Ainda não lhe fez o enterro, mas já percebeu que o Amor quando morre é um cadáver pesado. Decompõe-se muito lentamente e anda-se com ele às costas para todo o lado, com o mesmo ar de um enlouquecido agente funerário. É com esse ar que ele está agora, enquanto espera por uma sopa morna na fila de um restaurante num shopping qualquer.
As filas para os restaurantes que fazem sopas são difíceis para um homem a quem o Amor morreu recentemente. Há sempre muitas mulheres povoando-as, porque são elas (e eles quando estão tristes) que mais facilmente se satisfazem apenas com uma sopa, e entre elas há sempre uma por quem um homem se podia apaixonar. Podia, porque enquanto se carrega o cadáver do Amor não se consegue nem pode.
Neste caso seria a ruiva que está agora a ser atendida e que pede um caldo verde, uma gelatina vermelha e um sumo natural. Não será, porventura, a mais bonita, mas é aquela que ele gostava de poder abraçar neste momento. Não sabe porquê, claro, que os ingredientes de um abraço são como os duma receita secreta. Não os deciframos, apenas lhes conhecemos o sabor. Agora que pensa nisso, a responsabilidade de um abraço é a mesma responsabilidade do Amor. A do tempo que passa, portanto. Às vezes gosta-se, outras vezes não, mas é sempre um carimbo que fica na nossa vida.
A ruiva reparou nele. Pelo menos é a terceira vez que os seus olhos encontram os dele e se escondem imediatamente na tigela de sopa já vazia, exactamente da mesma forma que uma avestruz esconde a cabeça e deixa o corpo à vista. É esse corpo que ele queria abraçar agora e cuja vontade, sem ele perceber, o fez em segundos sentar o cadáver que transporta na cadeira ao lado e tirar-lhe a pulsação. Ainda não bate nem dá sinais de vida, mas quase. Talvez amanhã, e sorri. Ela também.