O fim do mundo
Acho que muitas vezes escrevi sobre um bar em que nunca entrei. Um bar do fim do mundo, tão agressivo quanto convidativo, tal como a vida que nos calhou a cada um de nós. Como se caminhássemos sozinhos durante quilómetros, num ambiente agreste, e nos doessem os pés e a alma. Depois um bar pequeno, com uma lareira, uma puta simpática, um dono enlouquecido pela solidão serôdia e uma mulher imperceptível.
Pois esse bar conheci-o aqui, num bairro pobre em Mladost. É tudo o que eu escrevi no parágrafo anterior mais um piloto de aviões que só está às vezes, quando não voa. Isso e uma decoração vermelha e decadente. Passam músicas búlgaras do youtube e um televisor mostra o boletim meteorológico da Bulgária. Talvez o elemento comum mais absurdo entre países diferentes seja esse: o boletim meteorológigo ter sempre uma apresentadora sexy.
O dono, que me reconhece de visitas anteriores, grita “Ronaldo” quando entro. A puta, que já sabe que não estou ali para lhe pagar meia hora de sexo triste, abraça-me e segreda-me algum aroma de gin tónico. A mulher imperceptível sorri-me e vira a cara para lugar nenhum, desprezando-me. Não há melhor desprezo do que esse, o que vai dar a lugar nenhum.
Peço uma Ariana, que é a cerveja mais barata neste fim do mundo e parto para uma discussão sobre aviões com o piloto, que também bebe cerveja, mas mais cara do que a minha. O F-16 americano e o SU- russo voam entre as nossas bocas numa solidão cada vez maior.
É só um bar escondido numa esquina de um bairro pobre de Sófia, onde por uma noite escondo todos os meus medos e receios, todas as minhas inseguranças e os meus desejos biológicos. É para isso que servem os bares, mesmo que no fim do mundo, para aprendermos a rejeitar a merda da Biologia que se mostra tão intensa em cada copo que bebemos.
Depois saio e a mulher imperceptível dá-me a mão direita, a puta dá-me outro abraço e o dono grita de novo “Ronaldo”. Despeço-me com a sensação que faço um bocadinho parte deste fim do mundo, tão agressivo e convidativo tal como a vida que me calhou.