5.30.2011

conversa 1784

(no café)

Ela - Acabou de entrar uma mulher no café pela qual todos os homens se estão a babar.
Eu - Qual?
Ela - Aquela de mini-saia, junto à janela.
Eu - Ah!
Ela - Então?
Eu - Então o quê?
Ela - É bonita, não é?
Eu - É.
Ela - É a mais bonita que aqui está no café?
Eu - Que eu tenha reparado só estás tu e ela. O resto é tudo homens...
Ela - E então?
Eu - Então o quê?
Ela - Não tens coragem de dizer que a achas mais bonita?
Eu - Ela está de mini-saia, tu estás de calças. É por isso que estão todos a olhar para ela e não para ti. Não te preocupes.
Ela - Quem disse que eu estava preocupada?
Eu - Pareceste preocupada.
Ela - Estava só a ver se eras capaz de dizer a uma amiga que ela é mais bonita que outra mulher, mas pelos vistos não és...
Eu - Eu não sou amigo dela. Aliás, nunca a tinha visto na minha vida.
Ela - Estava a falar de mim.
Eu - Ah! Desculpa. Estou a tentar ler uma notícia no jornal sobre o novo regulamento de caça às aves e confundes-me com tanta conversa.
Ela - Aposto que por baixo daquela saia, aquele rabo é só celulite.
Eu - Sabias que morrem montes de aves intoxicadas porque comem os chumbinhos que ficam no chão depois dos disparos dos caçadores?
Ela - Não, não sabia... estás a tentar mudar de assunto.
Eu - Não estou nada. Odeio caçadores.
Ela - Odeio homens mais ou menos pelo mesmo motivo que tu odeias caçadores.
Eu - Que motivo?
Ela - Andam sempre à caça de alguma coisa.

5.28.2011

o método científico

Lembro-me do dia em que pus a hipótese de Amar a Márcia, mesmo sabendo que se apenas punha a hipótese de a Amar era porque não a Amava de facto. Nesse dia decidi seguir o método científico que aprendi na escola quando era criança. Problema: Não sabia se Amava Márcia. Hipótese: Talvez eu Amasse Márcia. Experiência. Sairia com Márcia uma noite e tentaria dormir com ela para ver se a Amava mesmo.
Foi a solidão que me pôs assim, a pôr hipóteses de Amor entre o vazio das paredes brancas da minha casa. Nunca punha a hipótese de Amar ninguém quando estava com um amigo a beber uma cerveja, por exemplo, mas mal entrava na minha própria casa lá vinha o silêncio que vivia comigo lembrar-me que era melhor pôr hipóteses desse tipo. A Márcia era bonita e sorria bastante, de maneira que era a hipótese mais forte. Talvez também a mais fácil ou, pelo menos, a menos difícil.
Telefonei-lhe e disse-lhe a verdade, que é o que se deve fazer quando se põe a hipótese de Amar alguém: "Esta noite gostava de sair contigo porque talvez te Ame, embora não tenha a certeza". Ela aceitou sem ripostar e combinámos em frente a casa dela, a mesma onde nunca nos tínhamos Amado, às nove da noite. Fui a pé, porque um homem não consegue evitar ter conversas estúpidas quando conduz um carro com uma mulher ao lado, e a mim acontece-me ser homem. Acho que é qualquer coisa no subconsciente que desperta quando pegamos no volante. Conduzimos apenas um automóvel mas achamos que conduzimos o mundo.
Percorremos essa noite de bar em bar, como um barco à deriva em pequenas e despovoadas ilhas. Começámos por ter conversas sérias e sóbrias, depois passámos a ter conversas sem nexo embriagadas e acabámos a ter conversas sérias embriagadas. Foi numa dessas que nos beijámos a primeira vez. Aliás, as conversas sérias e embriagadas são sempre as melhores para um primeiro beijo.
Pareceu-me que os candeeiros públicos se apagavam quando nós passávamos perto deles, talvez para esconder da cidade o nosso abraço, os nossos beijos e as nossas mãos dadas. Talvez por isso ela não tenha acendido mais do que uma vela de cheiro quando entrámos na casa onde eu nunca a tinha Amado. Ela foi-se despir ao quarto e eu pensei perguntar-lhe porque é que as mulheres têm a mania de se despir sozinhas, se afinal de contas acabam por aparecer nuas na mesma. Mas não perguntei, que quando ela surgiu a parca luz da vela incendiou-me a memória. A do passado e a do futuro. Só me interessava o presente.
Fizemos Amor no sofá, ao som duma música qualquer que passava no andar de cima, e acordámos manhã alta com a luz que nos espreitava curiosa pelas frinchas das persianas. Não me apeteceu abraçá-la. As manhãs depois duma noite de sexo costumam ser muito esclarecedoras nesta matéria, e foi aí que me terminou a minha experiência científica. Conclusão: eu não Amava Márcia. Nem ela a mim.

5.27.2011

odeio a gaja

Hoje adormeci no comboio e sonhei que tinha casado com a Branca de Neve. Felizmente acordei na estação em que era suposto sair e o pesadelo acabou. Odeio a Branca de Neve, mesmo que a nossa relação não tenha passado de um sonho de alguns minutos.
Aliás, mesmo antes de acordar ela saiu batendo a porta com força. Tínhamos discutido sem motivo, e as discussões sem motivo significam sempre que já não há Amor. Tanto quanto me lembro, já não tínhamos sexo há algumas semanas, e ela protestou comigo porque eu não tinha posto sal no jantar. Esqueci-me, disse-lhe eu enquanto lhe passava o frasco de sal fino para as mãos. Ela atirou-o para o chão e respondeu que estava farta de me aturar. Saiu, deixando na sala um silêncio bruto que me entorpecia os ouvidos e o coração.
Deixei-lhe um bilhete de despedida na porta do castelo, uma nota em que lhe pedia desculpa por a ter acordado do prazer de um sono longo:

