12.29.2011

conversa 1867

Ela - O meu marido, se deixa de ter sexo durante uma semana, fica logo deprimido e triste. É vê-lo a andar cabisbaixo lá por casa...
Eu - É sinal que está vivo.
Ela - Eu também estou viva e não sou assim.
Eu - Pois...
Ela - Ao contrário dos homens, as mulheres não deixam que falta de sexo as deprima. Deixam é que as depressões as façam perder vontade de ter sexo.
Eu - Ah!
Ela - Pelo contrário, o meu marido quer sempre sexo, mesmo que esteja deprimido.
Eu - Mas isso é porque a depressão dele, segundo o que dizes, se deve à falta de sexo. A cura, portanto, só pode passar por "pinar" mais...
Ela - Lá está. Acho que é a única coisa que o deprime...

Amor, política, segredos e 2012


Ontem estive, como deputado da bancada do Bloco de Esquerda, numa Assembleia Municipal que aprovou o Orçamento e as Grandes Opções do Plano para 2012 do município aveirense. Não vos vou chatear muito com isto, mas aconteceu "por acaso" que a maioria do PSD votou a favor de um orçamento em que não se conseguiu explicar de onde se espera receber mais de 27 milhões de euros (ver imagem). Na prática, isto quer dizer que o Executivo fica com uma margem de 27 milhões de euros para realizar vendas e privatizações do que quiser sem ter que passar cavaco a ninguém, mesmo que essas vendas e/ou privatizações descapitalizem ainda mais o Estado, ou seja, todos nós. Três dos quatro deputados do CDS faltaram à sessão mais importante do ano, para assim não terem que votar nem discutir um Orçamento que é no mínimo... esquisito.
Porque é que Vos estou a falar disto? Porque hoje mesmo, na viagem matinal de comboio que fiz para o meu emprego, fui ouvindo uma discussão em que uma mulher dizia que "os políticos são todos iguais". Eu, como político, apetece-me dizer que os eleitores é que são todos iguais, porque vão votando sempre naqueles que mais os prejudicam para depois se queixarem. Ou então, pior ainda, nem sequer votarem e passarem apenas a dizer que os políticos são todos iguais. Mas sei que não é assim, que os eleitores não são todos iguais, e é por isso que não desisto de ter o meu papel político assumido. Nunca gostei de indefinições...
Sou assim na política, que é racional, mas também sou assim no Amor. Não gosto de indefinições nem de pântanos. Como na política, no Amor voto a favor ou contra o que a minha namorada diz ou faz, sempre com declarações de voto. Ela também, e ainda bem. Esse é um dos motivos pelos quais eu gosto muito dela. Muito mesmo. Entre mim e ela não há milhões escondidos para depois cada um usar como muito bem lhe apetecer. Não há segredos. É por isso que não há amuos nem divórcios.
E eu que sempre disse que na política não pode haver lugar para emoções, admito que me enganei. Pode, pode. E nós, eleitores, devíamos ser todos iguais nesta relação que temos com quem elegemos. Devíamos exigir que tudo se esclarecesse para depois não nos divorciamos a propósito duma discussão que nem sequer percebemos mas que... sentimos. Por estes tempos andamos todos, aliás, a sentir com mais intensidade.
Em 2012, já todos percebemos, vamos sentir ainda mais. É por isso que hoje Vos peço, com alguma humildade política e com toda a emoção que me liga a quem aqui passa, que dêem a mesma importância à política que dão ao Amor. É a única forma de ambos correrem bem. 

12.26.2011

pensamentos catatónicos (267)


