12.25.2013

conversa 2060

(no café) 

Ela - Achas que eu falo demais?
Eu - Não, mas porquê?
Ela - O meu marido está sempre a dizer-me que eu falo demais.
Eu - Que falas demais ou que falas muito? Uma coisa é falar demais, outra é falar muito.
Ela - Ele diz que falo demais...
Eu - Tens que lhe perguntar porquê, então. Falar demais tem a ver com qualquer coisa inconveniente que disseste.
Ela - Pois...

 (cinco minutos depois)

Ela - Achas que falo muito?
Eu - Não, mas porquê?
Ela - Há bocado referiste que, em vez de eu falar demais, podia falar muito.
Eu - Foi só como termo comparativo.
Ela - Ah! Ainda bem. Não importo de falar demais, mas não queria que me dissessem que eu falo muito.
Eu - Bem... eu prefiro uma pessoa que fala muito a uma que fala demais.
Ela - Pois, mas o meu marido é mais importante do que tu e acho que ele não gosta de mulheres que falam muito.
Eu - Porque é que dizes isso?
Ela - Eu, às vezes, falo durante o sexo e ele está sempre a mandar-me calar. Às vezes até com palmadas no rabo.
Eu - Por exemplo, talvez isso seja falar demais.
Ela - Já não percebo nada.
Eu - Deixa lá. Esquece isso por agora.

12.20.2013

conversa 2059

(nas escadas do meu prédio)

Eu - Vamos pelas escadas.
Ela - Porquê?
Eu - Eu vou sempre pelas escadas por uma questão de método. Faço mais exercício e poupo electricidade ao condomínio.
Ela - Eu tenho que ir de elevador por uma questão de método também. O teu elevador tem espelho e eu gosto de me ver ao espelho.

12.19.2013

coisas que fascinam (164)

coisas estranhas nos dias normais

Acontecem coisas estranhas nos dias normais. Nenhuma dessas coisas é igual a outra, mas nunca damos por elas porque acontecem regularmente. É isso que as torna iguais, apesar de diferentes. Uma vez por outra, muito raramente, numa dessas coisas surge um pequeno rasgo de Amor, assim como um passageiro desconhecido que sai do comboio num apeadeiro qualquer à procura de aventura.

Numa estação do metro do Porto, num dia em que o céu se assemelhava a uma cinzenta aguarela infantil, uma mulher dividiu o guarda-chuva dela comigo. Ficou ali a segurá-lo, protegendo-me da água que ia caindo, como se isso fosse a coisa mais natural deste mundo. Mas não era. A normalidade depende da estatística e eu não via mais ninguém a dividir o guarda-chuva com um estranho. Esse dia foi hoje.
Ela não disse nada. Nem sequer uma palavra. Eu só disse uma. Obrigado. Depois vi-a sair em Campanhã e entrar no comboio para Braga, enquanto eu me dirigia para a linha seis onde me esperava o comboio para Aveiro. Provavelmente nunca mais a vejo. De certeza que nunca mais a esqueço.

É no comboio que escrevo estas linhas. Sentei-me à frente dum casal. Ele dormia com a cabeça pousada no ombro dela, enquanto ela olhava pela janela como se analisasse ao pormenor uma pintura qualquer. Os nossos olhares encontraram-se por uma pequena fracção de segundo, como se fossem duas borboletas num voo tonto, para logo a seguir pousarem em pontos distantes.
Ela acabou por sair na estação de Esmoriz. Primeiro afastou-lhe cuidadosamente a cabeça e pousou-a para trás, como se estivesse a mudar de sítio uma frágil peça de louça. Depois levantou-se e saiu em silêncio enquanto ele lhe pediu desculpa, ainda estremunhado. Afinal não eram um casal. Não se conheciam de lado nenhum, mas ele adormecera no ombro dela e ela deixara-se estar ali, tão quieta como uma fêmea leoa que protege uma cria de cordeiro.

Acontecem coisas estranhas nos dias normais. Uma das coisas mais estranhas que me acontece a mim é quase nunca dar por elas. Se desse, se eu fosse capaz de reparar todos os dias nas mulheres que têm a coragem de salvar o dia de um homem, tenho a certeza que os meus dias seriam diferentes. Mais estranhos e mais normais. Certamente melhores.

