do que a atender os clientes, a empregada que passa o dia a varrer o estabelecimento com os próprios pés, o homem que vende cautelas da lotaria, a mulher que tem um cabeleireiro mesmo ao lado e vem sempre tomar café de bata vestida.
Não gosto que me perguntem se estou bem quando não estou. Ainda fico pior. A pergunta "estás bem?" só devia surgir quando o inquirido se sente de facto bem, caso contrário fá-lo ter uma noção mais intensa do seu próprio mal-estar. O "sim" não sai por ser mentiroso, o "não" não sai por ser inesperado e doloroso. Abanei os ombros a todos com um mastigado "hum hum".
A torrada lá veio, não tão seca quanto o desejado, e o galão também, não tão quente quanto o desejado. Nunca vem nada como o desejado quando o próprio dia não está a ser o que desejámos. Dobrei o jornal em dois, como se fosse possível fechar ali para sempre as más notícias sobre violência e sobre a crise económica, e dei a primeira dentada numa das tiras de pão protestando com a empregada pelo excesso de manteiga derretida.
Depois a Raquel chegou, sentou-se ao meu lado, e perguntou-me se eu estava bem. E eu respondi que sim, até porque já estava.

12.14.2011

casamento

Sempre me fizeram muita confusão as perguntas do género "pensas que estás na tua casa?" ou "pensas que estás no café?". Acho que foi uma professora de português, a primeira que me perguntou se eu pensava que estava no café, quando um dia me viu com os pés estendidos em cima duma cadeira vazia. Eu respondi-lhe que não, até porque no café nunca fazia aquilo. Ela expulsou-me da aula.
Era óbvio que eu não pensava que estava no café, mas sentia-me tão bem ali como na minha casa, e por isso é que tinha estendido as pernas para a cadeira da frente. Sentia-me melhor enquanto lia Camões se estivesse ali como na minha casa, e esse é o melhor elogio que se pode fazer a alguém. Eu achava-a boa professora e gostava das aulas dela. Era só isso. Era um elogio.
É também assim que se está no Amor, por exemplo, exactamente como se estivéssemos na nossa casa. Se não estivermos assim com alguém, então não é Amor. Até pode ser bom, mas não é Amor. Será eventualmente uma espécie de amizade, e então estamos como se estivéssemos no café, a pedir por favor que nos tragam uma bica e esperando que nos limpem a mesa com uma toalha antes de o servir. 
O Amor é a nossa casa, porque quando ali chegados atiramos um sapato para cada lado e andamos de meias pelo chão. O Amor é isso, estarmos sempre na posição mais confortável para o nosso corpo e alma sem que o outro pergunte onde é que achamos que estamos. É que estamos com ele, com esse Amor, e é por isso que é assim. É assim no que dizemos ou calamos, no que rimos ou choramos, no que abraçamos ou beijamos.
Foi a palavra casa que deu origem ao verbo casar (casa + ar), e é isso mesmo que é casar. Estou a dizer isto porque ontem, depois de um dia de merda, abracei a Raquel e pousei a minha cabeça no ombro dela durante alguns segundos e em silêncio. Ao mesmo tempo deixei cair a mochila e o casaco no chão do corredor enquanto me descalcei e atirei os sapatos para lugar incerto. Ela não me perguntou se eu sabia onde é que eu estava porque ambos o sabíamos. Se não for assim, até pode ser bom, mas não é Amor.

10.28.2011

uma exigência


Uma das piores coisas que já me aconteceram na vida foi perder os meus amigos. Alguns perdi porque já morreram, outros perdi porque simplesmente deixei de os ver da forma mais violenta possível. Um dia disse-lhes "até amanhã" e nunca mais lhe pus a vista em cima. Não foi de propósito, mas o tempo fez com que isso acontecesse.

A diferença entre perder um amigo e perder um Amor é que perder um Amor dói mais no início, perder um amigo dói mais depois. Perder um Amor é levar uma sova, perder um amigo é empobrecer devagar. A razão é simples. O Amor tem um lugar que pode ou não estar ocupado. Quando esse lugar está desocupado, sentimo-nos mal e procuramos ocupá-lo. Para a amizade não há lugares nem numerus clausus, o que faz dum amigo alguém que não podia ser outra coisa senão isso mesmo. É que um Amor ocupa espaço, uma amizade não.