Apaixonei-me por ti enquanto dormias porque não fui capaz de te imaginar acordada. Ninguém se deve apaixonar por alguém que dorme. Esse é o erro dos erros porque também é o erro do Amor. A paixão não deve nascer no sono, deve nascer numa bebedeira de vinho e numa noite de sexo. Desculpa pela minha parte. Podes ficar com o castelo, eu fico com o cavalo.
Actualmente odeio-te como tu me odeias a mim. É normal, o Amor só se pode transformar em duas coisas quando deixa de ser Amor: amizade nostálgica ou ódio visceral. Beijinhos


P.S. No frigorífico está uma mousse de chocolate e não me esqueci de lhe pôr açúcar (não é ironia).

pedido de desculpa

Se por acaso a senhora que trabalha no Pingo Doce (passe a publicidade, claro) onde ontem fiz compras ao fim da tarde, este post serve para lhe pedir desculpa pelo sucedido, já que pela cara dela percebi que ficou zangada comigo. Foi um mal entendido. Quando eu lhe disse: "tenha cuidado com os meu tomates", referia-me apenas ao facto dela ter quase esmagado um dos tomates de rama que eu tinha na passadeira rolante, com aquela placa que divide as compras dos vários clientes.

5.26.2011

respostas a perguntas inexistentes (153)

bebedeiras

Bebo pelo mesmo motivo que escrevo e talvez pelo mesmo motivo que Amo: para ficar bêbado. São bebedeiras diferentes, as da escrita, da cerveja e do Amor, mas têm em comum a capacidade de me fazer mergulhar na vida da mesma forma que mergulho numa onda dum dia de Verão. Uma bebedeira é isso. Pelo menos é isso que eu quero que ela seja.
Comecei a escrever antes de começar a Amar e comecei a Amar antes de começar a beber. Talvez por isso tenha aprendido a beber da mesma forma que já escrevia e Amava. Devagar. É que um mergulho sabe melhor quando é lento e nos permite sentir o doce abraço da água salgada. É outro toque e outro sabor. Sobre estes três tipos de bebedeiras diria mesmo que não há uma noite melhor que a escrever quando se está sozinho, a Amar quando se está com quem se Ama, a beber quando se está com amigos. Sempre devagar.
É por isso que sou anti-shot. Shot é aquela bebida num copo pequeno que se ingere em menos de um segundo e bate ainda mais depressa. Não mergulhamos, caímos na água sem controle. Viva a cerveja e o vinho, que o choque é antítese da bebedeira por prazer, seja no álcool, no Amor ou na escrita. É, aliás, o Amor que nos ensina isso mais depressa.

conversa 1783

Ela - Na próxima semana vou para a Dinamarca. Precisava que fosses a minha casa pôr comida e água ao gato, mudar-lhe a areia e fazer-lhe uma festinha ou duas.
Eu - Vou lá pôr comida e água, limpo-lhe a areia mas não lhe faço festas.
Ela - Lá está tu... ele vai ficar sozinho e carente. Precisa duma festinha...
Eu - Quero lá saber. Os gatos arranham-me sempre os braços com aquelas unhacas medonhas...
Ela - Tens que perceber que os gatos são como as namoradas. Quando ficam sozinhos muito tempo precisam de certas coisas...
Eu - Nunca tive uma namorada que precisasse que lhe pusessem água e comida e lhe limpassem a areia.
Ela - Pois não... isso é mais os homens que precisam. As mulheres só precisam mesmo duma festinha...

vai trabalhar, malandro

Em Portugal manda-se toda a gente ir trabalhar. É "vai trabalhar"para aqui, "vai trabalhar" para ali por tudo e por nada. Aliás, desculpem-me, normalmente é por nada ou por quase nada, porque o trabalho em Portugal está em promoção: "pague uma hora de trabalho e leve quarenta". Pelo contrário nunca se ouve ninguém mandar alguém Amar ou apaixonar-se, o que é revelador do quão mal-fodidos são os que passam a vida a mandar os outros ir trabalhar.
Se um homem descansa à sombra duma árvore é porque é malandro e alguém o manda logo ir trabalhar, se um homem passa os dias sozinho ninguém percebe que é um solitário que precisa é de ir Amar para qualquer lado. A crise económica que atravessamos devia ter servido, pelo menos, para que os portugueses percebessem que trabalhar é o pior remédio. Afinal de contas, são os que mais trabalharam estes anos todos que mais sofrem com ela. Talvez em vez de "vai trabalhar, malandro" devêssemos começar a gritar "vai Amar, solitário". O Amor sim, é o melhor remédio.
O problema da Economia nacional nunca esteve no trabalho nem no que dizem ser a baixa produção nacional. Esteve na estapafúrdia distribuição da riqueza e numa espécie de mal-fodidos que têm um ciúme danado dos que são capazes de Amar mais e trabalhar menos. Bons exemplos da má distribuição da riqueza em Portugal são os administradores não executivos, ou seja, que não gerem nada mas vão a uma reunião de vez em quando mandar uns bitates para receber em média mais de sete mil euros por cada uma. A espécie mal-fodida é aquela que, como eu, tem que trabalhar quarenta ou mais horas semanais mas depois acha que a culpa da crise não é desses administradores (por exemplo Daniel Proença de Carvalho, António Nogueira Leite, José Pedro Aguiar-Branco, António Lobo Xavier e João Vieira Castro) mas sim de quem está desempregado ou no RSI.
Se pagassem decentemente a quem trabalha a sério, iam ver que não há ninguém neste país que não queira trabalhar. Esse pagamento mais justo permitiria que houvesse menos desemprego e que cada um de nós tivesse mais tempo fora do escritório, do balcão ou da fábrica. Aí sim, com mais tempo para percebermos que a vida existe para além do trabalho, talvez se passasse a ouvir "vai Amar, solitário" em vez de "vai trabalhar, malandro", e Portugal seria um país com menos mal-fodidos.

conversa 1782

Ela - Às vezes ponho a imaginar como é que um homem será na cama...
Eu - Já me imaginaste a mim?
Ela - Claro.
Eu - E então?
Ela - Espero que não seja nada do que eu imaginei.

