6.08.2012

entre a amizade e a paixão

Não sei se vos já aconteceu o mesmo. Às vezes crio laços de amizade tão fortes com uma mulher que, a determinada altura, já não sei se me estou a apaixonar por ela ou não. Não acontece sempre, claro, mas acontece às vezes e costuma ser tortuoso. Estranho, pelo menos, é. Saio regularmente com uma mulher durante algum tempo, apenas porque me sabe bem tomar um café com ela e dar dois dedos de conversa, mas depois começo a sentir-me tentado a envolver-me com ela para além dessa amizade.
Isto aconteceu-me, vá lá, umas dez vezes na vida. Uma dessas vezes foi em tempo recorde. Ia no comboio para Coimbra com a Jamila e, muito perto de nós, um tipo com uns auscultadores na cabeça ia a perguntar a todos os passageiros se gostavam da música, enquanto abanava a cabeça ao ritmo dum som que ninguém conseguia ouvir. Nitidamente, pensava que todos escutavam o mesmo que ele. Nitidamente também, tinha um parafuso a menos. Todos naquele compartimento iam a gozar com ele, aproveitando o facto de não poder ouvir ninguém. A Jamila nunca o fez e distribuiu olhares reprovadores por todos os que o fizeram. Foi o primeiro momento em que me senti a apaixonar-me por ela. Tinha-a conhecido três meses antes.
Por esses dias estava desempregado e tinha arranjado um trabalho com uma duração certa de seis meses. Tinha que filmar e montar um filme por mês, sempre numa cidade diferente. A Jamila fazia a voz off e por isso seguia-me para quase todo o lado. Faltavam, portanto, três meses para aquilo acabar. Comecei a contar os meses, as semanas, os dias, os minutos e os segundos que faltavam para me despedir dela definitivamente, com uma sensação crescente de perda. O tempo voava e escapava-se-me por entre os dedos como grãos de areia fina. Na última semana não aguentei mais e disse-lhe que não entendia bem o que se passava comigo, que só pensava em estar perto dela e que aquele fim iminente estava a dar cabo de mim. Ela deu-me um beijo na face e convidou-me para um fim de semana na terra dela mal o trabalho acabasse definitivamente. "Agora vamos trabalhar", concluiu depois. A mim foi como se me tivessem saído duas toneladas de cima.
Lembro-me que as nuvens pareciam as claras que a minha mãe batia em castelo quando eu era criança. Apeteceu-me erguer o dedo indicador da mão direita e ir lá roubar um pedaço para as provar. A Jamila estava ao meu lado, também deitada no chão, e riu-se com o meu gesto. Tínhamos passado três dias juntos sem fazer nenhum. Apenas a celebrar o fim de seis meses de trabalho intenso entre algumas garrafas de vinho e experiências gastronómicas variadas. Depois do jantar do dia anterior tinha-me perguntado se eu ainda sentia o mesmo por ela. Que não, respondi. Estava, de facto, a confundir o respeito e amizade que sentia por ela com uma espécie de paixão sem sentido. "É o que nos acontece quando passamos dias a fio com a mesma pessoa, sem mais ninguém", disse. Depois brindámos.
Acho que às vezes nos apaixonamos apenas por medo da solidão, por quem nos faz sentir bem quando está perto. É como aquela sensação de termos uma cama para nos deitarmos, depois de dois ou três dias mal dormidos num chão duro. Pelo menos foi o que ela me disse e eu compreendi. Hoje ainda somos amigos.

22 comentários:

nos"entas!!!! ( e feliz) disse...

Também já me aconteceu....é muito estranho mesmo e nem sempre é facil ver a realidade....
Muitas vezes so passado um tempo é que olhamos para tras e até rimos da loucura....

MissLilly disse...