Acho que foi por isso que, com a idade, passei a exigir Amizade ao Amor. Por muito que ele estrebuchasse, e fê-lo várias vezes, se não viesse dividir uma garrafa de vinho e uma conversa comigo de vez em quando, acabava por deixá-lo. Por isso é quando a semana passada a Raquel me disse que tem a sorte de namorar com um amigo, eu pensei que não é sorte. É uma exigência da idade. Ainda bem.

10.20.2011

adormecer

Eu sei porque é que as janelas dos prédios da cidade tilintam durante um segundo. São as pessoas a chegar aos quartos que as acendem apenas para localizar a cama. Fico a olhar para elas, as janelas, que no horizonte se tentam dissimular no céu estrelado, com a consciência de que me mantenho acordado enquanto todos os outros se estão a deitar. Uns para dormir, outros para se aconchegarem em quem Amam. Menos eu.
Tiro a rolha a uma garrafa e ponho dois copos na mesa em frente ao sofá. Um para mim, outro para quem eu sei que não vem. Tenho esta mania de me deitar depois da cidade, nos dias em que estou sozinho, só para poder beber um copo com ela sem que ninguém nos espreite. Falo com ela sobre o dia, com o doce incentivo do vinho. Depois, às vezes, adormeço ali no sofá, aconchegado também em quem Amo e não está lá.
Amanhã ela vai-me telefonar de manhã e perguntar-me porque é que estou com a voz cansada. Dir-lhe-ei que me deitei tarde sem lhe conseguir explicar porquê. Mas é por isso, por não saber adormecer quando ela não está.

10.18.2011

a árvore

Uma vez disse-lhe que a Amava. Assim, numa só palavra que no segundo seguinte já se tinha esfumado. Amo-te. E ela ficou a olhar para mim quieta, num estado que percebi ser de análise e igual ao do lobo que estuda a presa. Arrependi-me imediatamente de o ter feito.
As palavras não chegam para nada, muito menos para definir um Amor. São intocáveis e efémeras. É por isso que quando duas pessoas se Amam também se calam. Até costumam apagar a luz, para o silêncio ser ainda maior. Mas eu disse-lho com a luz acesa. E ela, a mulher, apagou-se.
Estávamos numa pastelaria. Eu a tomar café e ela a beber um chá. Eu bebi o meu num só gole, que queria sair dali o mais depressa possível. Ela demorou muito, acho eu que de propósito, e foi quando reparei nos dedos dela a abraçar a caneca. Eram bonitos, os dedos. Repete o que disseste, pediu ela. Eu recusei. Arrependi-me imediatamente de o ter feito.
Caminhámos pela cidade sem direcção. Eu sempre com vontade de a abraçar e ela sempre dois passos à minha frente. Estava frio mas eu tinha calor. Parámos debaixo duma árvore que, para meu alívio, já devia ter ouvido milhares de conversas de Amor. Não ia dar importância a mais uma. Disseste que me Amavas? Perguntou. Sim, respondi abanando os ombros como se assim pudesse enxotar o nervoso. Como é que me podes Amar se mal me conheces? E eu calei-me, não por não ter resposta mas sim por ter demasiadas respostas.
Hoje passei nessa árvore e parei dois segundos a olhar para ela. Ainda tem folhas, apesar de estarmos no Outono. Talvez não lhe apeteça despir-se. Depois disse-lhe, para o caso de lhe apetecer ouvir, que sim, que podemos Amar uma pessoa que mal conhecemos. A mim aconteceu-me e já lá vão três anos. É tão certo como podermos não Amar uma pessoa que conhecemos bem. Acho que ela se riu, não tenho a certeza.

7.26.2011

anos vintage

Tendo a catalogar o Amor na minha vida como se fosse vinho. Tenho anos bons e anos menos bons, é verdade. Depois tenho alguns anos maus e até anos anos em que tempestades impediram as colheitas. Declarei esses como anos de calamidade. Actualmente estou a tentar fazer do Amor uma espécie de vinho do Porto, daquele que melhora com a idade.

Não é forçado comparar vinho e Amor, até porque é através da consistência, do aroma e do sabor que classificamos um e outro. Mas falando de vinho do Porto, venho aqui declarar oficialmente os tempos que correm como anos vintage. Declaram-se anos vintage aqueles que são de qualidade excepcional devido às condições atmosféricas, e em que esse vinho do Douro augura um bom potencial de envelhecimento.

Tudo isto porque ontem estava a lavar a louça e entre os dois pratos de sopa, os dois pratos rasos, as duas colheres, os dois garfos e as duas facas do jantar lavei apenas um copo de pé alto. Dividir um copo para beber vinho é uma forma de estar sempre mais perto do outro. No corpo e na alma.