5.24.2011

respostas a perguntas inexistentes (152)

"Às vezes penso que gosto mais de ti do que tu de mim", disse-lhe ela enquanto caminhavam juntos, de mãos dadas, no passeio da longa avenida. "Não sejas parva", respondeu-lhe ele abraçando-a energicamente, como se esse abraço pudesse provar o seu Amor. Não provou, tanto que ela se retraiu e seguiram os dois em silêncio e  sem se tocarem.
Não há maior prova de Amor entre duas pessoas do que a falta de exigência de provas. É altamente improvável que quem exige uma prova de Amor seja realmente Amado, e mais, que quem se dê ao trabalho de provar que Ama ame verdadeiramente. A incerteza é a morte prematura do Amor.

5.22.2011

respostas a perguntas inexistentes (151)

Há lugares que são só lugares e há lugares que são aquilo que vivemos neles. Foi o Amor que me ensinou isto. Sozinho tenho visitado lugares onde gostaria de poder voltar com a Raquel, com a Raquel tenho visitado lugares onde sei que não quero voltar sem ela. Essa é a característica dos lugares mais parecida com as pessoas: nunca são a mesma coisa antes e depois de os conhecermos.

5.20.2011

conversa 1781

Eu - Parabéns!
Ela - Parabéns porquê?
Eu - Já sei que estás grávida.
Ela - Ah! Só soube há dois dias. Ainda estou assim... em estado de choque.
Eu - Preferes que seja menino ou menina?
Ela - Menina, claro.
Eu - Porquê?
Ela - É mais divertido comprar roupa para meninas. A roupa para meninos é sempre igual.

pensamentos catatónicos (250)

cães e gatos

Os cães são diferentes dos gatos. Não consigo deixar de pensar nos cães como animais estranhos. Caminham a quatro patas e o olhar a um nível que só lhes permite conhecer as pessoas pelas pernas. Os gatos também, mas enquanto os felinos contrariam esse fado saltando muros, árvores e automóveis, os cães percorrem os mesmos percursos que as pessoas. Circulam pelo passeio, esperam que os carros passem antes de atravessar a estrada e hoje até vi um a fazê-lo na passadeira.

É por isso que existe a expressão "vida de cão" mas não existe nenhuma "vida de gato". É que ser cão é fodido. Os cães têm a mania de gostar das pessoas, os gatos têm a mania que as pessoas gostam deles. É por isso que o Amor circula como se fosse um cão, por ter a mania de gostar dos outros. Percorre os mesmos percursos das pessoas, de olhar cabisbaixo, à espera de uma festinha que lhe faça abanar a cauda. Quando isso não acontece mantém um olhar tão triste quanto o da Lua num dia de chuva. Grande mas sem brilho.

A cidade está cheia de desamor. É o engraxador curvado sobre sapatos que já não se lembram por onde andaram, é o passageiro do autocarro que adormeceu com a cabeça encostada ao vidro, é a mulher idosa a quem o semáforo verde não dá tempo suficiente para atravessar a rua. É tudo, excepto o nada. Duas mãos que se dão num banco de jardim, um abraço à entrada do cinema ou um beijo de despedida na janela duma casa. É por isso que gosto de ver um cão quando abana a cauda.

5.19.2011

conversa 1780

(no café)

Ela - Às vezes sinto-me tão feliz que fico triste por saber que não vou conseguir sentir-me sempre assim.
Eu (silêncio)
Ela - Não dizes nada?
Eu - Queres uma cerveja?
Ela - Ainda tenho no copo. Não dizes nada sobre o que eu te disse?
Eu - Às vezes sinto-me tão triste que fico feliz por saber que não vai ser sempre assim.
Ela (silêncio)
Eu - Não dizes nada?
Ela - Pede lá as cervejas que eu vou beber esta de golada.

coisas que fascinam (126)

reflexo

Uma verdade sobre a mentira é que ela pode ser a maior das verdades. Pelo menos no Amor. Mentimos aos outros e até a nós mesmos num gesto ou numa frase. Eu nunca tinha pensado nisso até um dia destes em que decidi ganhar coragem para enfrentar o meu reflexo na montra duma pastelaria. Costumo olhá-lo de esguelha, só para ver se ele não está muito despenteado, mas nesse dia enfrentei-o de homem para reflexo de homem, o que é muito mais difícil do que um olhar de homem para homem. Garanto-vos.

O meu reflexo aparenta ter quase quarenta anos. Deve, aliás, fazê-los brevemente, e disse-me que está feliz por ter vivido a década dos trinta. Os trinta são a década do Amor. Ainda podemos aproveitar o nosso corpo na sua plenitude, a cabeça está no seu auge (pelo menos já tem idade para saber o que quer e o que não quer) e o coração ainda tem a enorme capacidade de se apaixonar. Se a Natureza fosse justa ninguém morria antes de terminar essa década, e é pena que às vezes não o seja.

Por trás dele, do meu reflexo, passavam alguns automóveis e pessoas apressadas que fingiam não me ver. Saí da conversa e entrei nesse movimento como se entra numa escada rolante. Cobardemente sem lhe responder que me lembro dele estar triste e sentir-se só mesmo quando estava rodeado de amigos. Menti-lhe por omissão, em nome do Amor que lhe mascara essa década com um sorriso. Acho que fiz bem. Uma verdade sobre a mentira é que ela pode ser a maior das verdades.

