6.22.2010

pensamentos catatónicos (209)

a angústia do banco de jardim

Um dos problemas actuais das cidades é que elas já não servem para parar. Quando eu era criança as pessoas paravam nas cidades, fosse num café, num banco de jardim, no muro duma casa ou até numa paragem de autocarro. Agora não. Os bancos de jardim estão vazios, as pessoas tomam o café em pé enquanto olham para o relógio e até pelo autocarro esperam em pé, sempre a olhar para um lado e para o outro como se estivessem atrasadas.
Há bocado passei por um banco de jardim e pareceu-me que ele estava angustiado, não só por se sentir inútil mas principalmente por ter saudades das conversas de amor que já não ouve. É que o problema também é esse: as cidades onde as pessoas param são cidades onde as pessoas aprendem a amar, as cidades onde as pessoas não param são cidades de gente só. E o problema da gente só é que esta acaba por estar só mesmo quando não está.
O amor já não nasce numa conversa de banco de jardim. Agora manda-se dois nomes para um número de valor acrescentado e fica-se a saber se as pessoas são compatíveis ou não. Joana e Mário dá setenta por cento e toma-se isso como definitivo. Surpresa. Não é definitivo.

18 comentários:

Poetic Girl disse...

Bem verdade, e eu já me sentei muito bem acompanhada nesses bancos de jardim, agora deixaste-me saudosista de um tempo que já não volta, de pessoas que já não são minhas. Mas o banco esse continua testemunha desses momentos... bjs

Ivar C disse...

poetic girl, bjs. :)

GiGi disse...

Maravilhosa crônica!!!

Gante disse...

tenho-te lido há algum tempo e gosto do modo como vês as coisas, as pessoas, o quotidiano. És um verdadeiro observador e esta é só mais uma belíssima observação tua. As pessoas no seu dia-a-dia estão tão metidas numa azáfama que descuram dos bancos do jardim, o que é uma pena, porque realmente reúnem si um encanto citadino que devíamos dar valor... e falo por mim, que (embora não esteja numa azáfama de dias quanto isso) já há muito tempo que não me sento num banco de jardim. Mas lembro-me nitidamente da última vez que o fiz, como estava o tempo, com quem fui, em que banco nos sentámos, o que estava à nossa volta. :)

Ivar C disse...

gigi, thanks. :)

v.s, eu sentei-me hoje num banco de jardim mas já não o fazia há algum tempo. tinha saudades. obrigado pela simpatia. :)

sophie disse...

Gosto de te ler!
Continua...
E hoje é só isto!!!
:)

Ivar C disse...

sophie, obrigado. :)

Anónimo disse...

De à uns tempos para cá, "nós" nem tempo temos para que o amor nos descubra. Isto é culpa não só porque as prioridades parecem ser outras, como também as relações descartáveis estão na 'moda' (infelizmente). Para quê (as)sentar num banco de jardim se ninguém o faz ultimamente?

Boa observação, continua :)
S.

Paula Raposo disse...

Certíssimo!!

Ivar C disse...

s, e a relação com o trabalho também mudou. cada vez se trabalha mais em piores condições. :)

paula raposo, obrigado. :)

Olga disse...

Muito bem pensado este catatónico. :)

Ana, Dona do Café disse...

Caríssimo, já para não dizer que com certeza nos cruzamos na calçada aveirense e nem sabemos mas, se vires uma alminha sentada a olhar para o ar com um ar perdido à espera de alguém, ou à procura do telemóvel dentro de uma bolsa enorme a que chamo carteira, ou somente a rir com uma miúda mais nova num banquinho qualquer num jardim de Aveiro; podes-me dizer olá..porque há uma grande probabilidade de ser eu.
Eu gosto de bancos de jardim e já tive amores a começarem com conversas em bancos de jardim à tardinha com o sol cansado a bater-me na cara e à noite sob as estrelas. Estou piegas e preciso de um café :P lol
A*

Ivar C disse...

olga, obrigado. :)

ana dona do café, não me esqueço. :)

Fatyly disse...

É só ver um que ainda hoje sento-me imensas vezes e quebro um bocado a "angústia do banco".

Agora tenho saudades dos tempos do "grupo" onde alguns se sentavam nas costas e nós encostados aos joelhos.

Adorei!

Margarida disse...

o único amor que tive (e tenho!) nasceu num banco de jardim. sim, ainda sou pequenina, mas faço o possível para não angustiar nem ruas, nem bancos, nem cidades.

Ivar C disse...

fatyly, ena, também tenho saudades disso. :)

margarida, e fazes muito bem. a sério... :)

Random Blogger disse...

Fuck, que post bonito... :')

Ivar C disse...

corset, obrigado. :)