Mostrar mensagens com a etiqueta férias. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta férias. Mostrar todas as mensagens

11.12.2014

Berlim

Sempre gostei de viajar pelo motivo mais óbvio, que é o prazer que dá conhecer lugares novos. Com a Raquel aprendi que o melhor de viajar não é conhecer esses lugares, mas sim poder partilhá-los com alguém que nos conhece as entranhas.
Dentro daquilo que são as minhas limitações económicas, tenho viajado o mais que posso e consigo. Nestes últimos dias, por exemplo, andei a saltitar por Berlim como se fosse uma criança num parque de diversões. Virava-me para ela e dizia "olha isto!" com o mesmo entusiasmo com que o dizia à minha mãe em criança sempre que ia ao Portugal dos Pequeninos. Levei uma lista com o nome de dezasseis coisas que eu queria mesmo ver naquela cidade. De nenhuma tinha a morada, as coordenadas ou uma referência qualquer. Foi a Raquel que se deu ao trabalho de descobrir onde ficavam todas e de me levar lá em transportes públicos. Numa cidade cuja zona urbana tem quarenta e seis por trinta e oito quilómetros, acreditem que não é fácil.
Às vezes paro num sítio qualquer, como parei num bar duma das grandes avenidas de Berlim, e fico a beber uma cerveja tão lenta quanto um caracol. Não percebo (e isto é a sério!) o que é que uma mulher como ela vê em mim. Encontro-me no papel do Monstro amado pela Bela, no sentido lato da expressão e do contexto, e considero-me um homem com sorte.
Só isso.

4.25.2013

coisas que fascinam (160)

Istambul 

Lembro-me de acordar muito devagar, embalado pelo suave soluçar do comboio que atravessava a Europa, por sentir que alguém tinha entrado no mesmo compartimento onde, até então, eu tinha viajado sozinho. Quando abri os olhos vi uma mulher bonita, de olhos tão azuis como o céu que espreitava pela janela. Lia um livro cujo autor e título eu não conhecia. Estávamos algures na Alemanha, e desejei secretamente que ela se dirigisse para o mesmo e longínquo destino que eu, fosse ele qual fosse.

Lá fora, alguns telhados de casas pontilhavam uma misteriosa floresta densa e escura. De vez em quando, a espaços, algumas pessoas marcavam presença nas janelas ou nos quintais, uma demonstração de que ali existia vida humana. A paisagem, a mim, lembrava-me mais o cenário dum conto fantástico, povoado apenas por bruxas, duendes e espíritos milenares.

Num troço do percurso, sem motivo aparente, o comboio diminuiu bastante a velocidade, e tive a sensação que alguns espantalhos de palha e roupas velhas nos observavam com curiosidade. Entre dois desses espantalhos, uma criança que brincava a alguns metros de dois agricultores levantou-se e disse-nos adeus. Sorri perante aquele gesto, de levantar a mão direita e abaná-la como o pêndulo de um relógio antigo virado ao contrário, por concluir que faz parte duma linguagem universal, comum a quase todo o planeta. Talvez mesmo todo o planeta, pensei. Depois respondi fazendo exactamente o mesmo.

Reparei então que a viajante que entrara no meu compartimento me observava pelo canto do olho, mas quando lhe devolvi o olhar, ela voltou à sua leitura como se nela estivesse muito compenetrada. Aproveitei esse momento para a analisar ao pormenor. Tinha uma face bastante magra e o queixo saliente, supostamente capaz de fazer um sorriso bonito que eu não cheguei a conseguir ver. Era loira, ancas relativamente largas e oprimidas por umas calças pretas demasiado apertadas.

Por qualquer motivo que não percebi, fiquei com uma vontade enorme de falar com ela, de a conhecer, de saber de onde vinha, para onde ia e o que pensava do mundo. Levantei-me instantaneamente e tirei da mochila um termo de café quente que uma amiga me tinha oferecido em Paris, ao qual era possível subtrair duas canecas de plástico, e servi-me duma chávena fumegante. Depois, assim como quem não quer a coisa, perguntei-lhe em inglês se era servida. Para meu espanto ela disse que sim.