12.18.2013

ford figo


A Ford pediu imediatamente desculpa por esta publicidade, colocada na net pela agência publicitária JWT Índia, que mostra Sílvio Berlusconi num Ford Figo cheio de mulheres atadas na bagageira. Este anúncio misógino foi, segundo a marca, feito sem a intenção de ser tornado público. A minha pergunta é: "Então estavam só a curtir?"

conversa 2058

Ela - Detesto homens incapazes de ter discussões com mulheres.
Eu - Todos os homens são capazes de ter discussões com as mulheres.
Ela - O meu marido não é.
Eu - Olha que é. Pode é ter chegado à conclusão que não vale a pena discutir contigo. Aliás, pelo que eu conheço de ti, não vale mesmo a pena discutir contigo.
Ela - Não vale a pena discutir comigo?!
Eu  - Não, não vale. Nunca dás o braço a torcer, mesmo que seja óbvio que não tens razão.
Ela - Mesmo que isso seja verdade, prefiro que ele discuta.
Eu - Mas para que é que ele vai discutir contigo, se sabe que não vale a pena?
Ela - Para isso mesmo, para discutir.

12.17.2013

respostas a perguntas inexistentes (269)

Nenhum Amor se confirma por palavras. Estas, o máximo que podem conseguir, é confirmar a falta dele. Quando alguém diz que odeia outra pessoa, normalmente está a falar a sério. Já o mesmo não acontece quando se diz que se Ama.
Não faz mal nenhum. Sobra-nos o corpo. É o corpo que nos prova que alguém está, ou não, apaixonado por nós. Sem a demonstração do corpo não há semântica que salve um Amor. Sem o toque duma mão suada, sem um olhar trémulo ou de um abraço prolongado, a palavra Amor é incapaz de se vender.
Dizem que um casamento entre duas pessoas acaba quando os seus corpos se afastam e o toque dá lugar às palavras, sejam elas de angústia ou de paixão. É verdade. Dizer que se Ama alguém é apenas a cobertura do bolo. O bolo em si é o corpo.

12.16.2013

conversa 2057

Ela - Ando a precisar de um Amor de baixa intensidade.
Eu - De baixa intensidade?!
Ela - Sim, claro. Preciso apaixonar-me por alguém, mas só um bocadinho.
Eu - É das coisas mais estranhas que já ouvi.
Ela - Quando me apaixono muito fico fragilizada. Se me apaixonar só um bocadinho, sou eu que mando na relação.

12.13.2013

Reportório Osório



Os sortudos da zona de Lisboa podem ir amanhã, à meia-noite, à Fábrica do Braço de Prata ver e ouvir Reportório Osório. No fundo, é uma oportunidade para assistir, numa só noite, a uma nova epopeia épica, desta vez sobre a condição do género mais sofredor de todos da espécie humana: o masculino.
Enquanto um homem sofre, uma mulher toca acordeão. Por qualquer motivo de que agora não me apetece falar, é-me fácil estabelecer um paralelismo entre este projecto e minha própria vida que, já agora, não é assim muito diferente de todas as outras.
O Amândio, o Augusto, o Eugénio, o Aurélio, o Orlando, o Gervásio, o Ernesto, o Jeremias, o Serafim, o Rufino e o Felisberto são homens sofredores que precisam desabafar. Passem por lá. Eu, como estou longe, vou andar aqui a beber uns copos de vinho para afogar esta coisa cá dentro de mim, que fico indefinidamente assim...

12.12.2013

conversa 2056

Ela - Estás com uma cara!
Eu - Deitei-me tarde. Estive na conversa com uma amiga minha até às tantas da manhã...
Ela - Acredito mesmo nisso.
Eu - Não acreditas?
Ela - Não. Como se fosse possível estares na conversa com uma amiga até às tantas da manhã. Passa-se sempre mais qualquer coisa.
Eu - Não passa nada.
Ela - Passa, passa.
Eu - Não passa nada.
Ela - Pronto, eu é que não acredito. Qual é a mulher que quer estar na conversa até às tantas da manhã contigo?!
Eu - Uma que seja minha amiga.
Ela - Só se for isso. As amigas, realmente, não costumam servir para mais nada do que falar. 