7.25.2011

janela

Espreita-se muito pelas janelas. Normalmente de dentro para fora, embora em Portugal haja demasiadas pessoas a espreitar no sentido inverso. As janelas são essa fronteira que divide o nosso mundo do mundo de todos. Do mundo dos outros, aquele lá fora onde as pessoas passam umas pelas outras mas não se vêem nem se cumprimentam.
É por isso que quando o Amor se cansa de viver connosco passamos mais tempo à janela, que nessa altura se transforma na moldura da nossa solidão. Procuramo-lo entre esse mar de transeuntes sós porque sabemos que ele não pode estar noutro sítio a não ser aí, tão silencioso quanto outra pessoa qualquer.
Gosto especialmente da tua janela. Quando estou deitado e com a cabeça na almofada, que é o mesmo que dizer quando não estou em esforço, por ela só vejo o céu e a copa das árvores. Acho que as janelas dos quartos deviam ser todas assim, a dar para o mundo sem que o mundo desse para elas. Porque é isso um quarto povoado pelo Amor.

6.14.2011

puzzle bobble

Percebo o quão fácil pode ser uma vida quando me ponho a jogar a última aplicação que instalei no meu telemóvel. É uma versão em java do clássico Puzzle Bobble e, como não tem som, permite-me ouvir Serge Gainsbourg ao mesmo tempo. Ando feliz com esta possibilidade que a vida me ofereceu de bandeja: jogar Puzzle Bobble e ouvir Serge Gainsbourg em simultâneo.
Comprei um cartão de memória com mais espaço só para poder ter à minha disposição, a qualquer hora do dia, toda a discografia do Serge Gainsbourg, e isso chegaria para me fazer feliz, fosse numa viagem de comboio ou na sala de espera dum consultório médico. Mas mesmo assim acrescentei-lhe um jogo cujo único objectivo é fazer pontos. Pontos, pontos e mais pontos que não servem para mais nada do que se acumularem entre si no canto superior direito do ecrã do telemóvel.
Hoje aproximei-me dos dez mil, meta psicológica que tenho vindo a tentar alcançar desde há alguns dias. Por uns momentos o meu instinto de caçador de pontos sentiu-se satisfeito, por isso pousei a arma e dediquei-me a ouvir em looping o "My Lady Héroine". De olhos fechados, porque Amo a música tal como Amo muitas outras coisas na vida.
Acho que aprendi precisamente com a vida que é um erro misturar um jogo e Amor, principalmente quando o objectivo do jogo é apenas acumular pontos. É que podemos acumular milhares deles que no fim acabamos por perder na mesma. Da minha vida com a Raquel já desliguei o jogo, do telemóvel ainda não. Só de vez em quando.

4.13.2011

a ar ocupa espaço e exerce pressão em todas as direcções

Lembro-me de uma das primeiras experiências que fiz quando andava a frequentar, creio eu, o primeiro ano do ciclo. A professora encheu um balão com a boca e ficou demonstrado que o ar ocupa espaço. Depois encheu um copo de água, tapou-o com um cartão fino e virou-o ao contrário. Como o cartão não caiu, ficou demonstrado que para além de ocupar espaço, o ar exerce pressão em todas as direcções.
Não demorei a perceber que o Ar e o Amor são a mesma coisa. São, aliás, aquilo que respiramos para poder viver. E, tal como o Ar, o Amor ocupa espaço e exerce pressão em todas as direcções. Quando uma homem se apaixona por uma mulher não há espaço para mais nenhuma, e a pressão é tanta que é difícil mudar isso.
Claro que uma vez por outra, quando se vira o copo cheio de água, o cartão cai mesmo e ficamos todos molhados. Eu cá não me quero molhar mais...