Era russa e viajava para a Ucrânia. Tinha saído nessa manhã de Lille, em França, e ia encontrar-se com a namorada em Kiev. Tinha medo de andar de avião, confessou antes de me começar a fazer perguntas sobre mim.
Tem que haver qualquer coisa de muito especial entre algumas pessoas, pensei eu, para que nos interessemos por trivialidades referentes a pessoas que acabámos de conhecer. E há mesmo. Apesar de eu nunca ter visto aquela mulher antes, era genuíno o meu interesse pela origem e passado dela.

Expliquei-lhe que vinha de Paris, onde tinha estado três dias, e não sabia para onde ia. No entanto, com alguma sorte talvez acabasse em Istambul dentro de um dia ou dois. Era verdade que nessa viagem eu não sabia para onde ia. Sabia apenas que quando aquele comboio chegasse ao seu destino, na Áustria, eu procuraria imediatamente outro para outro sítio qualquer. Istambul era apenas uma das cidades que eu mais queria conhecer, e portanto um dos possíveis destinos para quem se podia dar ao luxo de simplesmente mudar de direcção em qualquer momento.

- Vais ter com alguém? - Perguntou-me ela.
- Não. Estou a viajar sozinho.
- Não se deve ir a Istambul sozinho. É uma boa cidade para quando estamos apaixonados.

Não percebendo muito bem porque é que ela me disse aquilo, acredito que tenha sido o motivo para eu não ter lá ido. De certa forma, acreditei que o que podia ganhar ao visitar Istambul, poderia perder no exacto momento em que me visse sozinho e, portanto, sem ninguém para partilhar a experiência. 

Passaram-se anos desde então, e nunca cheguei a visitar aquela cidade dos meus sonhos. Vou fazê-lo amanhã e durante a próxima semana, porque neste momento me encontro nas condições definidas por essa efémera companhia de viagem há muitos anos atrás.

Depois de todo este tempo, se algum dia a encontrar por aí, num dos escaninhos deste planeta, tenho a certeza que a poderei identificar pelo queixo. Talvez lhe agradeça o conselho. Talvez a veja sorrir. Talvez até lhe diga que já estou em condições de visitar Istambul.

9.30.2012

red light

A minha vida, tal como a de mais alguns milhões de portugueses, está a mudar. Estou em vias de perder o meu emprego num processo que se adivinha confuso e demorado. Na verdade, e por agora, nem me apetece muito falar sobre isso. Apetece-me é dizer que acredito que é nos momentos mais difíceis da vida que se encontram as melhores pessoas à nossa volta. Este fim de semana a Raquel, uma dessas pessoas mas que tem a singularidade de ser a minha namorada, pegou em mim e levou-me para a Holanda. O objectivo era desanuviar. Desanuviei.
Por vários motivos conhecidos e mais alguns desconhecidos, a Holanda é provavelmente o país mais diferente que podemos encontrar dentro da União Europeia. É possível fumar brocas em qualquer coffee shop sem ter a polícia a tomar conta da ocorrência, o comércio não aceita as moedas pretas de cêntimos em nenhuma situação, a bicicleta é um meio de transporte realmente popular, a paisagem é praticamente toda plana e,no centro de Amsterdão, as mulheres vendem o corpo em montras de lojas como se fossem carne no talho. E é desta última diferença que me apetece falar.
Em primeiro lugar, não pertenço ao grupo de líricos que acredita que a prostituição pode ter um fim. De resto, acho que é um direito de qualquer pessoa ganhar a vida a vender sexo, se for o que realmente lhe apetece fazer. O meu problema é que não acredito que a maior parte das mulheres que o faz, o faça por opção. Amsterdão, ao contrário do que se ouve de vez em quando, não é excepção.
A Red Light surgiu na cidade como uma barreira física para suster os ímpetos mais violentos dos marinheiros que atracavam no histórico porto da cidade e que, desta forma, não precisavam de entrar muito mais na cidade. As prostitutas de Amsterdão começaram por ser, assim, uma espécie de garantia de manutenção da paz urbana da urbe.
O negócio foi-se desenvolvendo e os interesses à sua volta também. Hoje em dia não é preciso ter muitas conversas com holandeses para perceber que a legalização da coisa não melhorou em muito a vida das prostitutas. É verdade que têm um seguro de saúde e pagam impostos, aspectos com os quais concordo, mas também é verdade que são exploradas por uma longa fila de interesses sem fim. Proxenetas e proprietários dos imóveis em primeiro lugar.
Além disso, e desculpem-me os adeptos da mulher na montra, eu acho que esta maneira de vender sexo é uma forma de humilhação pública, e só por aí não a considero uma alternativa política ao véu que se estende, por exemplo no nosso país sobre o negócio.
Tenho dito.