12.11.2013

sem título, sem nada

Primeiro, aquilo de que um Amante sente falta é da própria falta. Perguntamo-nos se, em vez de Amar, não seria melhor procurar eternamente o Amor como se ele estivesse à nossa espera na próxima esquina, percorrendo assim todas as esquinas da vida até esta se apagar num ligeiro sopro de alívio.
Procurar o Amor, viver nessa expectativa, é uma infelicidade tão próxima da felicidade que chegamos a acreditar que vale a pena. Talvez valha. Sei lá.
O que eu sei é que há um momento em que acreditamos que não. É quando damos a mão a alguém que nos estende a sua e tudo o resto perde a importância. A árvore que nos observa do meio da avenida, o polícia que multa um carro em segunda fila ou o resultado dum jogo de futebol. Tudo se engrandece para se reduzir a nada.
Porque o Amor é o único capaz de viver do nada.

12.10.2013

conversa 2055

(no café, depois do telemóvel dela ter recebido algumas dezenas de mensagens)

Eu - Caramba! Recebes mais mensagens do que o Pai Natal.
Ela - Pois recebo. É por causa do Facebook.
Eu - Do Facebook?!
Ela - Sim. Cada vez que alguém comenta uma coisa minha, eu recebo uma mensagem no telemóvel a avisar.
Eu - Ah! Já sei. Eu desliguei isso tudo. Também o podes fazer...
Ela - Eu sei que posso, mas não faço.
Eu - Não?! Isso, assim, é uma tortura. Recebes uma mensagem de dois em dois minutos...
Ela - Pois é, mas o eu marido fica roído de ciúmes. Pensa que são amigos meus...

12.08.2013

respostas a perguntas inexistentes (268)

Pela janela, cujos cortinados brancos e limpos me escondem, vejo uma mulher lá fora. Vai olhando para o relógio como se o tempo lhe começasse a faltar. Talvez esteja à espera de alguém que nunca mais chega. Tem o cabelo ligeiramente ruivo, provavelmente pintado com um produto qualquer comprado num supermercado.
Tudo o resto é paisagem. Era, aliás, nessa paisagem que eu estava a tentar acreditar. É que por ali, entre a aparente solidão de alguns edifícios decrépitos que povoam a estranha cidade de Gaia, sobram alguns sinais dum Amor clandestino. Alguém escreveu numa parede a palavra "Amor", em letras tortas e desproporcionais como se estivesse a gritar.
A Ana entra na sala e traz-me a melhor bebida do mundo, segundo ela mesma uns minutos antes. Um chá que não é apenas um chá. Pousa as canecas e olha-me de frente, sem piscar os olhos e com um sorriso que me parece esconder uma tristeza qualquer.

- Prova! - diz.

Aceno afirmativamente com a cabeça enquanto uma pequena porção de um sabor forte e quente percorre o meu esófago.

- É bom. Muito bom... - confirmo.

A Ana não me quer falar sobre o que o seu sorriso esconde. Conheço-a o suficiente para perceber isso. Se quisesse, o mais provável era nem sequer ter feito chá nenhum. Tinha começado a falar assim que abriu a porta de casa para eu entrar. É mau sinal. Talvez seja grave.
Desvio o olhar do nosso silêncio e digo-lhe que está uma mulher lá fora, à espera de alguém, com um ar anormalmente ansioso. Aparenta ter a minha idade, mais ou menos. É bonita, com aquela beleza que só uma mulher de quarenta e poucos anos consegue ter, mas vai abraçando-se dentro de um casaco comprido como se se quisesse esconder do vento, que é o único ocupante da rua. Ou isso, ou então sabe que alguém a espreita cobardemente por trás duma cortina branca.

- É maluca! - diz a Ana - está sempre ali à espera de alguém que nunca chega. Todos os dias faz o mesmo.

Não tenho muito bem a certeza se posso considerar uma pessoa maluca por estar permanentemente à espera de outra. Na verdade, tanto quanto me já me apercebi, essa é uma das condições essenciais do Amor. Esperar, às vezes sem sequer saber por quem. Dou outro gole, desta vez maior. O meu esófago queixa-se.

- Estou sozinha outra vez.
- Já percebi que sim.
- Como é que percebeste?
- Não sei explicar. Assim que entrei na tua casa percebi isso mesmo. Como é que te sentes?
- Aliviada.

O alívio pode ser triste? Pode esconder-se atrás dum sorriso enquanto se serve um chá a um amigo? Talvez possa. Pelo menos espero que sim. Olho-a nos olhos, com o mesmo espírito de um cientista que espreita pelo microscópio. Num imenso mar azul não vejo muito mais do que alguém que regressa a essa condição de espera.
Lá fora, do outro lado da janela, a paisagem subtraiu a mulher que espera permanentemente.