5.18.2011

conversa 1779

Ela - Às vezes parece-me que os homens se sentem rejeitados muito facilmente.
Eu - Muito facilmente?! Como assim?
Ela - Basta uma mulher hesitar um pouco na sua aproximação a ele, que ele amua logo e acha que já não tem hipótese...
Eu - Ah! Isso aconteceu-te?
Ela - Aconteceu com um tipo com quem saí três ou quatro vezes e a coisa até estava a rolar.
Eu - E tu hesitaste?
Ela - Disse-lhe só que não o achava nada de especial. Ele levantou-se e foi-se embora.
Eu (risos) - Incrível! Que gajo sensível.
Ela - Estás a ser irónico, não estás?
Eu - Claro. Então tu vais dizer a um um gajo com quem andas a sair que ele não é nada de especial?
Ela - Ele nem me deu tempo para dizer que podia vir a ser especial no futuro...

pensamentos catatónicos (249)

cobras

Um homem não tem que aprender a apaixonar-se. Muito pelo contrário, é urgente aprender a desapaixonar-se cedo, logo na adolescência se possível, e quando o Amor é ainda um pássaro que se estatela no chão por bater as asas dessincronizadamente. É que apaixonar-se acontece a cada esquina, a cada olhar, a cada cheiro ou beijo que se dá. Um tipo sai de casa sem casaco, atravessa a rua e vai tomar café ao tasco da frente só para descontrair. Quando regressa já se apaixonou três ou quatro vezes. É tramado.

Desapaixonar-se é essencial para que a paixão não adoeça um homem. O método, difícil de atingir, passa por consegui-lo nos cinco minutos seguintes. Se passar disso a paixão começa a ser Amor e a espalhar-se no corpo como um vírus. As pernas e os braços tremem, surgem suores frios e por fim o coração entra numa taquicardia incontrolável. É uma merda, mas também é verdade.

A paixão é como o veneno duma cobra: o antídoto ideal passa por ela mesma mas em doses menores. É por isso que nos cinco minutos seguintes a uma paixão, o melhor é procurar imediatamente outra. E depois outra e outra até conseguir matá-la por asfixia. Às vezes consegue-se, principalmente quando se anda em locais movimentados. Depois duma paixão vem sempre outra que a enfraquece. Ainda bem.

Passei anos a tentar aprender a desapaixonar-me e nunca o consegui. Uma vez pensei que sim e comecei a sair à rua como se fosse o melhor condutor do mundo. Descuidei-me. Cedo percebi que não o era. Bastou-me ir jantar sozinho a um restaurante e apaixonei-me pela empregada de mesa, do balcão, pela mulher que comia peixinhos de horta à minha direita e pela que comia bifinhos com cogumelos à minha esquerda. Tudo ao mesmo tempo, nem sequer pude usar nenhuma como antídoto. Cobras! Nessa noite fechei-me em casa e afastei-me das janelas.

Acho que fiquei uns quatro dias assim, como se estivesse de quarentena. Foi quando percebi a coisa A melhor forma de um homem se desapaixonar é apaixonar-se de vez. Usar o Amor como vacina. Agora saio à rua, apaixono-me pela mulher que atravessa a passadeira ao meu lado mas não tenho medo. Nos cinco minutos seguintes, mesmo que não encontre antídoto sei que já estou vacinado. O Amor é como as cobras.

erros no primeiro encontro

E pronto, lá consegui pôr no Youtube e em boas condições a rubrica "erros no primeiro encontro" do programa "Boa Tarde", para o qual fui amavelmente convidado pela SIC.



5.17.2011

conversa 1778

(ao telefone)

Eu - Preciso da mala de ferramentas que deixei na tua casa.
Ela - Ando com ela no carro à espera duma oportunidade para ta dar.
Eu - Que azar. Esta semana estivemos juntos duas vezes e não ma deste.
Ela - É que tenho deixado o carro na garagem. Agora ando mais a pé ou de bicicleta.

respostas a perguntas inexistentes (150)

as aberturas fáceis

Foi com o Amor que passei a desconfiar das embalagens de abertura fácil. Há uns dias dei por mim a olhar para o cesto do supermercado e obriguei-me a trocar quase todos os produtos que lá estavam, antes de os pagar, por outros similares mas que não prometiam ser facilmente abertos. Cervejas, vinhos, sumos, sardinhas em lata, atum, tomate pelado e natas. Troquei tudo, e até admito que teria comprado uma embalagem que tivesse um aviso a dizer "atenção que isto é difícil de abrir". Procurei e não vi nenhuma.

Quem nos promete uma abertura fácil não está, de facto, a fazer outra coisa se não a enganar-nos. As aberturas fáceis são a prostituição das embalagens. São uma forma de, por um instante, deixarmos de ligar ao produto para nos concentrarmos apenas naquilo que não interessa: a abertura. 
O acto da abertura do que se come é essencial no processo. Tirar uma rolha a uma garrafa de vinho e ouvir o som "pop" quando ela finalmente sai, dá outro sabor ao néctar de Baco. Além disso, enquanto se controla esse acto de Amor entre um saca-rolhas e uma garrafa, há sempre tempo para uma troca de palavras com aqueles que nos rodeiam e anseiam entrar nessa orgia do álcool. Agora vendem-se em alguns supermercados garrafas de vinho com carica de rosca. Eu não as quero, que a abertura difícil é a oportunidade de o Amor se dar. É nela que olhamos uns para os outros e lhes tentamos adivinhar o pensamento. Pode ser a abrir uma garrafa de vinho, mas também pode ser numa cerveja ou numa lata de sardinhas. O que interessa é que seja difícil.
Em nome do Amor recusemos o facilitismo.