8.03.2012

férias

Vou sair daqui a pouco de Aveiro em direcção a um lugar qualquer que ainda não sei qual é. Nem eu nem os que vão comigo, a Raquel e os "nossos" filhos. A única certeza que tenho é que na próxima semana andarei pelo Algarve.
Não levo muita vontade de ligar o computador, sinceramente. Por isso não sei quando cá voltarei. Talvez para a semana também... 

6.18.2012

Barcelona

Conhecer cidades é um dos meus passatempos preferidos. Tentar perceber, através dum mapa, em que coordenadas da selva urbana me encontro e depois percorrê-la a pé ou de autocarro o mais possível. De vez em quando entrar num bar, num mercado ou numa feira e beber um copo como quem o faz todos os dias. Como se fosse dali, digo. Às vezes, se por acaso calhar, dar dois dedos de conversa com um estranho e depois seguir o mesmo caminho que nunca me leva a lado nenhum.
Sempre preferi fazê-lo sozinho, conhecer cidades, até o experimentar com a Raquel. Neste aspecto ela é igualzinha a mim. A primeira vez que saí do país com ela percebi que raramente, ou nunca mesmo, parávamos para decidir se virávamos à esquerda ou à direita. É como se os dois fôssemos dali e já soubéssemos para onde ir. Antes disso nunca tinha ido a Dublin. Depois disso percebi que poder partilhar aquilo que se conhece de novo é mil vezes melhor do que andar sozinho.
"Epá! Olha para isto!" é, por exemplo, uma óptima coisa para se dizer a quem está a conhecer uma cidade connosco. É uma sensação única, um momento que fica gravado. Tenho, por exemplo, uma joaninha mecânica que a Raquel me ofereceu depois de, na cidade de Praga, eu lhe ter dito: "Epá! Olha para esta joaninha. Parece um brinquedo dos nossos avós". Ainda hoje lhe dei corda e fiquei a vê-la a tentar subir o tapete da sala. Não conseguiu, apesar dos meus incentivos.
As cidades não são apenas ruas, museus, jardins, comércio e edifícios de habitação. Muito mais importante do que isso são as pessoas todas através das quais elas respiram. As pessoas que circulam nas artérias são, assim, o sangue de qualquer cidade, e é por elas que sou capaz de me apaixonar ou não.
Em Portugal também temos cidades boas de conhecer desta maneira, com a vantagem (e desvantagem) de que nelas não parecemos estrangeiros. Às vezes meto-me no carro e só paro onde e quando me der na telha. Meto conversa com uma cidade e depois volto para casa. Foi assim que me apercebi que elas são como as mulheres. Não há nenhuma que não tenha qualquer coisa de que se goste muito, não há nenhuma onde as estradas não se cruzem e nos façam hesitar na direcção a tomar. Conhecê-las é sempre bom.
Uma das cidades a que já voltei várias vezes, porque nela e por ela me apaixonei várias vezes também, é Barcelona. De tal forma que não gosto de pensar que vou ficar muito tempo sem lá ir. Primeiro comecei por ir lá sozinho, entretanto já lá fui com a Raquel, amanhã vou lá com a minha mãe e a minha filha. É como se estivesse a apresentar uma namorada a todas as pessoas de quem gosto. Espero que ela nos receba bem.

Boa semana!

2.22.2012

mindelo

mindelo

Numa rua qualquer do Mindelo vou dando pontapés no que sobrou da noite anterior. Alguns copos de plástico e lixo indecifrável que o vento tenta limpar com insucesso. Sei que passei por aqui ontem mesmo, pela confusão do Carnaval Popular. É que por aqui existem dois tipos de Carnaval, um organizado e a fazer lembrar o Brasil, outro que lembra o fim do mundo, como se todos saíssem à rua para aproveitar os últimos dias de vida.
Foi nesse fim do mundo que uma mulher me tentou beijar à força, que um local me mandou voltar para a minha terra  e fez questão de me dizer que odeia os portugueses de merda, que outro me abraçou e insistiu que era o meu melhor amigo. Os sentimentos contrários misturaram-se nesse cocktail de grogue, mãos que pediam e que davam, olhares furtivos que fui tentando entender.
Numa rua qualquer do Mindelo vou dando pontapés no que sobrou da noite anterior. Reparo num resto de pano verde que adormeceu abraçado ao tronco duma árvore e lembro-me de o ter visto a vestir uma mulher de cujos olhos não me esquecerei. É da cristalização dessas lembranças frugais que se alimentará a minha memória desta terra. Delas, da simpatia quente da maior parte dos caboverdianos, e de ter aqui estado tão apaixonado como nunca pela mulher da minha vida, porque o Amor é sempre o ingrediente principal de qualquer viagem. Aqui, como noutro sítio qualquer.