12.07.2013

falhanço


Hoje, sábado às 14:45, estarei no World Failurists Congress, a partir do Tecnoparque, na Curia

12.05.2013

respostas a perguntas inexistentes (267)

acidente por cima da toalha de mesa

Lembro-me daquele milésimo de segundo da mesma forma que me lembro de algumas histórias que li em criança. Com a mesma intensidade e, acima de tudo, com a mesma duração. Foi um milésimo de segundo que durou várias horas. Na verdade talvez ainda dure. Por isso é que estou a falar dele, apesar de ter nascido e morrido há alguns anos atrás.
Eu estava a pôr a mesa para jantar e a Marta quis ajudar. Foi à cozinha buscar duas peças de cada. Dois pratos, duas facas, dois garfos e dois copos de vinho. Sorrimos um para o outro por um momento e os nossos dedos tocaram-se, por acidente, durante o reposicionamento dos copos. Nos dela não sei, mas nos meus ficou guardada a textura da sua pele. Fechei-os, como se assim a pudesse guardar para sempre

- Se o jantar estiver muito salgado não é grave. Telefonamos para a Telepizza! - ri-me.

Ela também se riu.
Não havia razão nenhuma para estarmos os dois em minha casa à hora de jantar, a não ser uma daquelas coincidências cosmológicas que a vida nos traz, de vez em quando, como prenda. Tinha-a encontrado no dia anterior a respirar solidão, num bar qualquer da baixa da cidade. Por descontrole absoluto inspirara um pouco de mim. Trocámos algumas piadas sem piada e contámos mentiras um ao outro toda a noite. Depois combinámos jantar no dia seguinte. Só isso.

- Está bom. Poupaste o dinheiro duma chamada... - disse ela ainda antes de tocar na primeira garfada. 

Os lábios dela eram suaves.
Eu ainda estava a pensar no acidente, aquele em que nossos dedos se encontraram por acaso, um pouco acima da toalha de mesa, como se fossem dois aviões no céu em rota de colisão. A lâmpada de sessenta watts, mesmo por cima de nós, acendera-se pelo mesmo motivo. Um toque, neste caso de alguns fios eléctricos. Estabeleci a comparação como forma de me explicar a mim mesmo, ainda que de forma absurda.

- És tão bonita! - apeteceu-me dizer-lhe.

Mas não disse.
E se de repente fizéssemos Amor? Mas não fizemos. 
Talvez, de vez em quando, o melhor seja não fazer aquilo a que o corpo se propõe com tanta vontade. O corpo tem a mania de não ser lúcido e de querer apagar o desejo que o cérebro e o coração precisam. Sem sexo, talvez aquele calor que pulava na ponta dos meus dedos se mantivesse mais tempo ali. Muito tempo. E manteve.

- Uma das coisas que aprendi nesta vida é que o Amor sugere-se como fácil...
- Mas não é, pois não? - Interrompeu ela.

Não.

12.04.2013

conversa 2054

Ela - Acho que estou a passar a fase de maior actividade sexual da minha vida.
Eu - Fixe. Fizeste alguma coisa para isso?
Ela - Fiz. Comecei uma dieta.
Eu - Uma dieta?!?!
Ela - Sim. À noite, como não posso ir ao frigorífico buscar pão com manteiga, fico tão tensa que tenho que fazer alguma coisa com o meu marido.
Eu - Okay, mas não lhe expliques isso assim...
Ela - Já expliquei.
Eu - Já?!
Ela - Já. Ele perguntou-me o que é que se passava...
Eu - E reagiu bem?
Ela - Acho que sim. Disse qualquer coisa do tipo: "que se f**a!".

12.03.2013

conversa 2053

(em minha casa)

Ela - Tens uns vasos no meio da tua casa...
Eu - Estou a experimentar uma coisa que vi na internet. Colocas umas velas a aquecer um vaso pequeno, virado ao contrário, com outro vaso maior por cima. Parece que aquece o ambiente...
Ela - E aquece mesmo?
Eu - Aquece, embora ainda não esteja satisfeito com os resultados obtidos.
Ela - Mas porque é que estás a usar velas perfumadas para esta experiência?
Eu - Só tinha essas velas em casa quando me decidi a fazer isso.
Ela - Mas estas velas são caras, sabias?
Eu - Estou-me nas tintas. Não servem para nada. Tenho-as aí há que tempos. Foi alguém que mas deu num aniversário, num Natal, ou coisa parecida...
Ela - Pois foi, eu sei. Fui eu que tas ofereci...