3.29.2011

a olhar para a parede

Faço parte dos divorciados que voltaram a ter uma relação mas que não voltaram a casar. Não há, no léxico português, uma palavra que defina por si só este enquadramento da vida, mas o que lhe falta em significante sobra-lhe em significado. Pelo menos acredito que somos uma espécie em expansão. Nessa discussão semântica há várias tendências: a que nos chama os desiludidos com o casamento, termo que eu rejeito absolutamente, e a que nos chama os iludidos com o divórcio, com a qual concordo mais.
Os iludidos com o divórcio são aqueles que perceberam que o Amor é uma partilha como o sal na comida. Saborosa mas sem exageros, portanto. E sendo assim afastamos também a hipótese da hipertensão do Amor, aquela que provoca acidentes cardiovasculares numa relação.
Ontem passei a manhã na minha casa, sentado no sofá, a namorar com a discografia da Mayra Andrade. Li um livro, passei alguma roupa a ferro, fiz o almoço e lavei a louça.  Divido assim o tempo, o meu tempo, também comigo, uma divisão que durante vários anos de casamento me fez falta e que, sem eu próprio perceber, me entristecia. Só o percebi, aliás, algum tempo depois de me separar, quando dei por mim a chegar a casa e poder sentar-me no sofá a olhar para a parede sem explicar a ninguém porque é que estava a olhar para a parede.
Esse tempo, o da parede que olhamos, é o nosso tempo. Depois há outro, aquele que queremos partilhar com alguém e, se possível, alguém que amamos. É o tempo em que em vez da parede há o mundo, e esse meu mundo agora é a Raquel. Como sal que baste e que sabe tão bem.

2.17.2011

amor, amar e ter amado

Devido à greve da CP, e de eu ter ficado encalhado em Espinho, estou num bar perto da estação a alimentar a esperança que passe um comboio que me leve para Aveiro. Se não passar terei que dormir por aí, muito provavelmente no local onde trabalho. Logo se vê.
Mas não é disso que quero falar. Neste mesmo bar onde estou passei muitas horas antes de conhecer a Raquel, ou melhor, antes de a Raquel me conhecer (os que aqui costumam vir sabem que eu a conheci vinte anos antes dela me conhecer a mim). Passei-as ali ao balcão, também à espera do último comboio para Aveiro (mesmo quando podia apanhar um mais cedo, costumava ficar à espera do último só para matar o tempo). Aqui afoguei inúmeras noites em copos de uísque e conversei com estranhos ao balcão tão perdidos como eu. Lembro-me até de passar a noite toda em Espinho, na conversa com uma ex-prostituta com quem me distraí a falar da mania que a vida tem de ser doce e amarga ao mesmo tempo, e por causa da qual perdi o último comboio. Nessa altura o bar chamava-se Estado Líquido e agora chama-se Joker. Embora mantenha exactamente o mesmo aspecto de bar de subúrbio, nota-se que a gestão mudou.
Nessa altura a minha vida ganhara o ritmo dum barco à deriva num oceano tão calmo quanto turvo. Estava bem, ou melhor, estava calmo, mas a minha proximidade com o Amor era a mesma que se tem com os peixinhos dum aquário. Estão ali, são bonitos, mas nunca lhes tocamos.
Agora, neste preciso momento, esses momentos e essas sensações não são mais do que pinturas emolduradas na minha memória. A realidade mudou. Já não procuro cruzar-me com olhares tão perdidos quanto o meu para que o tempo se torne mais leve. Há bocado uma mulher pediu-me lume e eu limitei-me a dizer-lhe que não fumo, e eu tenho a certeza que há três anos atrás lhe teria dito para se sentar que eu ia buscar fogo onde fosse preciso.
Às vezes fala-se muito em elaboradas e românticas declarações de Amor. Eu continuo a pensar que não há nenhuma declaração de Amor tão grande como esta que faço para mim mesmo (e neste caso a vocês), para o horizonte longínquo e silencioso que a Raquel desenhou em mim mesmo. Estou aqui, encontrado num bar onde já me perdi, porque ela existe, e porque a amo mais do que nessa altura pensava que seria possível para um comum mortal como eu. Não sei se isto vai ser sempre assim, porque a única certeza que tenho da vida é a minha própria morte, mas não me custa nada acreditar que sim.
Sejam felizes, que eu vou ver se apanho um comboio.