Ilda d'Cais

Conheci a Ilda d'Cais, uma senhora que imediatamente me convidou para jantar cachupa em casa dela e da sua família numerosa. A porta da casa está sempre aberta, para que qualquer um dos seus ainda mais numerosos amigos possa entrar e sair a qualquer altura.
Ter sempre a porta aberta é uma demonstração de Amor. E eu, que não consigo ser como esta senhora, percebi que ela sente por todos aquilo que eu sinto apenas por quem Amo. Se não na forma, pelo menos na intensidade. Agradeço-lhe a lição.

2.16.2012

cabo verde



Cabo Verde é um dos países que eu sempre quis visitar. Nunca o fiz. Nos momentos em que tive dinheiro para o fazer nunca tive tempo, nos momentos em que tive tempo nunca tive dinheiro. Cheguei assim aos quarenta anos, com essa pequena parte do mundo a revelar-se como uma grande falha da minha vida.
Vou lá amanhã, e o que mais me atrai nesta viagem acaba por não ser o país em si, mas sim o facto de lá ir com a Raquel. Por estes dias prefiro ir com ela seja onde for do que ir sozinho a um sítio ainda melhor. Acho que o Amor é a única variável que consegue pôr as coisas neste termos, e de repente faz sentido eu nunca ter ido ao país que tem a melhor música do mundo.
A propósito, durante a próxima semana não sei como vai ser o meu acesso à net, mas garanto que se puder venho aqui actualizar o blogue, mesmo que a resposta personalizada aos comentários não possa ser feita.

9.07.2011

OsLove

Gosto que a Raquel me pergunte sobre o futuro. Preciso que a Raquel me pergunte sobre o futuro. Hoje quero ter a certeza que amanhã vou estar com ela. É isso o Amor. É isso uma viagem, seja a Oslo ou a uma vida inteira.
Desembrulhei este fim de semana a prenda que ela me deu quando fiz quarenta anos. A vantagem de se receber uma viagem é que, apesar de já sabermos o que é, não sabemos o que está lá dentro. As cidades são assim, primeiro são vistas por fora e depois vão-se revelando por dentro a pouco e pouco. Como uma prenda, como uma mulher, como todos nós. À medida que as penetramos.
O resto é uma questão de pele. E de repente somos só nós, eu e a Raquel numa cidade que nos é estranha e que nos estranha. E é tão bom ser estranho quando se Ama alguém. Ficamos sós no meio de tudo e de todos. Um eléctrico que calcorreia triste a cidade, um bêbado que tenta manter em pé o que lhe resta de dignidade, uma criança que me pede para lhe passar uma bola de futebol ou um segurança que nos explica que um museu está fechado ao público. Ninguém sabe que a cidade nos vai sorrindo em segredo. Ainda bem. Sou só eu e a Raquel. Depois há os outros. Os outros.
Escolhe três museus, diz ela. E eu escolho. É uma certeza para o nosso futuro próximo. Sorrio. O das Forças Armadas, o dos barcos Viking e a Galeria Nacional de Arte. Ela acrescenta o museu do Munch, o Kon-Tiki, o Parque Vigeland e o IceBar. Vamos a todos menos ao do Munch, o tal que estava fechado. Entre as visitas dividimos umas sandes, uma garrafa de água e alguma fruta que comprámos num supermercado. Digo-lhe que a Amo uma vez mas penso-o centenas. Talvez milhares ou, de facto, só uma. Uma que se prolonga por cada dia inteiro. Depois cai a noite.
Subimos ao telhado da Ópera House, ao futuro do que foi o nosso dia. A nossa comida dividida, as nossas mãos dadas. Ainda cá estamos. Oslo também. Amanhã acordamos juntos.