Hoje, assim como quem não quer a coisa, comecei a fazer um desenho enquanto esperava pelo almoço, creio que uma árvore solitária junto a um caminho que desaguava na linha do horizonte. Mas acabei por fazer um gatafunho. Já não me lembro muito bem, mas acho que me desviei da ideia inicial quando me apercebi que a árvore estava a ficar desequilibrada. Pelo menos quando comparado com aquilo que eu queria. O gatafunho foi assim uma forma de eu não insistir mais num desenho que me estava a fugir da mão. Assumi o erro e aniquilei-o com uma bomba de tinta. Depois almocei calmamente.
O almoço, arroz com legumes e carne de aves, caiu-me bem. Acho que devia ter aprendido a fazer gatafunhos mais cedo na minha vida, ou melhor, devia ter tido a coragem de começar a fazer gatafunhos mais cedo. É que o Amor acaba por ser mais ou menos como um desenho a esferográfica. Não aceita emendas de ânimo leve. Quando as fazemos elas ficam lá para sempre. Notam-se, e mesmo que não queiramos, às vezes incomodam.
Depois da sobremesa tornei a olhar para o desenho e, em vez de do gatafunho, a minha primeira interpretação mental do desenho foi a de uma árvore. De novo. Não a árvore que eu queria, mas outra qualquer. Não interessa, afinal de contas era um desenho passado onde, tal como nos Amores passados, fica um bocadinho de nós, da nossa tinta e da nossa mão. Mas são para arrumar numa gaveta daquelas que não se abrem mais.
O desAmar é um processo tão legítimo como o de Amar. A única diferença é essa. A Amar desenhamos, a desAmar fazemos gatafunhos. Tentar desenhar enquanto se desAma é um erro. Pelo menos é um processo penoso. Acredita em mim.

12.23.2011

conversa 1866

Ela - O Natal é bom é para as crianças, pelo menos aquelas que acreditam no Pai Natal.
Eu - Também acho.
Ela - Se ele existisse mesmo é que era fixe... com esta crise!
Eu - Sim, se me desse um bacalhau e uma garrafa de Porto, ficava-lhe grato.
Ela - Ah! Não estava a falar dessa crise. Estava a falar da minha crise.
Eu - Qual?
Ela - O que eu pedia ao Pai Natal era uma noite de sexo.
Eu - Ah!
Ela - E tu?
Eu - Por essa ordem de ideias não lhe pedia nada, a não ser que ficasse bem longe de mim.
Ela - És sempre o mesmo.

respostas a perguntas inexistentes (192)

improviso

Nunca tive saudades da juventude. Ser adulto foi a melhor coisa que me aconteceu em quase todas as vertentes da vida, e no Amor também. Do que tenho saudades é de não contar o tempo. Não aquele que vai passando mas sim o que falta passar, esse que contabilizo atabalhoadamente por nem sequer saber quanto é. E é assim que Amo. É bom, mas também é uma pena.
Deixei de me ver ao espelho, porque na verdade nunca o fiz para me pôr mais bonito. Aliás, nunca acreditei que pudesse almejar beleza alguma. Acreditei, isso sim, que tinha toda uma eternidade para ser a estrela principal de um Amor qualquer, e por isso sempre me vi ao espelho para ensaiar gestos e palavras. Só isso, ou talvez tudo isso. Nem sei bem. Sei que foi por aí que o Amor me faltou algumas vezes. Porque o ensaiei em vez de o improvisar.
É isso que é ser adulto, saber Amar de improviso neste incontável tempo que sobra. O Amor penteia-se ao espelho devagar enquanto eu olho ansioso para o relógio da vida. Peço-lhe em silêncio que pare, que me sirva um beijo numa taça de anis. Que me canse. É por isso que o meu reflexo lhe sorri enquanto os seus cabelos dançam na tempestade de vento do secador eléctrico. É igual à minha, essa tempestade, violenta e contida. É assim que se improvisa. 