Sim ja me aconteceu, varias vezes alias. Mas acho que isso no meu caso esta associado que para mim amizade e a base de tudo, quando passamos muito tempo com a mesma pessoa e gostamos de estar juntos isso pode acontecer, e e chato quando acontece porque depois temos medo de estragar a amizade. Felizmente superei as paixoes para manter a amizade :)

Ivar C disse...

quase nos entas, mas vai sabendo bem, essa loucura. :)

liliana costa, a amizade é a base de tudo, sim. no Amor também. Só que no Amor está longe de ser suficiente. :)

Anónimo disse...

Acho que já nos aconteceu a todos.
Mas para mim é sempre uma questão de carência, que pode ser mais ou menos temporal.
Mas nós mulheres somos mais racionais no que concerne á distinção ente Amizade e Amor/Paixão.
Eu costumo dizer que a "Amizade é um Amor incondicional".
PR

Estudante disse...

Acho que isso já aconteceu a toda a gente :) mas nem toda a gente tem a coragem de revelar os seus sentimentos como tu fizeste e perde assim a oportunidade de esclarecer o que realmente sente...

Ivar C disse...

pr, por acaso concordo que em geral as mulheres são mais esclarecidas neste aspecto. :)

estudante, é uma coisa que se aprende com o tempo, esclarecer estas coisas. :)

Eli disse...

"Oube lá"...

Eli disse...

:)

Ondas disse...

Eu acho que ainda não atingi a minha maturidade emocional... é-me dificil viver sem estar apaixonada e é dificil viver apaixonada... Que drama!!!

Briseis disse...

E está muito boa, a comparação que a Jamila arranjou para resumir o caso... E é delicioso haver essas ondas de ternura disfarçadas de paixão que, para variar, não deixam um sabor amargo quando vão embora...

Ivar C disse...

Eli, :)

sm, isso é maturidade emocional. :)

briseis, concordo. :)

redonda disse...

A Jamila parece ser uma pessoa muito interessante e bonita
(acho que nunca me aconteceu)

Anónimo disse...

Esta história e inventada, não é?

Eli disse...

Eu a conversar contigo devia ser uma "treta", lol, sabes porquê?! Pela mesma razão que não acabei o que disse acima. Simplesmente, porque ia dizer vezes demais "eu também". :)

P disse...

Nunca me aconteceu e espero que nunca aconteça. Deve ser horrível e infelizmente, pelo que sei, nem sempre termina da melhor forma, que tudo o que mete sentimentos costuma dar para o torto, mais tarde ou mais cedo.

Ivar C disse...

redonda, e eu a pensar que acontecia a todos. :)

anónimo, :)

eli, o perigo é que se bebe mais... :)

p, depende da vários factores, acabar bem ou mal. :)

Eli disse...

Grande diferença: eu não bebo... ou não costumo. lol...

Fatyly disse...

Nunca me aconteceu porque sempre fui muito, não sei como dizer, racional não é bem o termo que queria mas agora não me ocorre...e ao longo de anos de trabalho e ainda agora...há quem confunda amizade com essa atracção, que a meu ver não passa de uma mera atracção, que sem fugas e bem esclarecidas como fez Jamila tornam-se em verdadeiras amizades que ficam para sempre.

Olha que tenho amigos de longa data...que ao proceder como sempre procedi...ainda hoje estão presentes!

Anónimo disse...

Não podia estar mais de acordo...

Ivar C disse...

eli, lol! eu bebo por vários, isso não faz mal. :)

fatyly, com certeza que sim... esses são os amigos mesmo. as mulheres são, em média, mais racionais que os homens. :)

dri, obrigado. :)

panties on the rope disse...

acontece-me sempre, todas as primaveras... eu digo ser do tempo dos passarinhos dos cheiros... mas provavelmente, é mm pela necessidade de renovação. apaixonamo-nos e por x "aquilo" por que nos apaixonamos nem existe, é fruto da nossa sede de renovação =)
e ao contrario de um comentario que lí acima... nao axo k nos mulheres estejamos masi esclarecidas nisso... :P
nice blog

Ivar C disse...

panties on the rope, bem visto. :)