5.16.2011

pensamentos catatónicos (248)

erva daninha

A palavra "flor" devia ser afastada da palavra "Amor". Que mania irritante, essa de oferecer flores a quem se Ama ou se quer Amar como se isso significasse alguma coisa. Não significa nada. Zero. É como se o Amor fosse uma erva daninha. Cresce onde menos se espera e mesmo que se a arranque pode tornar a aparecer, ali, num local árido onde parecia impossível crescer fosse o que fosse.
É por isso que um  primeiro encontro entre duas pessoas nunca é um erro. É uma hipótese, é uma fome. O que pode ser um erro entre duas pessoas são os encontros seguintes. O segundo, o terceiro, o quarto, o quinquagésimo... se forem uma tentativa de floricultura metódica. Pode ser bonito, pode cheirar bem, mas não vale nada porque cresce em nome da forma e não do conteúdo.
Ser flor é insustentável. Uma flor é uma mulher que sai do cabeleireiro e que em nome da beleza não se deixa tocar. Pelo contrário, uma erva daninha é aquela que nos agarra pelos colarinhos e nos dá um beijo de língua enquanto os cabelos se entrelaçam ao vento. Em nome do Amor matemos a floricultura. Vivam as ervas daninhas.

5.15.2011

conversa 1777

Andava à procura de um sítio onde pudesse jantar decentemente por relativamente pouco dinheiro, mas tinha-me esquecido do nome do restaurante que, horas antes, um tipo me tinha aconselhado. Sabia que era na zona industrial do Porto e era por aí que andava à procura das referências que ele me tinha dado. Cansado das ruas despovoadas, encostei o automóvel quando vi uma mulher parada no passeio, sem sequer perceber que era duma prostituta que se tratava:

Eu - Onde é que aqui se pode comer bem e barato?
Ela - Aqui já comeram muitos e nunca ninguém se queixou, querido. Nem do serviço nem do preço.
Eu - Ah! Peço desculpa.

Arranquei em direcção a lugar nenhum enquanto ouvia o "Como O Macaco Gosta de Banana" numa rádio qualquer. Nessa noite não jantei.

5.13.2011

pensamentos catatónicos (247)

Deixemos a dialéctica em paz. O que o Amor quer é um silêncio contemplativo, uma garrafa de vinho e sexo. Muito, se possível. Tudo o resto são nuvens passageiras, às vezes brancas, outras vezes cinzentas.
Ao contrário do que se possa pensar, não compreender uma mulher não é um estado de ansiedade. Muito pelo contrário, é o melhor que nos pode acontecer. A incompreensão duma mulher é a última das etapas na vida de um homem. É o arhat da alma ou, se preferirem, é o "que se foda! o melhor é não me chatear".
A vida, tal como a vivemos, não é compatível com o Amor tal como o Amamos. Por isso que se lixe a vida! Vem o Amor todo lampeiro e depois, atrás dele, a conta do gás, a conta da edp, a conta da água, o puto que com cólicas que tem de ir para o Hospital, o gajo que nos bateu no carro, o vendedor da Tv Cabo que é um chato do caraças, o emprego matinal depois de noites mal dormidas. Enfim, vem a vida toda a impedir-nos de Amar e mais uns sacanas a falar na televisão em nome do Défice: "O Défice isto, o Défice aquilo", e nós a querermos Amar...
Há uma altura em que se aprende a olhar para quem se Ama com olhos de quem Ama, não com olhos de quem vive e não quer compreender coisa nenhuma a não ser isso: um silêncio contemplativo, uma garrafa de vinho e sexo.

Sic, música e desenhos

O blogger anda a funcionar mal. Para além de não me ter deixado actualizar o blogue, apagou-me duas conversas e uma série de comentários. Aproveito, no entanto, este momento de paz para colocar aqui algumas datas importantes para os próximos tempos. Importantes para mim, claro, não para o mundo.

16 de Maio 2011 || presença no programa Boa Tarde, SIC canal, apresentado por Conceição Lino, para falar de "erros no primeiro encontro". Algures entre as 16:00 e as 17:00.

19 de Maio 2011 || dj Bagaço Amarelo e dj Moa Bird no Clandestino, Aveiro, Portugal a partir das 23:00

17 de Maio a 04 de Junho de 2011 || desenhos Bagaçólicos - exposição de desenhos do Bagaço Amarelo no Mercado Negro, em Aveiro.

conversa 1776

Ela - Eu, às vezes, só me apetece sexo oral, e não há nenhum homem que compreenda isso.
Eu - Não compreenda, como?
Ela - Não há nenhum homem que se disponha, pelo menos uma vez de vez em quando, a fazer sexo oral à mulher e mais nada.
Eu - Mas que tipo de sexo oral? Minetes?
Ela - Havia de ser o quê?
Eu - Beijos...
Ela - Porque é que eu acho que não estavas a pensar em beijos?
Eu - Bem... beijos é sexo oral.
Ela - Comer gelados também, já agora.

conversa 1775

Ela - Pela minha experiência, os homens que se acham muito bons na cama são sempre uma nódoa, enquanto os outros, os que não têm a mania, normalmente até se safam.
Eu - Ah!
Ela - Tu és bom na cama ou nem por isso?
Eu - Nem sei que te diga.
Ela - Bem me parecia.