12.21.2011

lamechices

Ela pergunta-me porque é que os homens nunca falam de Amor, mas não é sobre os homens que ela quer saber seja o que for. É sobre mim. Quer saber porque é que eu nunca lhe digo que gosto dela, que a Amo ou pelo menos que eu defina verbalmente a importância dela para mim. Não sou capaz de o fazer e, pior do que isso, nem sequer sou capaz de lhe dizer que sou incapaz de o fazer. Sou homem, é isso, e portanto espero que ela adivinhe tudo o que eu sinto por ela. Não sei como, mas tenho esperança que o consiga fazer. Afinal de contas é mulher.
Ser homem é difícil porque um homem tem que parecer o mais forte a vida toda, e todos sabem que parecer uma coisa é bem mais difícil do que sê-lo. Ainda noutro dia fomos passear na praia que o Inverno limpou de gente. Ela descalçou-se e abraçou-me. Eu descalcei-me e deixei-me abraçar. Caminhámos durante largos minutos com os pés enterrados no seu silêncio, e eu sabia que ela estava à espera que eu lhe dissesse qualquer coisa. Um "Amo-te tanto!", por exemplo. Mas eu não consegui. Nunca consigo. Cheguei a elaborar uma frase qualquer com as palavras "gosto" e "sorte", mas os meus dentes bloquearam-na quando ela estava prestes a sair da boca. Demos meia volta e regressámos mais distantes, com as mãos enfiadas nos bolsos, eu com a sensação que estava a esconder o que sentia num deles. 
Foi a semana passada que me contou a história dum filme qualquer que viu na televisão, numa noite dessas em que eu fico horas seguidas sentado em frente ao computador sem concluir nada do que começo a fazer. Era sobre um homem incapaz de falar de Amor e que acabava um alcoólico solitário por causa disso. Eu percebi onde ela queria chegar mas respondi-lhe que o argumento me parecia "mais uma lamechice qualquer". Vi-a sorrir com a minha resposta mas com um sorriso triste, como se engolisse duma só vez a réstia duma esperança qualquer. E eu, que pareci mais uma vez o mais forte, na realidade senti-me mais fraco.
Agora estamos aqui num café dos subúrbios da cidade, onde algumas dezenas de pessoas preenchem boletins do totoloto como se isso lhes pudesse salvar a vida, e ela pergunta-me porque é que os homens nunca falam de Amor. Eu sei que responder pode salvar a minha vida, mas as ideias enrolam-se no meu cérebro como um áspero novelo de lã. Os olhos dela pousaram no meus como o pé dum vencedor que pisa o corpo imóvel do morto, e o meus parecem insectos à procura dum local para descansar. "Eu Amo-te", digo-lhe baixinho.  Depois concluo que não faço a mínima ideia porque é que os homens não falam de Amor. Ela levanta-se e dá-me um beijo na testa antes de sair a correr para o trabalho. Pareço mais fraco mas sinto-me mais forte.

12.19.2011

conversa 1865

Ela - Prefiro ter pouco sexo do que muito.
Eu - Porquê?
Ela - O sexo é melhor quando se tem pouco.
Eu - Ah!
Ela - Até já disse isso ao meu marido, porque por ele é "dia sim, dia não".
Eu - "Dia sim, dia não" é muito?
Ela - Então não é?
Eu - Estava só a perguntar a tua opinião. E o que é que o teu marido disse, já agora?
Ela - Disse que prefere sexo menos bom em grande quantidade do que bom só de vez em quando.
Eu - Ena!
Ela - Pois... por isso é que no Natal lhe vou oferecer um vibrador.
Eu - Um vibrador?!?!?! Mas... não era mais indicado uma boneca insuflável?
Ela - Se o que lhe interessa é a quantidade, que pegue no vibrador e o enfie onde quiser.

pensamentos catatónicos (266)

Um dos poucos pedidos que não vale a pena fazer é que alguém se apaixone por nós. Ninguém se apaixona por ninguém a pedido. Se calhar até era bom que fosse assim, mas não é. Foi uma mulher que me explicou isto, uma vez durante um café daqueles que se tomam em pé a olhar para o relógio, e embora eu já o soubesse (sabemos todos), ouvi-a como se fosse uma revelação. Há coisas que sabemos mas não praticamos até que alguém nos diga para o fazer. É como se sozinhos não quiséssemos acreditar que é assim.
O pior é que crescemos a pedir. É natural numa criança pedir sempre o objecto do seu desejo. Depois, quando chegamos a adultos, percebemos que o pedido mais importante de todos não pode ser satisfeito. Pior, se temos que o pedir já é mau sinal. O pior sinal de todos. Ela pousou a chávena, deixou moedas em cima do balcão para pagar os dois cafés e deu-me um beijo com a palma da mão, beijando-a primeiro e acariciando-me depois. Até à próxima, disse.
Nunca percebi como é que ela sabia que eu lhe ia pedir para se apaixonar por mim...

12.18.2011

conversa 1864

Ela - Uma discussão entre duas pessoas devia servir para perceber quem tem razão.
Eu - E não serve?
Ela - A maior parte das vezes não. Serve para que cada um imponha a sua razão.
Eu - Ah! Percebo o teu ponto de vista.
Ela - Às vezes, mesmo quando uma pessoa já percebeu que não tem razão, continua a insistir que tem. Principalmente entre marido e mulher, é muitas vezes assim...
Eu - Tu costumas fazer isso?
Ela - Não, não costumo. De facto só o faço com o meu marido.
Eu - Ah!
Ela - Mas ele também faz comigo.

