11.30.2015

é tudo uma questão de toque

Tiveram uma separação difícil. Para ambos, entenda-se. É natural que depois de quase vinte anos a partilhar a vida com outra pessoa não se saiba aproveitar a liberdade de estar só. Estar só é bom, mas requer treino, experiência e aprendizagem. Talvez por isso mesmo, alguns meses depois ainda telefonassem um ao outro regularmente, mais para ouvir do que para falar. A voz do outro fazia-lhes falta.
Combinaram tomar café um Domingo, depois do almoço, mas acabaram na cama dele numa tarde de sexo de que já não se lembravam de ter. Sem os mecanismos de quem dorme lado a lado todos os dias e com a improvisação e energia de quem acabou de se apaixonar. Mesmo assim não repetiram a experiência. Sabiam que o caminho não podia ser o de regresso. E assim chegaram finalmente ao silêncio entre ambos.
Passado alguns meses ela apaixonou-se e tornou a casar. Pelo menos foi o que ele ouviu dizer. Nessa tarde chorou um bocado, sem ninguém ver, e depois convidou uma garrafa de uísque para passar a noite. A ressaca fez-lhe bem. Foi com dois comprimidos para as dores de cabeça e uma garrafa de água com gás num café dos subúrbios que teve olhos pela primeira vez para outra mulher. Não que se tenha apaixonado, mas pelo menos interessou-se. Sorriu.
Ela era morena, pele muito branca e um sinal no queixo. Não seguia nenhum padrão especial de beleza, mas parecia ter em excesso aquilo que lhe faltava a ele: a vida resolvida. Além disso era simpática sem ser dada e era decidida sem ser arrogante. Enfim, um luxo. Tinha comprado uma garrafa de Sumol de Laranja de litro e  meio, quatro pães da avó e tomado café ao balcão. Nunca mais a viu, mas o momento foi interessante. Tão interessante como uma data de nascimento.
Depois de nascer vieram as dores de crescimento. Noites de sexo falhado e dias de Amor empatado. Era quase sempre uma questão de pele. Ao primeiro toque numa mulher percebia a diferença e uma tonelada de memória caía-lhe em cima. O que ele mais ansiava era pelo momento a seguir ao sexo, aquele em que se olha para o tecto e se descobre realmente o outro, já depois de lhe ter conhecido o corpo.
À partida, seria num desses momentos que ele se apaixonaria de novo, não fosse o Amor ser sempre o contrário do que pensamos que vai ser. Comprou um bilhete de autocarro sem querer ir a lado nenhum, apenas para dar uma volta à cidade sem ter que se esforçar. As luzes dos candeeiros públicos misturavam-se com a negritude do fim de tarde numa estranha aguarela abstracta. Uma mulher sentou-se ao lado dele e adormeceu em poucos minutos. Encostou-se ao seu corpo como se fosse uma cria de pássaro num ninho e deu-lhe uma mão. Ele deixou-se ir até ao fim, respirando suavemente para não a acordar.
É tudo uma questão de toque, pensou.

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