Porque é que os homens têm sempre que foder?
A luz da casa dela é diferente da luz exterior. É como se a manhã tivesse passeado pela cidade e entrado pela janela da sala para se esconder nos móveis e nas paredes. Sinto-me estranho. Vê-la em camisa de dormir a fazer torradas e sumo de laranja para o pequeno-almoço é duma intimidade maior do que aquela que temos. Por causa das torradas e do sumo, não pela camisa de dormir. Ainda assim ela age como se nem pensasse nisso.
- Tira o casaco! - ordena. Talvez não pense mesmo.
Põe uma torrada no prato e dá-mo. Não me apetece comê-la, apesar da fome. Sei que assim que a trincar vou cortar o silêncio que se veio esconder com a luz. Começo por dar um gole no sumo e espero que seja ela trinque primeiro a sua.
- Onde é que ias com tanta pressa? - Pergunta.
- Para casa, acho.
Foi uma noite mais ou menos difícil, passada num sofá que não é cama. Quase não dormi e, assim que amanheceu, vesti o casaco para sair. Ela apanhou-me já com a mão na porta e pediu-me para tomarmos o pequeno-almoço juntos. Depois leu o bilhete que eu deixara em cima da mesa.
Obrigado pelo abrigo e pelo vinho. Beijo.
Não está nada preocupada em disfarçar o ruído que faz quando trinca a torrada. As migalhas chovem-lhe na camisa de dormir, mas ela não liga. Está a olhar para mim e para um pequeno bibelot translúcido que me parece ser um golfinho de vidro. Também o olho e reparo que ele reflecte a nossa imagem, ou seja, mesmo quando ela desvia os olhos de mim continua a ver-me.
- Nunca dormes com uma mulher na noite em que a conheces?
- Às vezes sim, outras vezes não.
- E quando é que é sim e quando é que é não?
Sorrio com a pergunta e como a torrada toda de uma só vez. É o meu momento de libertação. A questão dela não tem a ver com ter passado a noite sozinha, mas sim em saber se eu a considero suficientemente boa para mim. Ou não, claro.
- Sim é quando me apetece, não é quando não me apetece. Mas isso tem só a ver comigo e não contigo. Quando não gosto duma mulher nem sequer subo cinco andares a pé para entrar na casa dela.
Ela levanta-se, junta os pratos e os copos e desaparece em passo apressado. Os tornozelos dela estalam. Ouço-a pousar a louça na banca da cozinha e acender um cigarro. Depois, enquanto expele uma quantidade controlada de fumo, aproxima-se e diz-me para ir embora.
- Vai-te embora, então...
Visto o casaco propositadamente devagar, para não parecer que quero fugir. Há na voz dela uma agressividade qualquer que me incomoda. Lá fora, nas escadas do prédio, ouço algum movimento do que me parece ser uma família numerosa, talvez com um carrinho de bebé e muita pressa de sair. Tenho saudades de ter uma vida normal, penso.
Tenho a mão novamente na maçaneta da porta, mas ainda não a abri. Dou alguns passos atrás e fito a silhueta dela em contraluz na janela da cozinha. Talvez já vá no segundo cigarro. Não sei.
- Explica-me uma coisa! - peço.
- Diz...
- Porque é que os homens têm sempre que foder?
Ela não responde. Saio.
- Tira o casaco! - ordena. Talvez não pense mesmo.
Põe uma torrada no prato e dá-mo. Não me apetece comê-la, apesar da fome. Sei que assim que a trincar vou cortar o silêncio que se veio esconder com a luz. Começo por dar um gole no sumo e espero que seja ela trinque primeiro a sua.
- Onde é que ias com tanta pressa? - Pergunta.
- Para casa, acho.
Foi uma noite mais ou menos difícil, passada num sofá que não é cama. Quase não dormi e, assim que amanheceu, vesti o casaco para sair. Ela apanhou-me já com a mão na porta e pediu-me para tomarmos o pequeno-almoço juntos. Depois leu o bilhete que eu deixara em cima da mesa.
Obrigado pelo abrigo e pelo vinho. Beijo.