12.17.2011

um homem na meio di homem



Lembro-me de ver uma entrevista com a Cesária Évora na televisão em que, à pergunta sobre o que lhe fazia mais falta na vida, ela respondeu que era um marido. Respondeu assim, sem hesitações. Um marido. Depois encolheu os ombros e olhou para o lado. A Cesária Évora cantava para o mundo ou, se preferirem, para todos. No entanto, o que lhe fazia falta era um entre esses todos.
Há um Amor que não pode ser dado por todos, mas apenas por um, mesmo que todos o queiram dar. É o Amor que a nossa carne quer como se fosse música. Para além dessa música que ela ofereceu ao mundo, também me ofereceu esse pensamento nesse dia. Só a mim. Obrigado.

Um homem na meio di homem
Bô ta ser nha fidjo, um dia
Oiá sô pa bem dess mundo
Luminosamente bô caminhá
Pa entrá na vida d'home
Sem medo e sem angustia
Ah sofrimento é bem certo
Ma alegria t'existi

12.15.2011

o bosão de Higgs

Hoje um homem passou por uma mulher. Quer dizer, passou por muitas pessoas na rua, num centro comercial, à porta da escola onde esperou o filho para almoçar e no gigantesco edifício onde vai fazendo intervalos na vida para trabalhar. Passou por muitas pessoas, mas agora que se afastou do mundo para poder jantar a sós com a luz da lua, e enquanto vai bebericando vinho dum copo embaciado, só se lembra duma mulher. Uma que não o olhou de frente mas talvez tenha olhado de lado, tão sorrateiramente como ele queria ter feito e não fez.
Pensando bem, talvez até tenha sido melhor assim. Ele também nunca olha nos olhos das mulheres que lhe interessam, pelo menos à primeira. Não tem coragem. Contou a história ao melhor amigo, pelo telefone, enquanto a água para o arroz branco ia fervendo, e ele não percebeu como é que uma mulher que apenas passou por ele lhe pode interessar tanto. Mas interessa, por isso é que se lembra dela e não das outras mais de mil pessoas que passaram por ele.
O Amor também tem um Bosão de Higss, uma partícula elementar à sua existência. Pode ser o olhar, por exemplo. Tudo começa à escala mais pequena possível deste mundo, até um grande Amor. E se um dia destes passar por ela de novo, talvez os seus olhos se evitem como o voo de duas moscas tontas para depois chocarem finalmente um no outro. Foi assim que se apaixonou a última vez e depois surgiram mais choques em cadeia: o dos lábios, o das mãos e o do corpo. Do corpo todo.
Hoje um homem passou por uma mulher e agora não consegue sentir o sabor do sal da comida. Nem sequer tem muita fome. Dá mais um gole no copo de vinho. Talvez um dia destes...

12.14.2011

conversa 1863

Ela - É estranho, divorciei-me mas sinto-me no auge das minhas capacidades sexuais.
Eu - É natural, tens trinta e três anos. A maior parte das mulheres começa a ser melhor na cama a partir dos trinta, mais coisa menos coisa. O divórcio não tem nada a ver com isso.
Ela - Achas mesmo?
Eu - Acho, mas é só uma opinião e vale o que vale...
Ela - Às tantas até me divorciei por causa disso mesmo.
Eu - Disso mesmo?
Ela - Sim, acho que tinha uma vida sexual frustrada, assim sem grande prazer. Agora que me sinto mais preparada não posso continuar com o mesmo namorado de sempre...
Eu - Ele não tem culpa nenhuma de ter começado a namorar contigo muito antes dos trinta...
Ela - Pois não... mas tem culpa de ter agido como um cavalo quando a mim não me apetecia nada ir para a cama com ele.

