do que falamos quando falamos de Amor, de amizade e mais do que vocês quiserem...
O que eu vos vou contar a seguir terá,
a meu ver, um grande interesse para alguns de vocês e nenhuma importância para outros. Na verdade, é normal que seja assim. Uma
das poucas coisas que aprendi na minha vida é que é assim que
podemos encontrar os nossos melhores amigos. Dizendo o que
realmente nos vai na alma e perceber quanto é que isso pode
interessar aos outros.
Eu estou convencido que há um processo
filosófico em tudo aquilo que fazemos, desde as acções mais
corriqueiras e quotidianas até às opções que se fazem para uma vida inteira. Por exemplo, acho que há filosofia na forma
como um homem apanha o autocarro todos os dias para ir para o
emprego, da mesma forma que há no acto de decidir casar com alguém.
Posso estar errado, mas tenho reparado
com admiração na forma como a minha companheira alterou a sua vida
em função da cadela que adoptámos recentemente. Levanta-se todos
os dias mais cedo para a levar a passear, enquanto eu fico a roncar
mais uns minutos. Não imaginam a admiração que eu tenho pelo que
ela faz, mesmo que resmungue por dentro quando acordo por momentos
com a confusão de a sentir a vestir-se e ter um cão aos pulos e a
arfar dentro do quarto.
Aquilo que a Raquel fez é, de facto,
uma opção filosófica É verdade que também tem uma carga
emocional muito grande, mas acredito que esse seja o denominador
comum em tudo aquilo que fazemos. Ela considera, mesmo que não o
diga, que está a contribuir para um mundo melhor dando a
oportunidade a um cão de ter uma vida também melhor, e faz realmente por
isso.
Mas o que eu vos queria mesmo contar
tem a ver, precisamente, com a razão pela qual me tornei bastante
próximo duma mulher, já há uns anos atrás, e de quem cheguei a
ser íntimo por algum tempo. Mulher essa, aliás, com quem ainda hoje
mantenho um contacto mais ou menos regular para, como se diz na
gíria, pôr a conversa em dia.
Houve uma fase na minha vida em que,
apesar de me sentir bastante só, tinha uma vontade enorme de estar
sozinho. Estar sozinho e sentir solidão são coisas completamente
diferentes, como devem saber. Por isso mesmo o que eu queria, ou
pensava que queria, era apaixonar-me seriamente por uma mulher para,
de vez em quando, afastar-me dela e poder gozar esse momento na sua
total plenitude.
Nos comboios, por exemplo, preferia
viajar sozinho do que com alguém ao meu lado. Arranjei então um
método para que isso pudesse acontecer o maior número possível de
vezes. Quando eu entrava no comboio e já não havia grupos vazios de
cadeiras, procurava sentar-me ao lado de alguém que não
tivesse tirado o casaco. A razão era muito simples. Quem não tira
o casaco é porque vai fazer uma viagem curta e, assim, sairia antes
de mim, havendo consecutivamente uma maior probabilidade de eu fazer
parte da viagem sozinho.
Lembro-me que uma vez entrei na estação
de Aveiro e, tendo em conta o meu método, sentei-me ao lado de um
homem que levava uma gabardina apertada e um guarda-chuva na mão.
Pensei que ele fosse sair numa das estações seguintes, mas a
verdade é que foi assim até à última estação de todas, no Porto,
a mesma em que eu saí. A partir daí tornei a cruzar-me com o homem,
sempre totalmente vestido e em viagens de comboio, mas nunca mais me
sentei ao pé dele.
Uma noite contei esta história no
café, entre um grupo de amigos, e ninguém me deu importância
nenhuma. Um deles, já com três ou quatro cervejas bebidas,
perguntou-me mesmo porque é que raio eu estava a contar esta
história que não tinha interesse nenhum.
No entanto, uma mulher de quem eu nem
sequer era grande amigo quis continuar a conversa, e explicou-me que
também tinha um método para se sentar nas viagens de comboio.
Disse-me ela que gostava de escolher cadeiras que estavam
ocupadas por coisas. Há passageiros (já reparei nisso com alguma irritação) que, provavelmente também para irem
sozinhos, sentam-se num sítio qualquer e depois ocupam as cadeiras
ao lado com malas ou casacos. A Guida, assim se chama ela, disse-me que sempre que
reparava numa coisa dessas, aproximava-se e pedia muito delicadamente
para desocuparem a cadeira, para ela se sentar.
Nessa noite ficámos grandes amigos,
penso eu que pelo simples facto de sermos capazes de ter uma
conversa sobre o método que usávamos para nos sentarmos num
comboio. Pode parecer-vos estranho, mas para mim isto faz todo o
sentido. Foi sempre assim que acabei por fazer amigos ou até encontrar namoradas, através do que considero ser uma
compatibilidade semântica entre pessoas.
Este blogue acaba por ser um bocado
isso. Não tem um fio condutor. Às vezes invento aquilo que
escrevo, outra vezes não. Às vezes sinto-me feliz, outras vezes
triste. Muitas vezes, quase sempre, o que eu queria era poder
contar-vos cara a cara aquilo que escrevo, embora às vezes também
prefira estar sozinho e simplesmente escrever. De qualquer maneira, é disto que eu acho que falamos quando falamos de Amor, de amizade e mais do que vocês quiserem...