8.19.2011

o ponto zero

Conheci a Raquel num mês de Novembro. Gostei dela. Costuma ser sempre assim quando nos apaixonamos. Conhecemos alguém e gostamos. É só isso e não tem muito mais que dizer. Esse é o princípio ou, se lhe preferirem chamar assim, o ponto zero.
Fui com a Raquel pela primeira vez à praia em Junho do ano seguinte. Esticámos as toalhas e automaticamente começámos os dois a limpar as beatas escondidas na areia. Os dois odiamos beatas na areia e isso foi apenas mais uma das coisas que nos uniu depois do ponto zero. O ponto zero é importante porque acontece, mas tem o valor zero se a seguir não houver mais nada.
Todos os anos, numa acção que consideramos pedagógica, pedimos aos nossos filhos que limpem uma área da praia onde estamos e coloquem no lixo todas as beatas que encontrarem. É pedagógico porque os ensina que o pouco lixo que nós fazemos é essencial para o muito lixo que existe, e é pedagógico porque lhes ensina que podemos fazer alguma coisa por nós... e pelos outros. Hoje, por exemplo, apanhámos dois montes iguais a este só na zona das nossas toalhas.
As praias portuguesas de norte a sul estão cheias de lixo, principalmente beatas, porque o país também está cheio de ignorância. Quem deita uma beata na areia não se apercebe que está a contribuir para um problema ambiental grave. É que para além do nojo em si, a decomposição de um cigarro deixa vários metais pesados que contaminam o solo e a água.
Há um ponto zero que nos une a todos nós, aqueles que como eu não conseguem viver sem ir à praia. Devíamos ter alguma coisa a seguir a isso, tipo deixá-la exactamente como a encontramos. Mas não temos. É uma pena.

8.17.2011

férias II

É na férias que nos apercebemos que há muito tempo que o silêncio nos abandonou, e que vivemos constantemente ao lado do ruído. Não estou a falar apenas do ruído sonoro, embora também, mas sim de todo o tipo de ruído. O ruído de ter um comboio para apanhar, um trabalho para acabar ou uma hora para acordar. Há sempre qualquer coisa entre nós e o mundo, qualquer coisa que não nos deixa aproveitá-lo. De tal forma que já nem nos apercebemos disso.
O ruído da vida é muito parecido com o ruído do Amor. Aquele ruído que nos faz esquecer da importância da pessoa que está ao nosso lado, aquela que divide a vida connosco. Quando nos deixamos de aperceber que o ruído é isso mesmo, apenas um ruído, e ele passa a fazer parte da nossa normalidade, passa a estar sempre entre nós e o... Amor.
É assim, com ruído, que uma vida inteira pode passar sem ser vivida. É assim, com ruído, que um Amor grande pode passar sem ser Amado. É o pior e o mais injusto que nos pode acontecer, e só por isso já devia ser obrigatório haver uma regulamentação do trabalho para que todas as pessoas, sem excepção, tivessem direito a intercalar o trabalho consigo mesmas.

8.15.2011

férias

Podermos usufruir do nosso próprio tempo não é um luxo, é o que devia ser normal. Mas não é. Infelizmente, e sublinho o advérbio infelizmente, a maior parte dos portugueses já nem sabe o que é isso de poder ter algum tempo só para si. Eu ainda tenho de vez em quando. Chamo-lhe férias, e é um período em que, podendo disponibilizar o meu tempo da maneira que mais gosto, disponibilizo-o o mais possível à minha filha, aos meus enteados e à minha companheira.
Entrei hoje oficialmente de férias e vou descer o país até ao Algarve agora mesmo. Como este tempo é o meu tempo virei com menos regularidade à internet. Mas virei na mesma. Pelo menos uma vez por dia, para que uma parte do meu tempo seja também daqueles que aqui vêm de vez em quando e que, ao fim e ao cabo, também são importantes para mim.