casamento

Sempre me fizeram muita confusão as perguntas do género "pensas que estás na tua casa?" ou "pensas que estás no café?". Acho que foi uma professora de português, a primeira que me perguntou se eu pensava que estava no café, quando um dia me viu com os pés estendidos em cima duma cadeira vazia. Eu respondi-lhe que não, até porque no café nunca fazia aquilo. Ela expulsou-me da aula.
Era óbvio que eu não pensava que estava no café, mas sentia-me tão bem ali como na minha casa, e por isso é que tinha estendido as pernas para a cadeira da frente. Sentia-me melhor enquanto lia Camões se estivesse ali como na minha casa, e esse é o melhor elogio que se pode fazer a alguém. Eu achava-a boa professora e gostava das aulas dela. Era só isso. Era um elogio.
É também assim que se está no Amor, por exemplo, exactamente como se estivéssemos na nossa casa. Se não estivermos assim com alguém, então não é Amor. Até pode ser bom, mas não é Amor. Será eventualmente uma espécie de amizade, e então estamos como se estivéssemos no café, a pedir por favor que nos tragam uma bica e esperando que nos limpem a mesa com uma toalha antes de o servir. 
O Amor é a nossa casa, porque quando ali chegados atiramos um sapato para cada lado e andamos de meias pelo chão. O Amor é isso, estarmos sempre na posição mais confortável para o nosso corpo e alma sem que o outro pergunte onde é que achamos que estamos. É que estamos com ele, com esse Amor, e é por isso que é assim. É assim no que dizemos ou calamos, no que rimos ou choramos, no que abraçamos ou beijamos.
Foi a palavra casa que deu origem ao verbo casar (casa + ar), e é isso mesmo que é casar. Estou a dizer isto porque ontem, depois de um dia de merda, abracei a Raquel e pousei a minha cabeça no ombro dela durante alguns segundos e em silêncio. Ao mesmo tempo deixei cair a mochila e o casaco no chão do corredor enquanto me descalcei e atirei os sapatos para lugar incerto. Ela não me perguntou se eu sabia onde é que eu estava porque ambos o sabíamos. Se não for assim, até pode ser bom, mas não é Amor.

12.13.2011

conversa 1862

Ela - A vida está cada vez mais difícil.
Eu - Pois está, pois está.
Ela - O meu salário mal chega para as despesas essenciais: água, electricidade, comida, tv por cabo...
Eu - Tv por cabo?! A tv por cabo é essencial?
Ela - É, claro.
Eu - Olha, eu não tenho tv por cabo precisamente para poupar dinheiro.
Ela - Mas isso é porque vives muito tempo sozinho.
Eu - Por isso mesmo é que à partida precisaria de ter mais alguns canais de televisão.
Ela - Não, não. Não tens que fingir que estás muito interessado num programa qualquer só para não te chatearem a cabeça...

conversa 1861

Ela - Este ano não te vou dar prenda de Natal por causa da crise, está bem?!
Eu - Está bem. Para ser sincero não me lembro de me teres dado nenhuma prenda de Natal nos anos anteriores. Nem eu a ti, aliás...
Ela - E não dei. Só que este ano ia dar, se não fosse a crise.
Eu - Ah!
Ela - Pronto, está explicado.

12.12.2011

pensamentos catatónicos (265)

não estou pronto para outra

Este blogue começou porque eu sei o que é a vida desmoronar-se por causa do Amor ou, se preferirem, do desAmor. Sei o que é ouvir numa noite de sábado a frase "já não te Amo!" e conheço o sabor do copo de uísque seguinte e dos outros que se seguem a esse. Sei que é estranho aceitar que o planeta continue a girar indiferente ao nosso sofrimento, como se ele não fosse a coisa mais importante do mundo. Sei o que é não perceber absolutamente nada do que nos aconteceu e alternar, de cinco em cinco minutos, um choro  de desalento com uma raiva interior de quem se sente enganado pelo mundo.
Este blogue começou como uma estratégia de sobrevivência, uma forma de voltar à normalidade de quem já só queria voltar a conseguir dizer "bom dia" aos vizinhos. Por uma questão de justiça, e também de solidariedade com quem está a passar agora pelo mesmo que eu passei, devo dizer que só há uma pessoa capaz de ajudar realmente um desiludido do Amor, e essa pessoa é ela própria. Como mero exemplo, cabe-me ainda dizer que hoje acho que essa desilusão de Amor foi a melhor coisa que me aconteceu na vida. De tal forma que não estou pronto para outra. E estou a dizer isto a alguém muito específico, porque sei como se sente, mas também a todos que o queiram entender como uma certeza de que tudo passa.

