6.09.2015

respostas a perguntas inexistentes (311)

A morte lenta do Amor

Quando um Amor acaba é sempre triste, mas a maior tristeza não é o seu fim. É a sua morte lenta. O Amor devia morrer como se morria no velho Oeste, com um tiro na nuca e um cadáver no chão. Mas não. Tem a mania de morrer como um náufrago num dia de Verão. Desaparece lentamente numa praia qualquer e esperam-se dias, às vezes meses ou anos, para que o mar devolva o corpo já em decomposição.
É a morte lenta do Amor, aquela em que vida perde o sabor e não há tempero que lhe valha. Acontece no exacto momento em que deixamos de conseguir imaginar a vida sem o outro. A vida não merece isso, o outro também não. E o sexo torna-se um hábito gasto e mecânico tanto quanto outro momento qualquer.
O que um primeiro grande Amor nos ensina é a preservar o segundo, se conseguirmos perceber que o que falhou não foi o outro. Foi tudo, principalmente o dia-a-dia. Se todos o sabemos, porque é que nunca o dizemos? Não sei.
Sei que vivo a maior parte do meu tempo sozinho e que neste momento me dou ao luxo de estar numa sala desarrumada só por mim. Tenho as calças de ganga que trago a uso atiradas num dos sofás, uma pilha de livros que já li espalhada pelo chão e um copo de vinho vazio em cima duma cadeira que precisa de ser colada.
Daqui a nada pego no copo e vou à cozinha enchê-lo. Daqui a uns dias pego na minha saudade e vou a casa da minha companheira beijá-la. Vivo sempre com saudades dela e quero manter-me assim, saudoso. É a mesma saudade que tenho de encher o copo, porque o Amor que tenho por ela me embriaga da melhor maneira. Sem ressaca.
O que um primeiro grande Amor nos ensina é a preservar o segundo, repito. Sei que quando a saudade morre, o Amor morre a seguir. Mantenhamos a saudade para manter o Amor. Se todos vivêssemos bêbados, o mundo era melhor.


8 comentários:

Ines disse...

Bom texto. Mantenhamos a saudade.

Anónimo disse...

"Desaparece lentamente numa praia qualquer e esperam-se dias, às vezes meses ou anos, para que o mar devolva o corpo já em decomposição."

Bela metáfora. Poderosa.

I

redonda disse...

Lembrei-me do conto de Jack London, "Quando os Deuses se riem".
E se é uma sorte apaixonar-me por quem se apaixone por mim, sorte será conseguirmos continuar assim.

Ivar C disse...

Inês, obrigado. :)

I, obrigado. :)

redonda, não é só sorte, mas às vezes é bom pensar que sim. :)

Maria Eu disse...

Alimentar o amor é uma ciência.

Beijos, Bagacinho. :)

Ivar C disse...

Maria Eu, É... um bicho tão esfomeado. Beijos. :)

Anónimo disse...

«A morte lenta do amor...» Gostei muito do teu texto.

Ivar C disse...

jamaissalome, obrigado. :)