Páro o carro numa fila enorme de trânsito. Atrás de mim, um tipo numa carrinha de caixa aberta, começa a buzinar e a chamar-me nomes. Primeiro rio-me. Depois, como ele não pára nem a fila de automóveis anda, saio do carro. Não o quero agredir nem nada que se pareça, e até ainda me estou a rir um bocado enquanto me dirijo a ele. Só lhe quero perguntar para onde é que ele quer que vá no meio daquela fila de trânsito, e pedir-lhe que tenha calma. Está a começar a chatear-me e eu não lhe fiz nada. Ele fecha o vidro, mete marcha atrás e acelera, batendo na frente do automóvel que está a seguir.
No automóvel a seguir está uma condutora que sai imediatamente do veículo. Está nervosa e, ela sim, parece querer agredir o homem a quem eu ia simplesmente falar. Reparo que no carro dela estão duas crianças, aliás, uma criança e um bebé. Percebo porque é que ela está tão alterada. Que coisa estúpida. Tento acalmar os dois. Ele começa a chorar, ela começa aos gritos. Ele está com uma depressão nervosa, ela está com uma excitação nervosa. Foda-se. A fila entra em andamento e os carros têm que contornar os três veículos ali parados: o meu, sem dano nenhum, o do homem atrás de mim e o da mulher. Eu estou entre eles, virado para ela. Tem razão, digo-lhe eu, mas tenha calma. Ele vai dizendo coisas absurdas, tipo que eu tinha cara de quem o ia matar. Só tenho esta cara, respondo-lhe, e não o vou matar. Nem sei matar pessoas.
Chega a GNR. Um deles fala comigo. Explico-lhe o que aconteceu e ele manda-me embora, depois de colocar o meu nome como testemunha numa declaração amigável de acidente. Por favor tire o seu carro. E eu tiro. Ela era bonita, mesmo zangada era bonita, penso enquanto rodo a chave da ignição. E arranco.