12.09.2011

conversa 1860

Ela - Foste a Marrocos este ano, não foste?
Eu - Fui...
Ela - Estiveste em algum minete?
Eu - Em algum minete?!
Ela - Sim, aquelas torres das mesquitas... disseram-me que não se pode ir a nenhuma.
Eu - Talvez queiras dizer minarete...
Ela - É isso, vai dar tudo ao mesmo.
Eu - Pois... o problema é que não vai.
Ela - Não vai?
Eu - Não... não sabes o que é um minete?
Ela - É o quê?
Eu - Tecnicamente é passar a língua no clitóris e nos lábios vaginais duma mulher...
Ela - Ah! Caraças...
Eu - O que foi?
Ela - Já sei porque é o meu amigo muçulmano com quem falei sobre isto se estava a rir...

a mulherzinha do metro de Londres



O racismo não é estúpido apenas pelo ódio gratuito que se tem a outras pessoas, mas também pela gratuitidade do seu espírito corporativista. Isto é, seria tão estúpido eu detestar alguém pela sua cor de pele, como seria eu acreditar que essa minha cor de pele pudesse constituir só por si um grupo social. Não constitui, e eu não me sinto parte de nenhum clube de brancos. Aliás, como em tudo, há brancos de que gosto e de que não gosto.
Mas a ignorância desta senhora que agrediu verbalmente 'estrangeiros' no metro de Londres, e que pergunta a si mesma onde é que o seu país chegou só por estar 'invadido' por 'pretos' e 'polacos' passa em muito esta evidência do materialismo dialéctico, ou da vida, se preferirem...
Pouca gente sabe, por exemplo, que a Etiópia (um dos países do planeta com problemas mais graves de fome entre a sua população) arrendou este ano ao Reino Unido uma área agrícola equivalente à do distrito de Lisboa durante cinquenta anos por cerca de... setecentos euros por mês (um preço abaixo do de um apartamento minúsculo no centro de Londres). Nesta área enorme, latifundiários ingleses estão a produzir soja, óleo de palma, algodão e açúcar para, imagine-se exportarem para a própria Etiópia. Por causa deste negócio que visa apenas enriquecer os bolsos de alguns, poucos, milionários britânicos, foram relocalizados pelo governo daquele país africano cerca de quinze mil etíopes que viram a sua pobreza extrema ainda mais agravada.
É possível que alguns desses etíopes se vejam obrigados a deixar os seus lares e tenham que emigrar para Londres onde, apesar de escravizados num emprego de merda qualquer, sempre vão arranjando qualquer coisa para comer. É possível também, claro, que um desses etíopes encontre depois no metro um mulherzinha destas, alguém que se irrita com a presença de pessoas doutra cor e se ache no direito de as ofender. É tudo possível...
É claro que esta mulherzinha é mesmo só isso, uma mulherzinha, da mesma forma que eu sou um homenzinho. Temos isso em comum, somos tão insignificantes que a única coisa que nos une é podermo-nos cruzar um dia destes no metro de Londres sem sabermos o que o outro pensa, a não ser que um de nós decida levantar a voz. Eu, ela ou um etíope qualquer...

ver reportagem no The Guardian
opinião n'A Ilusão da Visão

12.07.2011

conversa 1859

Ela - Há homens que não sabem mesmo beijar.
Eu - Há?
Ela - Há. Parecem aspiradores de alta potência.
Eu - É por isso que estás com esses 'chupões' na cara?
Ela - É.