5.11.2011

pensamentos catatónicos (246)

a insustentável brutalidade da mulher

Zango-me quando as mulheres dizem que os homens são uns brutos. Altero-me, fico bruto, porque a última coisa que um homem quer ser é bruto.
Por bruto entende-se que se pensa pouco, que se é irracional e que a manifestação corporal ganha espaço à intelectual. O problema é que as únicas vezes que um homem deixa de pensar é porque está perto duma mulher. Era bom que as mulheres pudessem ver os homens quando não estão com eles, mas não podem. Por isso pensam que os homens são aquelas coisas que coçam os tomates em público, bebem cerveja e arrotam a seguir, dizem três asneiras em cada duas palavras e conduzem como se o mundo estivesse a acabar.
Os homens não são isso. Melhor, nunca são isso. A não ser que haja uma mulher por perto, claro. A culpa é toda delas e a acusação também. É injusto, e mais injusto se torna por causa da mania que as mulheres têm de encapotar a sua própria brutalidade. São bonitas, parecem frágeis e sensíveis, mas são sempre elas a manifestar desamor. Não há nada mais brutal do que isso.
Os homens são sempre os primeiros a dizer "Amo-te", as mulheres são sempre as primeiras a dizer "só quero ser tua amiga" que é o mesmo que dizer a um gajo "vai dar banho ao cão". É por isso que apesar de sermos   os primeiros a falar de Amor, antes de o fazer ficamos nervosos, ansiosos, com taquicardia e descontrole de movimentos. Até nos podemos peidar antes de o dizer, mas não há nada mais bonito do que dizer "Amo-te" enquanto as nossa tripas dão um nó. Depois gozam connosco, homens. As brutas são vocês, mulheres. Acho que é por isso que Vos Amamos ainda mais. Foda-se!

5.10.2011

e o povo, pá?

Os Homens da Luta são agora mais portugueses do que ontem. Porquê? Porque foram os melhores e perderam. Foi a primeira coisa que pensei depois do final do Festival da Eurovisão onde, entre dezoito músicas feitas à medida e ao formato europeu, havia uma que não cabia ali. Era a portuguesa, aquela que falava de política, de vinho, de pão e de queijo. Era a única música corajosa, mas os europeus não gostam de coragem.
Há duas verdades sobre Portugal e a Europa. Uma é que Portugal é o último país da Europa, outra é que Portugal é o primeiro país da Europa. Isto quer dizer que não estamos lá no meio e nunca somos convidados para a festa. Não cabemos lá e por isso fazemos a festa sozinhos. Ser português é ser isso. É assim desde que o Eusébio foi o melhor jogador do Mundial de 1966 e perdeu a final com a Inglaterra porque foi roubado pelo árbitro. O Eusébio não cabia ali. Portugal também não.
Ser português é saber estar sozinho. É saber rir sozinho e saber chorar sozinho. Ninguém no mundo é tão bom a fazer isso como nós. É por isso que não cabemos ali, no meio duma Europa onde andam todos às turras uns com os outros. Os Europeus não sabem estar com ninguém e também não sabem estar sós. É a verdade. É por isso que quando se põem a cantar são todos iguais e soam a falso. Foi o que aconteceu no Festival da Eurovisão, que foi uma merda. Os Homens da Luta não. Foram os melhores e perderam. Hoje são mais portugueses do que ontem. Por isso mesmo.

conversa 1774

Ela - Olha lá. Venho agora de um primeiro encontro com um gajo e venho enojada. Quero perguntar-te uma coisa...
Eu - Pergunta.
Ela - Será que um homem não sabe que antes de se encontrar com uma mulher deve lavar os dentes, principalmente se esteve a comer coisas coloridas?

coisas que fascinam (125)

a mais bonita

Vi hoje um miúdo de calças de ganga rotas a brincar com um carrinho no café onde tomei o pequeno-almoço. Ajoelhou-se no chão e conduziu o seu pequeno bólide por entre vários clientes, incluindo eu, enquanto gritava para a avó que o carro dele era o mais rápido do mundo. O mais rápido, repetiu ele várias vezes.
A vantagem de ser criança é essa: acreditarmos que alguma coisa ou alguma pessoa pode ser a mais não sei o quê do mundo. Um carro em miniatura pode ser o mais rápido do mundo, um boneco do super-homem pode ser o mais forte do mundo, um chocolate pode ser o mais saboroso do mundo e a cama onde se dorme pode ser a mais confortável do mundo. Dizemo-lo acreditando que é verdade.
É o estado de adulto que nos tira essa capacidade. O nosso carro pode até nem ser mau, mas se tivéssemos dinheiro comprávamos um melhor. Quando vamos jantar fora e gostamos do sabor, acabamos sempre a conversar sobre outros restaurantes mais famosos. Já nada é o melhor do mundo.
Resta-nos o Amor nessa decadência determinista do mundo. Resta-nos apaixonarmo-nos para tornar a acreditar que é verdade que uma mulher é a mais bonita do mundo. E quando lhe dizemos isso ela até pode responder, porque também já é adulta, que lhe estamos a mentir. É aí que eu penso sempre que ela não percebe nada sobre ela mesma. É tão cega que nem sequer sabe que é a mais bonita do mundo. E ainda bem, porque se soubesse talvez eu nem gostasse dela.

5.08.2011

pensamentos catatónicos (245)

O estômago e o coração

A relação entre o coração e o estômago é a mesma que existe entre a solidão e a fome. Aliás, a solidão é a fome da alma. Digo-o eu, que hoje acordei com um apetite invulgar, talvez porque por motivos políticos passei o fim de semana em Lisboa e longe da Raquel, e por isso reforcei a refeição matinal. Um iogurte, uma taça de cereais com leite, um pão macio com um cremoso doce de cereja e outro com manteiga fresca, um sumo de laranja e por fim um café com espuma.

O pequeno-almoço de hoje confortou-me o estômago como às vezes o Amor me conforta o coração. Dizê-lo é foleiro mas também é verdade, e as verdades foleiras têm a mania de se querer esconder quando não devem. É por isso que o digo com a noção existencialista de que o corpo precede a nossa essência, ou seja, a nossa fome a nossa solidão.