6.26.2011

Fedoua e Imran

Uma marroquina que nunca se achou bonita abriu-me a porta de casa. Escondia o seu corpo dentro da roupa larga, de um lenço no cabelo, do nó cego dos seus braços e por trás de palavras que a mascaravam de sorrisos ténues. A sua arma são os olhos, grandes e negros, que se movem para qualquer lugar onde surja ruído com a astúcia felina que até hoje só conheci em mulheres. Quando não há ruído, as íris atravessam-nos de um lado ao outro do corpo, despindo-nos a alma e revelando o que pensamos. E foi assim que ela me adivinhou, fechando ainda mais os braços de forma a esconder os seios. Para mim, por trás de uns braços em nó cego há sempre uma amargura qualquer.
A Raquel sorriu-lhe, como se um sorriso pudesse ser uma primeira ponte entre duas pessoas. E pode mesmo, pelo menos às vezes. A casa é uma mistura de aguarelas negras e das suas cores cativas, e eu dei um passo atrás escondendo-me numa mancha de negritude da mesma forma que um camaleão se esconde mudando a cor da pele. Mantive-me assim enquanto elas falavam sem eu entender o que diziam e até ela desfazer o seu nó. Quando o fez, o seu primeiro gesto com a mão direita foi pedir-me para me aproximar. E foi assim que conheci Fedoua, uma mulher que não se acha bonita.
Foi ela quem me disse, num tom de voz que eu entendi como se fosse um aviso, que uma grande parte da população de Marrocos olharia para mim e para a Raquel como se fossemos uma nascente de dinheiro. E avisou bem. Esse é, aliás, o lado mais feio do país, porque a busca do dinheiro dos turistas se disfarça duma simpatia e afabilidade hipócritas. Nas medinas de Fès e de Marraquexe, o que não falta são pessoas que acham que tudo tem um preço, até a simples indicação de um lugar. Entre muitos exemplos, um rapaz ofereceu-se para nos levar ao palácio Al Badi e fez com que nos perdêssemos naquele formigueiro excitado que é a cidade. Depois pediu-nos dinheiro para nos tirar dali. No nosso caso teve azar, que o mandei em bom português ir à mãe dele e saí dali sozinho, mas é nitidamente alguém habituado a ter sucesso a enganar estrangeiros. Exemplos deste sucedem-se minuto a minuto, e quem lá for tem que ir preparado para isso. Mas é injusto dizer que Marrocos é só isso, principalmente para os que não são isso.
Visitei Fès e Marraquexe (com passagens por Tanger, Rabat e Casablanca). Fès é sem dúvida a cidade mais interessante, tanto por ter poucos turistas como por ter a maior medina do norte de África (6000 quilómetros num labirinto medieval incrível), mas dentro dessa magia medieval está o choque cultural. Eu não acho que tudo deva ser aceite por questões culturais, e não gosto de ver cidades onde milhares de pessoas são anuladas perante a sociedade apenas por uma questão de género. Resumindo, não gosto de ver mulheres tapadas com temperaturas acima dos quarenta graus nem gosto do véu islâmico. Fedoua também não gosta, mas abana os ombros quando discutimos o assunto como se não encontrasse de facto uma explicação para o assunto.
A explicação encontrei-a em Imran, um amigo muçulmano que me recebeu com muito boa vontade em Casablanca. Concorda que as mulheres andem tapadas para que a sua beleza pertença apenas ao marido, acha que eu sou um homem muito bom porque aceitei namorar uma mulher divorciada (o facto de eu ser um homem divorciado já não lhe faz confusão nenhuma), segundo ele com pouco valor mesmo por isso, e que ainda por cima trabalha e quer ser financeiramente independente. Imran interrompeu uma tarde de praia para nos ir buscar à estação Casa Voyageurs, mostrou-nos quase toda a cidade no pouco tempo que tínhamos para a visitar, deu-nos dormida e comida nas suas modestas instalações e ainda nos pediu desculpa por não ter melhor. É das melhores pessoas que já conheci na vida, mas... e há sempre um "mas".
Visitei Fès, Rabat, Casablanca e Marraquexe. Marrocos é provavelmente uma das viagens mais fascinantes que já fiz e mesmo assim um país onde eu não queria viver.

6.19.2011

marrocos

Tenho viajado o mais possível com a Raquel, e comecei a fazê-lo pouco tempo depois de a conhecer. Por Portugal, pela Europa e por nós. Viajar é uma forma de fazer alguma coisa pela primeira vez com alguém, e o Amor está sempre a pedir primeiras vezes. É que sendo a primeira vez que se está num sítio com alguém, esse sítio passa a ser dos dois. Só.
Os sítios que visitamos têm essa capacidade de marcar um Amor como se marca um animal com um ferro em brasa. Para sempre. É por isso que quando se regressa a um local onde já se foi feliz com alguém, é mais desse alguém que nos lembramos do que do local em si.
Esta semana vou marcar a quente mais uma página da minha/nossa vida, já que é a primeira vez que vou andar por Marrocos. Regressarei apenas no próximo domingo e, como não levo o computador, a actualização deste blogue estará dependente das ligações à net que eu conseguir encontrar. Não conto, como é óbvio, passar muito tempo em frente a nenhum computador, mas se puder venho aqui dizer olá.