Não está nada preocupada em disfarçar o ruído que faz quando trinca a torrada. As migalhas chovem-lhe na camisa de dormir, mas ela não liga. Está a olhar para mim e para um pequeno bibelot translúcido que me parece ser um golfinho de vidro. Também o olho e reparo que ele reflecte a nossa imagem, ou seja, mesmo quando ela desvia os olhos de mim continua a ver-me.
- Nunca dormes com uma mulher na noite em que a conheces?
- Às vezes sim, outras vezes não.
- E quando é que é sim e quando é que é não?
Sorrio com a pergunta e como a torrada toda de uma só vez. É o meu momento de libertação. A questão dela não tem a ver com ter passado a noite sozinha, mas sim em saber se eu a considero suficientemente boa para mim. Ou não, claro.
- Sim é quando me apetece, não é quando não me apetece. Mas isso tem só a ver comigo e não contigo. Quando não gosto duma mulher nem sequer subo cinco andares a pé para entrar na casa dela.
Ela levanta-se, junta os pratos e os copos e desaparece em passo apressado. Os tornozelos dela estalam. Ouço-a pousar a louça na banca da cozinha e acender um cigarro. Depois, enquanto expele uma quantidade controlada de fumo, aproxima-se e diz-me para ir embora.
- Vai-te embora, então...
Visto o casaco propositadamente devagar, para não parecer que quero fugir. Há na voz dela uma agressividade qualquer que me incomoda. Lá fora, nas escadas do prédio, ouço algum movimento do que me parece ser uma família numerosa, talvez com um carrinho de bebé e muita pressa de sair. Tenho saudades de ter uma vida normal, penso.
Tenho a mão novamente na maçaneta da porta, mas ainda não a abri. Dou alguns passos atrás e fito a silhueta dela em contraluz na janela da cozinha. Talvez já vá no segundo cigarro. Não sei.
- Explica-me uma coisa! - peço.
- Diz...
- Porque é que os homens têm sempre que foder?
Ela não responde. Saio.
13 comentários:
As mulheres são mesmo complicadas... Já eu, gostaria muito de, ao menos por uma vez, emprestar o sofá a um homem que não achasse que é obrigatório foder... Beijinho
As mulheres são mesmo complicadas... Já eu, gostaria muito de, ao menos por uma vez, emprestar o sofá a um homem que não achasse que é obrigatório foder... Beijinho
O título foi só para provocar...foi? Mau, (Maria)...Bagaço!!
Esta frase- pergunta dela - do texto, teria chamado muito mais a atenção:
"Nunca dormes com uma mulher na noite em que a conheces?"
Essa ideia peregrina de dar nome ao artigo com uma pergunta(descabida) dele, não lembraria ao diabo!!
Então, ele é que é homem e faz a pergunta?
Não havia nexexidade!!
PS. Acabei por não ler o artigo todo...Às tantas há aqui algo que me escapou, vai ver! ...:)
Não têm.
Isto das relações que temos uns com os outros pode ser mesmo complicado.
Boa pergunta!
augusta resende, também acho que são, mas eu sou suspeito. beijinho. :)
janita, devo estar a ficar velho, porque acho que "foder" já não provoca ninguém. :)
redonda, pode e normalmente até é... :)
csa, obrigado. :)
De pequenas dizem-nos que para as mulheres é só querer... A realidade, e ainda bem, não corresponde. Mas por vezes poderá causar algumas frustações. Ainda assim deu-te sofá e pequeno almoço :) E ter-te-ia dado um abraço se não se tivesse sentido rejeitada. Todos somos frágeis.
Boa pergunta, sim. Bom texto.
SusanaG, o abraço deu... :)
picalima, obrigado. :)
Dizem as profissionais do sexo que muitos homens as procuram apenas para falar, ou aninharem-se num colo. Isto porque, para eles está fora de questão mostrarem às suas companheiras as suas fragilidades.
anónimo, acho isso estranho, mas também acho possível. :)
Bagaço, não querer foder é uma ofensa para a mulher em questão, mesmo que ela não o queira.
inês, pois... mas não devia ser... :)
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