Normalmente tomo um pequeno-almoço mais pobre ou, se preferirem, frugal. A Raquel preocupa-se com isso e às vezes diz-me que me pode dar a fraqueza. As mulheres falam sempre em fraqueza quando querem que um homem as ouça de facto. Está-nos nos genes não saber digerir uma mulher a insinuar que podemos passar por um estado débil, e elas sabem que somos assim, uns fracos. No fundo é uma estupidez, mas elas também sabem que somos estúpidos. Respondo-lhe sempre que o estômago, depois do sono da noite,  e por ter estado em descanso várias horas, não deve começar a trabalhar demasiado. É que tal como o coração, o estômago também se estremunha.

5.06.2011

conversa 1773

Ela - Ando a precisar de estar sozinha.
Eu - Mas tens algum problema?
Ela - Não. Apetece-me estar sozinha, é só isso.
Eu - Mas se te apetece estar sozinha porque é me telefonaste para sair contigo?
Ela - Porque és o único homem com quem consigo estar como se estivesse sozinha.
Eu - Nem sei se considere isso um elogio...
Ela - Bem, é um elogio e ao mesmo tempo não é.
Eu - Como assim?
Ela - Gosto de estar contigo porque és meu amigo e porque sabes dar-me espaço. Ao mesmo tempo, quando me apetece estar com alguém não é a ti que te telefono.

pensamentos catatónicos (244)

máquina de beijos

Acho que tive a sorte de desejar um beijo de algumas mulheres que nunca me quiseram beijar. Os beijos conseguidos têm sabor mas os outros, os que não chegam a acontecer, também têm. Das mulheres que nunca beijei mas quis beijar, recordo com nostalgia o sabor a maçãs vermelhas dos lábios carnudos da Patrícia, o aroma a mar dos lábios delicados da Cláudia ou a textura de almofada dos lábios da Madalena.
Recordo o sabor de beijos que nunca tive porque me apaixonei por essas mulheres, e não há nenhuma mulher por quem se sinta paixão que não tenha um sabor na nossa imaginação. Aliás, o beijo é a maior prova de Amor entre duas pessoas, porque só ele permite comprovar esse mundo de paladares.
Li por estes dias, nas páginas dum jornal qualquer, que o laboratório duma universidade japonesa inventou uma máquina de beijar à distância, ou seja, através da internet. Pelo que percebi, a coisa passa por meter os lábios numa palhinha que se mexe da mesma forma que outra palhinha ligada a um computador distante.
Imagino que quem inventa uma máquina destas é uma pessoa só. Não por estar sozinho nem por nunca ter beijado ninguém, mas sim porque nem sequer conseguiu ter lembranças de beijos que nunca aconteceram. Só quem não tem imaginação para o Amor pode ter imaginação para uma máquina de beijos. Mas não sabe o que isso é: beijar.

5.05.2011

pensamentos catatónicos (243)

O estrangeiro

Quando eu era mais novo as mulheres portuguesas preferiam homens estrangeiros. Eu tinha uns ciúmes danados deles, dos estrangeiros, por causa disso. Um estrangeiro dizia três ou quatro palermices e ganhava imediatamente o estatuto de "homem interessante" junto de qualquer mulher portuguesa. Eu, por mais que me esforçasse, não passava da mísera condição de vulgar português.

Esta sensação de injustiça que habitava em mim ganhou contornos definidos quando conheci a Luísa e, pouco depois de começar a namorar com ela, fomos convidados para uma festa de estudantes universitários onde ia estar um estrangeiro. No caminho para lá, e assim como quem não quer a coisa, ela mencionou o facto pelo menos dez vezes, revelando uma ansiedade que só por si já me incomodava. Claro que, pouco tempo depois de lá chegarmos, já ela achava aquele estrangeiro um doce enquanto eu o via como um imbecil.
Passei essa festa sentado numa cadeira da cozinha a falar com mais três ou quatro portugueses tão simplórios como eu, tentando disfarçar a sensação de derrota enquanto o exuberante estrangeiro se passeava pela casa seguido de perto por todas as mulheres presentes. Não vi a Luísa uma única vez a não ser quando ela veio buscar uma cerveja ao frigorífico. Para o estrangeiro, claro. Nessa noite voltei para casa sozinho e o Amor entre nós esfriou rapidamente, até desaparecer por completo.
A verdade é que nesses tempos ser estrangeiro em Portugal ou artista de circo era mais ou menos o mesmo: coisa rara e, portanto, digna de se ver. Havia um complexo de inferioridade que nos fazia levantar rapidamente para dar a nossa cadeira a qualquer estrangeiro que aparecesse por aí, enquanto lhe perguntávamos humildemente se estava bem ou se queria um café. Não era simpatia, era mesmo um certificado de tacanhez.
Há uns tempos encontrei a Luísa e perguntei-lhe se ela se lembrava dessa festa. Baixou os olhos e esboçou um sorriso envergonhado. Disse-me que tinha sido de propósito, para eu sentir ciúmes e me roer por dentro. Pela primeira vez percebi, muitos anos depois, que talvez eu tenha sido mais importante para ela que o estrangeiro nessa festa, e amarrado pela minha adolescência insegura era só isso que eu queria. Mas no Amor sê-lo não chega, é preciso parecê-lo.

conversa 1772

Ela - Acabar o meu namoro com o Zé foi um alívio.
Eu - Pois... por isso é que o acabaste.
Ela - Não é bem isso, é que nunca gostei dele.
Eu - Então porque é que andaste tanto tempo com ele?
Ela - Só comecei a namorar com ele porque na altura estava com a auto-estima tão em baixo que pensava que nunca na vida algum homem ia gostar de mim.
Eu - Foi um teste, portanto...
Ela - Sim, foi.