8.11.2010

camping

Disse adeus ao Algarve e deixei-me de hotéis. Agora ando em parques de campismo onde, por razões óbvias, o acesso à net é muito mais raro e difícil. Se tiver oportunidade passarei por aqui, senão... até segunda. :)

8.03.2010

allgarve

Lembro-me de em criança passar férias no Algarve com os meus pais. Agora sou eu que, com a minha companheira, trago os putos todos os anos ao Algarve. Tenho a certeza que eles também não se esquecerão destes dias.

Entre uma piscina fenomenal e uma praia ainda melhor, a sério que não me importava nada de viver aqui, entre Lagos, Alvor e Portimão. 
Isto tudo para explicar porque é que tenho vindo menos aqui...

6.17.2010

Veneza

Dizem que se deve viajar com a pessoa que amamos para a conhecer melhor, a ela e à compatibilidade entre ambos. Concordo com a análise. Conhecer uma cidade nova é como conhecer uma pessoa. Primeiro temos uma impressão geral, depois vamos passando das praças às ruas e das ruas às vielas, até que finalmente acabamos a provar os sabores dessa cidade num botequim qualquer. Nada como, portanto, fazer as duas coisas ao mesmo tempo: conhecer a pessoa e a cidade.
Não me lembro de ter gostado tanto de conhecer uma cidade como Veneza. Não só por ser, como todos sabem, uma das cidades mais bonitas do mundo, mas precisamente porque é uma cidade que se deve conhecer devagar. Do Grande Canal e da Praça de São Marcos é preciso passar às ruas mais pequenas, aquelas que não têm turistas mas onde a vida veneziana corre a um ritmo muito próprio.
É que Veneza engana. O amor não está numa gôndola com um gondoleiro a cantar "Amore Mio", não está nas máscaras de Carnaval made in China que se vendem na ponte de Rialto nem está na música das esplanadas para turistas. Está no fim duma viela pequena que não tem saída a não ser para o mar adriático. Foi até aí que fui, conhecendo cada vez mais a cidade... e a pessoa.

8.12.2009

enquanto ainda tenho uma réstia de bateria no portátil...

Enquanto ainda tenho uma réstia de bateria no portátil aproveito para dizer qualquer coisa...
Depois de uma semana no Algarve, subi o calor do país e instalei-me hoje num parque de campismo em São Pedro do Sul. Este blogue tem estado um bocado parado por causa das férias mas, na verdade, acho que só me faz bem. Às vezes é mesmo bom parar um bocado com a rotina.
Por falar em rotina, acho que nesta semana no Sul me apercebi de como os filhos, ao contrário do que diz o senso comum, nem sempre servem para fortalecer relações. Às vezes enfraquecem-nas. É que as crianças têm o dom de conseguir que os pais, padrastos ou madrastas, tenham muito menos tempo e disponibilidade um para o outro. Para além da constante gritaria entre os putos, há a permanente atenção ao que comem, como dormem, como se portam nas ondas do mar, etc, etc. De repente percebemos que não estamos a dar atenção nenhuma à nossa namorada e que, mesmo sem o percebermos, há uma imperceptível carência de parte a parte que se pode transformar em má disposição.
É verdade que a relação entre um pai e um filho é fortíssima, mas também é verdade que às vezes é bom ter algum tempo só para a pessoa que amamos. A bem da nossa saúde mental. E por falar em saúde mental, a minha filha anda ali com uma lanterna entre as árvores do parque de campismo à procura de girafas e de leões. É melhor eu ir ajudá-la até porque segunda-feira volto ao trabalho...