2.07.2011

esqueci-me de me lembrar

Várias pequenas coisas ocupam-me o pensamento quando saio de casa pela manhã, antes de fechar a porta. Verificar se tenho o telemóvel no bolso esquerdo das calças, confirmar a presença da carteira no bolso direito e das chaves no bolso do casaco. Se houver contas para pagar, por exemplo, acresce ainda a preocupação de levar os respectivos papéis na mão. São momentos em que o pensamento é apenas um automatismo. Não há muitos "ses" pelo caminho nem muitas opções a fazer.
As pessoas que se esquecem frequentemente da chave dentro de casa são chamadas de distraídas. Às vezes até lhes dizem que só não perdem a cabeça porque está agarrada ao corpo. Erradamente, se julga uma pessoa acusando-a de não ligar nada a nada e por isso atrapalhar a sua vida e a dos outros.
Eu não acredito em pessoas que não ligam nada a nada. Acredito é que há pessoas que não se dão bem com a inocuidade dos pensamentos automáticos, pessoas que se recusam a verificar todos os dias se têm o telemóvel no bolso porque preferem estar a pensar, por exemplo, na letra duma música que acabaram de ouvir numa rádio qualquer.
Este fim de semana fui lavar uma carpete a um tanque público de Ramalde, no Porto, com a Raquel. Já no carro, ela disse que se tinha esquecido da carteira em casa e eu, com a crueldade imediata que só os chavões sabem ter, respondi-lhe exactamente assim: "Só não perdes a cabeça porque...". Não acabei a frase. Imediatamente percebi que é uma sorte ter uma namorada assim.

1.17.2011

aqueles que amamos nunca morrem, apenas partem antes de nós

Nunca me arrependi de amar, nem sequer daquelas vezes em que o Amor me passou rapidamente a perna e me fez cair. Nunca, ao levantar-me depois da queda, olhei para o Amor com vontade de me vingar ou de lhe virar as costas para sempre. E talvez essa seja a singularidade do Amor: mesmo quando nos faz mal continuamos a gostar dele. Este fim de semana o Amor rasteirou-me e eu continuo a gostar dele, pelo menos.
Há bocado penetrei a noite num comboio solitário. Quando, ao chegar à última estação, vi a minha imagem reflectida na porta que tardava em abrir, reparei que tinha o cabelo todo no ar, e só nesse momento é que percebi que tinha feito toda a viagem com os dedos abraçados à cabeça, como se nela eles pudessem encontrar uma ponta no atafulhado novelo de lã em que se encontrava. Não podiam. O Amor tem a mania de nunca desfazer nós.
Outra mania que tem é só regressar ao passado quando se vê ao espelho, mesmo que o espelho seja o vidro duma porta dum comboio urbano. Vemo-nos mais velhos e o primeiro gesto é olhar para trás. Foi o que eu fiz. Olhei para trás e pensei que o poeta mexicano Amado Nervo tinha razão: "Aqueles que amamos nunca morrem, apenas partem antes de nós".

12.22.2010

depois de um divórcio

a verdade da mentira

Depois do meu divórcio fui-me habituando à mentira que me dizia que eu estava sozinho, como se a única fuga desta vida à solidão pudesse ser uma mulher a quem se chame isso mesmo. Não é, e disso me apercebi ao mesmo tempo que os meus novos hábitos e comportamentos se me tornavam familiares. Coisas tão simples como telefonar às dez da noite a um amigo para a convidar a beber uma garrafa de vinho, ir à última sessão de um filme qualquer durante a semana ou simplesmente desaparecer uns dias sem dizer nada a ninguém.
Das mulheres que me tangeram esses dias, em forma de quase-sexo, sexo ou mesmo quase-início-duma-relação, lembro-me que me incomodava a forma como trituravam subtilmente esses meus novos hábitos. Afinal estar divorciado não era assim tão mau e passei para a fase da despreocupação com a minha vida emocional.
A vida emocional, para quem não sabe, não é o amor que sentimos pelo outro nem o egoísmo que nos habita dia a dia. É a verdade que resta daquilo que é mentira, mesmo quando toda a nossa vida é uma grande mentira. E é por isso, só por isso, que mesmo despreocupados nos podemos voltar a apaixonar.
Há dias, um amigo recentemente divorciado, disse-me que a maior vantagem do divórcio dele era que nunca mais tornava a passar pela mesma dor. Mesmo que um dia se apaixone de novo e a mulher o deixe, tudo o que vai sentir são apenas resíduos do que sente actualmente. Assenti compreendendo-o, mas também pensei que ele não é capaz de se apaixonar ainda. E não o é por um motivo muito simples: ainda acha que não é capaz de sofrer por uma mulher como sofreu pela primeira. É a verdade dele, dentro da mentira que é a sua vida neste preciso momento.
Não me digam nunca que o amor é uma coisa bonita. Não é. O Amor é apenas o nosso egoísmo no seu auge, e se eu hoje quero que a Raquel seja feliz é porque isso me faz feliz a mim. Mais nada. E na verdade, se alguma vez pensei que nunca na vida poderia sofrer como sofri no meu primeiro divórcio, enganei-me redondamente. Posso sofrer mais ainda, e foi ela que me ensinou isso.