5.04.2011

conversa 1771

Ela - O namorado da Fátima é a coisa mais desinteressante que já vi.
Eu - Achas?
Ela - Acho. Veste-se mal e não diz nada de interessante.
Eu - Não sei... por acaso eu acho-o simpático.
Ela - Eu acho que a Fátima é mulher a mais para ele.
Eu - Nunca se sabe.
Ela - A não ser que...
Eu - A não ser que o quê?
Ela - Que ele tenha qualquer coisa fora do normal.
Eu - Fora do normal?
Ela - Sim. Assim a tender para o grande.

respostas a perguntas inexistentes (149)

Encontrei a Rita como quem se banha no mar

Encontrei a Rita como quem se banha no mar. Há alguns atrás, e depois do meu divórcio, foi a primeira mulher com quem marquei um encontro. Ela acabara de se separar também, e foi a desilusão que ainda nos parasitava que nos fez ganhar coragem para combinar uma tarde a dois. Lembro-me de ela me dizer que talvez fosse bom passar algum tempo com um desconhecido, porque entre o círculo de amigos toda a gente tinha alguma coisa a dizer sobre a sua separação e ela não queria ouvir ninguém. Só queria falar. Estava farta, eu também. A Rita vivia em Coimbra e eu em Aveiro, por isso combinámos na Curia, um terreno neutro.

Encontrei a Rita como quem se banha no mar. Durante uma tarde caminhámos sem direcção, tanto no percurso pedonal como nas palavras, no que se tornou um lento funeral dos nossos Amores passados. Enterrámo-los assim, falando dos nossos filhos, das nossas discussões, dos objectos lá de casa e da incerteza que nos povoava. Depois despedimo-nos sem marcar um novo encontro, ainda que com vã a promessa de o fazer. Nunca mais a vi. Até hoje, cinco anos depois, por acaso e numa rua qualquer da cidade de Aveiro.
Encontrei a Rita como quem se banha no mar, numa onda que vai e volta e que hoje voltou para me dizer como as coisas mudaram desde então. Encontrou por acaso, durante este tempo de distância, um velho colega do liceu por quem se apaixonou e com quem vive. Agora acha que aqueles tempos estéreis de Amor foram o melhor que lhe podia ter acontecido. Eu também, respondi-lhe. Depois despedimo-nos sem marcar um novo encontro.

5.02.2011

conversa 1770

Ela - Quando me apaixono por um homem, costumo imaginar-me a fazer certas coisas com ele.
Eu - Que coisas?
Ela - Ir às compras, ir ao cinema, cozinhar com ele...
Eu (silêncio)
Ela - Que ar de decepção é esse?
Eu - Não é nenhum...
Ela - Ah!

conversa 1769

Ela - Preciso de um homem para ir de férias este ano.
Eu - Porquê?
Ela - Queria ver muito tectos.
Eu - Muitos tectos? Não percebo...
Ela - Oh Santa Inocência...
Eu - Ao menos explica-me...
Ela - O que é uma mulher vê quando está por baixo de um homem?
Eu - Bem, há várias hipóteses. Para começar depende para onde está virada. Se estiver virada para cima, em princípio, vê o homem. Se estiver virada para baixo, em princípio vê as almofadas e os lençóis. Isto se tiver os olhos abertos.
Ela - Retiro o "Santa Inocência", pronto.

5.01.2011

pensamentos catatónicos (242)

O Amor é o tempo

O comboio está atrasado vinte minutos. Pergunto-lhe se ela quer ir tomar um café e ela pergunta-me para quê. Para passar o tempo, respondo. O tempo passa na mesma, diz ela. E tem razão. Fico a contar os segundos que vão passando enquanto o vento lhe serpenteia os cabelos como se estivesse a tentar dançar com eles. É bonita, e zango-me comigo mesmo por a minha primeira opção para passar o tempo ser ir tomar um café e não ficar a olhar para ela. Ainda bem que não fui. Ainda bem que não fomos.
O tempo é a prenda da vida, e às vezes ajo como se estivesse sempre a tentar gastá-lo. Nem o chego a desembrulhar e a agradecer a oferta. É uma merda, ser assim. Acho que é e sempre foi o maior obstáculo ao Amor. 
Uma vez disse-lhe, com um ar cansado, que não tinha nada para fazer. Era sábado à tarde e a cidade encolhera-se num enorme silêncio perante a agressividade da chuva. Não podíamos sair a não ser para cantar o Singing In the Rain. Ela olhou para mim durante alguns segundos, não percebi se zangada ou simplesmente com pena de mim, mas percebi que tinha acabado de dizer uma coisa estúpida. Estávamos os dois no mesmo apartamento e amávamos-nos. Não termos nada para fazer era o melhor que nos podia acontecer. Calei-me e baixei os olhos derrotado pela mania que os meus reflexos têm de contornar o Amor. Ela saiu da sala e só voltou uma hora depois. Acabámos abraçados com os meus dedos a dançarem nos cabelos dela. Os mesmos cabelos que olho agora.
Estou a pensar que não lhe torno a fazer isto. Nem a ela nem a mim. Não torno a falar do tempo que é só nosso como se fosse dispensável. Porque não é. Na verdade é o tempo mais importante da minha vida. Ainda por cima não se repete, o sacana. Quero estar com ela outra vez sem nada para fazer, para poder sorrir-lhe e abraçá-la sem o meu estúpido ar de tédio.
Que merda, esta mania que o Amor tem de se esconder por trás de coisas insignificantes. Ora atrás dum café, ora atrás dum jogo de futebol ou de um filme estúpido de que nunca ouvi falar. Não o deixo mais. A partir de agora vou lembrar-me: o Amor é o tempo, o Amor é o tempo.