a máquina de fazer pipocas

Ainda não fiz a árvore de Natal e talvez até nem faça. Não gosto que tenham pena de mim, e aquelas bolas e fitas que ficam a colorir a minha casa despovoada fazem-no exactamente por pena. Toma lá um bocadinho de cor nessa tua vida cinzenta, ouço-as pensar quando vou à sala buscar um uísque para voltar imediatamente para o quarto. E ignoro-as da mesma forma que ignoro o olhar dos passageiros do autocarro que me vêem sentar todos os dias num dos cantos lá atrás. Passo pelo meios deles para depois me isolar e, agora que penso nisso, tem sido assim toda a minha vida amorosa.
Talvez eu seja mesmo assim, nem carne nem peixe, como a minha avó costumava dizer. Na verdade, de todas as pessoas que conheço sou a que me conheço pior. Sou capaz de adjectivar toda a gente menos eu próprio. Não é triste, só que também não é alegre. Não é nada. É respirar involuntariamente entre uma casa e um emprego. A minha avó também costumava dizer-me que eu tinha que arranjar uma mulher. Tinha razão, ao mesmo tempo que não tinha. As mulheres não se arranjam. São elas que nos arranjam a nós, homens. Nunca nenhuma me arranjou.
Da janela do meu quarto vejo o mundo. A solidão num muro despenteado por cacos de vidros afiados, numa  cortina que se abre para se fechar imediatamente a seguir, num rapaz de capucho que joga sozinho à bola contra a parede duma garagem e na mulher que já espera pelo mesmo autocarro que eu também vou apanhar daqui a mais uns minutos. Está ali há cerca de meia-hora, a rodar o guarda-chuva de riscas vermelhas e brancas como se fosse a Mary Poppins num cinzento dia de chuva. Faz todos os dias o mesmo, desperdiçando o tempo a colorir uma rua vazia e cinzenta com aquelas cores riscadas.
O uísque promete sempre mais do que dá. Promete afogar a nossa solidão e nunca o faz, por isso é que nunca tenho forças para lavar o copo e agora acumulo mais um no balcão da cozinha. É o décimo, mais copo menos copo, que terei que lavar de enfiada um dia destes, quando já não tiver mais nenhum limpo e seco. Visto o casaco e saio.
Lá está ela, a Mary Poppins, a rodar o guarda-chuva que chuta os pingos de água como se fosse uma máquina de pipocas. Ponho-me a três metros dela para não ser atingido, mas ela dispara algo bem mais potente. Boa tarde, diz. E eu, que não queria que o dia chegasse sequer a conhecer-me a voz, respondo encolhido em mim mesmo. Boa tarde, cuspo. O autocarro também cospe, exactamente com a mesma vontade, dois ou três passageiros pela porta de trás. Eu entro pela da frente e percorro-o para depois me aninhar num dos cantos.
Sinto-lhe o cheiro. A Mary Poppins senta-se perto e estende o guarda-chuva molhado na única cadeira entre nós, virado para mim como se quisesse atingir-me com aquelas cores que violam o cinzentismo pacífico de mais um dia de Dezembro. Que está frio, diz. Que está chuva, diz. Que as nuvens não se vão embora, diz. Diz tudo o que não me interessa a mim nem a ninguém, mas que me obriga a responder com um "hum, hum..." controlado. 
Ela sai, como habitualmente, uma paragem antes da minha. Fico a desejar que amanhã se torne a sentar ao meu lado. Talvez até eu próprio vá mais cedo para baixo e fique a ser bombardeado pela sua máquina de fazer pipocas. Ainda não fiz a árvore de Natal, é verdade, mas talvez a faça um destes dias.

12.06.2011

conversa 1858

Ela - Este ano não vou comprar prendas de Natal a quase ninguém, que não há dinheiro. Compro uma ao meu filho e pouco mais.
Eu - Eu também só vou comprar uma à minha filha e outra à minha namorada. Mais nada. Por um lado até é bom, que é um alívio não ter que andar nas compras.
Ela - Mas às compras eu vou na mesma, que há sempre umas prendas que tenho que dar a mim mesma.

12.02.2011

respostas a perguntas inexistentes (191)

castanhas
Senti a falta de um copo de jeropiga com as catorze castanhas assadas que comprei hoje na rua. É sempre assim: a senhora diz-me que são dois euros a dúzia e depois põe-me catorze num papel de jornal dobrado enquanto se queixa que o negócio vai mal. Hoje perguntei-lhe porque é que não põe o preço de dois euros por cada catorze, já que é o que ela vende de facto e talvez melhorasse o negócio. "Se eu fizesse isso, depois tinha que pôr dezasseis no pacote. É tão desconsolador não levar uma castanhinha a mais...", respondeu.
Gosto mais desta senhora hoje do que ontem, e também gosto mais dela do que das promoções tipo "leve dois, pague um" das grandes superfícies. Esta senhora sabe que a nossa felicidade depende da nossa expectativa, ao contrário de quem vende brindes de plástico em bolas ou pacotes opacos para ninguém ver o que está lá dentro. Os ovos kinder, por exemplo, ou as bolinhas de plástico que se abrem em dois, são máquinas de desiludir crianças. Prometem muito e dão pouco.
O mundo divide-se em dois: os que dão mais do que prometem e os que prometem mais do que dão. Os Amores também. Devíamos todos aprender a prometer menos. E esta é a minha homenagem sincera à senhora das castanhas, pelo mundo, e àquela que eu Amo, pelos Amores.

