os homens mordem, as mulheres mordiscam
Os homens mordem, as mulheres mordiscam. Tenho este pensamento enquanto a vejo retirar com os dentes pequenas porções dum pastel carne. Eu já acabei o meu há muito tempo, apenas com três ou quatro dentadas. Acho que no sexo também é assim. Não sempre, claro. Às vezes é. Os galões, o meu e o dela, ainda estão à espera do primeiro gole.
Os homens mordem, as mulheres mordiscam. Tenho este pensamento enquanto percorro o passado recente. Acho que já a mordi e que ela já me mordiscou. Os beijos, o meu e o dela, ainda estão à espera do primeiro toque.
Alteram-se as regras da Física. Acho que ela me mordiscou com mais intensidade do que eu a mordi. Além disso apetece-me dançar ao som do seu silêncio enquanto lancha. Já o faço, apesar de estar quieto numa cadeira desconfortável a olhar para ela. É que ela também está quieta, e a sua quietude expõe tudo o que eu gosto nela. E eu gosto de tudo nela. É tão bonita.
Alteram-se as regras da Química. O amor é uma palermice de que se gosta. De que se ama. Não, de que se precisa. Por exemplo, ela é uma nuvem onde preciso de me deitar, ela é um ninho onde preciso de me aninhar, ela é uma ilha onde preciso de me perder. Tudo palermices, penso. Mas amo-a. Não, preciso dela.
E agora deixa no prato o resto da torrada. Não comeu aquela parte que tinha entre os dedos, talvez por uma estranha delicadeza para com as torradas. Limpa a manteiga que lhe povoa os lábios e olha-me. Na verdade não me olha. Acerta-me com os olhos dela, que é diferente. Diz-me que temos que beber os galões. Pois temos, penso enquanto dá o primeiro gole. É tão delicada. Também temos que nos beijar, penso outra vez. Os lábios dela atingem o leite provocando pequenas ondas rítmicas no copo. No copo e em mim. Altera-se a Física, altera-se a Química. Menos uma coisa: os homens mordem, as mulheres mordiscam.