6.15.2009

se Praga e Dublin fossem mulheres


ponte e cidade ao fundo, Praga-República Checa, junho 2009

Se Praga e Dublin fossem mulheres, acho que gostaria de Praga para um engate numa sexta-feira à noite e de Dublin para namorada. Praga continua bonita e jovial como na última vez que lá fui, há catorze anos, mas a simpatia não grassa por ali. Dublin é uma cidade suja e despenteada mas sempre com um sorriso no fim da cada conversa. Com Praga apetece ter uma noite de sexo intenso e depois partir para lugar incerto enquanto ela ainda está a dormir, com Dublin apetece adormecer e acordar, adormecer e acordar, adormecer e acordar...


temple bar, Dublin-Irlanda, junho 2009

9.29.2008

o décimo trabalho do Bagaço... ir ao baño...


Hércules, Corunha, Setembro 2008

Eu não sabia, mas o décimo dos doze trabalhos de Astérix Hércules foi ali para os lados da Corunha, onde passei este fim de semana. Diz a lenda que Hércules libertou aquelas terras do domínio do gigante Gérion após três dias de intensa luta, e que ali mandou construir uma torre e povoar uma grande cidade.
Hércules até pode ter sofrido nessa luta mas eu garanto que sofri muito mais. A quantidade de mulheres bonitas que frequenta aquela noite galega é impressionante. Tive, portanto, uma espécie de décimo trabalho do Bagaço Amarelo quando, num dos muitos bares daquela cidade, vi a provavelmente mais bonita mulher do mundo, passando devagar entre a multidão. Bebi a cerveja que tinha na mão de penalti e pedi um uísque (para ganhar coragem) que também bebi de penalti. Desmarquei-me discretamente do meu grupo de amigos e fui ter com ela. Quando estava quase a perguntar-lhe se lhe podia oferecer uma bebida vi uma mão abraçar-lhe a cintura. Era o namorado dela, que se não era do tamanho de Gérion pouco faltava. A minha aproximação, no entanto fez-se notar, e ambos olharam para mim. Ora bem... tendo em conta que não tenho propriamente a coragem de Hércules, perguntei só: "Sabes dónde está el baño?" e lá fui eu... ao banõ...
De resto, apenas quatro considerações mais sobre a Corunha:

1] A Praça de Portugal é muito maior do que a Praça de Espanha.
2] Os espanhóis, afinal, não estão sempre aos gritos como uns histéricos que meteram LSD. É só quando vêm passar férias a Portugal.
3] A Corunha é uma cidade com alguma coisa do Porto, mas sem os arrumadores de carros completamente enfarinhados e sem cotas a cuspir para o chão de cinco em cinco segundos.
4] A percentagem de mulheres bonitas a sair à noite é muito maior na Corunha que em qualquer cidade portuguesa que eu conheça.

8.26.2008

sermões a todo o rebanho

Fazer férias com a minha filha tornou-se revelador. Os miúdos têm uma tendência natural para reparar naquilo que nos passa ao lado e, no mesmo dia em que eu lia no Jornal de Notícias uma reportagem sobre divórcios em Portugal, a minha filha dizia-me que estavam muitas mulheres sozinhas com os filhos a acampar no mesmo parque que nós. E estavam. Ela tem pressa que eu arranje uma namorada. Eu, na verdade, tenho cada vez menos pressa.
A reportagem do Jornal de Notícias, da autoria da jornalista Catarina Ferreira, fala da estatística habitual: dos casamentos celebrados actualmente na UE, 48% acabam em divórcio. No entanto, o que mais me impressionou foi mesmo uma reportagem sobre os que se casam e divorciam ainda antes dos trinta. Não por causa do divórcio em si mas porque, pelos relatos de alguns intervenientes, percebe-se que é fácil acreditar-se que se conhece uma pessoa que, de facto, não se conhece.
Mas não reparando só em pessoas que fazem férias "sós", a minha filha reparou ainda na forma como alguns casais massacravam os filhos com um constante sermão. Mais uma vez tinha razão. Um homem e uma mulher acampados perto de nós não conseguiam ter uma conversa normal. Gastavam o tempo todo a repreender os filhos por coisas triviais tipo a forma como tinham o chapéu colocado, comerem uma bolacha antes do almoço ou afastarem-se mais de cinco metros da tenda. Não são más pessoas, expliquei eu à minha filha, são apenas pessoas muito cansadas. Se calhar deviam divorciar-se também, respondeu ela. Talvez, sei lá.
De qualquer maneira fiquem descansados os que se divorciam. A Igreja Católica tem adoptado uma nova postura: as pessoas, por serem divorciadas, já não são excomungadas. Fico muito mais descansado.