conversa 1857

Ela - Queria mesmo que esta nova relação me corresse bem...
Eu - Há-de correr, não te preocupes. De qualquer maneira é sempre preciso ter cuidado com a expectativa.
Ela - Com a expectativa?!
Eu - Sim, no princípio é preciso não pôr a expectativa muito alta, para depois não sofrer dissabores amorosos muito grandes.
Ela - Ah! O meu problema se isto correr mal nem é bem o dissabor amoroso.
Eu- Não?
Ela - Não. É que quando estou sozinha passo muito tempo em casa e engordo. Foi o que me aconteceu da última vez que me separei.

respostas a perguntas inexistentes (190)

O que fica por fazer

Às vezes Amar dá-me medo, principalmente quando me despeço de quem Amo e atravesso a rua dizendo-lhe adeus. Fico a vê-la desaparecer na primeira curva e a distância entre nós ganha peso. Ela vai de carro e eu a pé, sempre em direcções opostas. É quando me apercebo que um eventual fim desse Amor seria como uma amputação duma parte qualquer do corpo. Um braço ou uma perna, por exemplo. Seria consistente, seria físico.
Depois caminho contando os passos. É o que eu faço sempre que tenho medo: invento uma coisa inútil para fazer. Da casa dela ao primeiro semáforo são cerca de duzentos e vinte passos, e é nesse semáforo que deixo de os contar. Fico a ver os automóveis impacientes pela mudança de cor e lá dentro só estão pessoas sós. Algumas irão trabalhar, talvez a maior parte, e percebo que a normalidade é afastarmo-nos uns dos outros. Alívio.
Foi com esse alívio que hoje me detive perante o verde para peões e o vermelho para os automóveis. Fiquei a ver a condutora do primeiro carro da longa fila de automóveis que ali se forma de cada vez essa combinação de cores se dá. Fumava um cigarro nervoso, abria a porta do veículo e tornava a fechá-la como se estivesse estragada. Depois direccionou o espelho retrovisor para se pentear com os dedos. Quis acreditar que ela vinha de uma despedida apressada e que por isso ainda tinha tudo por fazer: fumar, fechar a porta e pentear-se.
É isso que é uma despedida entre duas pessoas que se Amam: o Amor e a vida que ficam por fazer. Não é medo. Ainda bem.

não venhas tarde



Quantas vezes fazemos asneiras irreversíveis no Amor? Poucas, porque a irreversibilidade é isso mesmo: basta acontecer uma vez. Se há coisas que quando se partem nunca mais voltam a ser as mesmas, o Amor é definitivamente uma delas, e este fado do Carlos Ramos é genial por causa disso. Porque é fado, e porque sabe que a angústia de quem é esperado é às vezes maior do que a de quem espera. Pelo menos se essa irreversibilidade estiver iminente...

Não venhas tarde,
Dizes-me tu com carinho,
Sem nunca fazer alarde,
Do que me pedes baixinho.

Não venhas tarde,
E eu peço a Deus que no fim,
Teu coração ainda guarde,
Um pouco de Amor por mim.

Tu sabes bem,
Que eu vou para outra mulher,
Que ela me prende também,
Que eu só faço o que ela quer.

Tu estás sentindo,
Que te minto e sou cobarde,
Mas sabes dizer sorrindo,
Meu Amor, não venhas tarde.

Não venhas tarde,
Dizes-me sem azedume,
Quando o teu coração arde,
Na fogueira do ciúme.

Não venhas tarde,
Dizes-me tu da janela,
E eu venho sempre mais tarde,
Porque não sei fugir dela.

Tu sabes bem,
Que eu vou para outra mulher,
Que ela me prende também,
Que eu só faço o que ela quer.

Sem alegria,
Eu confesso, tenho medo,
Que tu me digas um dia,
Meu amor, não venhas cedo.

Por ironia,
Pois nunca sei onde vais,
Que eu chegue cedo algum dia,
E seja tarde de mais.