pensamentos catatónicos (349)
O rapaz caiu no meio da estrada. Estatelou-se no alcatrão ao mesmo tempo
que gritou. Não percebi porquê. À partida não havia nada que o pudesse
fazer cair, mas quando olhei já ele estava no chão, já a mãe corria na
sua direcção deixando um saco de compras pelo caminho, já um carro
travava a fundo para não o atropelar.
Foram dois segundos em que nada mais interessou para aquela gente. Só a vida.
Eu fechei os olhos para não ver, mas ainda vi mais. O
carro não conseguiu parar a tempo e passou por cima do jovem do corpo
do rapaz, que passou a ser cadáver. A mãe ajoelhou-se e abraçou a morte
em silêncio. O condutor deixou-se estar com as mãos no volante e o olhar
no infinito, em estado de choque.
Depois abri os olhos e nada disso
tinha acontecido. O rapaz levantava-se devagar e sacudia a roupa com as
próprias mãos, a mãe apanhava as compras do chão e o automóvel já
passara por mim e desaparecera na primeira curva.
Fiquei parado por
um momento. Os dois passaram por mim e pude reparar na força com que as
mãos de mãe e filho se agarravam. Era a força de quem precisa de agarrar
a vida a si mesmo a acabou de perceber que em alguns momentos não há
força que chegue para o fazer.
Continuei a caminhar. Quando te vir de novo vou-te dar a mão com a mesma força, pensei. Só para que entre nós nada morra hoje.