11.14.2008

viagens

A viagem que aproxima emocionalmente um homem e uma mulher é sempre uma viagem distante, como se fosse da nossa parte uma viagem para uma cidade longínqua. Sabemos sempre que as cidades longínquas têm estradas, ruas, passeios, cafés, casas e fábricas. O que não conhecemos é a forma como nelas se vive. Não conhecemos à partida o seu temperamento.
Há duas maneiras de viajar para uma cidade longínqua: de comboio ou de avião. Quando vamos de avião esse temperamento é sempre um choque, independentemente de gostarmos ou não dele, porque saímos de um sítio e passado pouco tempo estamos noutro completamente diferente. Quando vamos de comboio demoramos mais, mas há um processo de adaptação ao destino final enquanto assistimos à lenta transformação da paisagem lá fora.
Uma viagem até ao mundo de outra pessoa é exactamente o mesmo. Podemos lá chegar como se fôssemos de avião e no princípio tudo nos parece novidade: cada noite de sexo, cada beijo, cada almoço ou jantar, cada conversa ou mesmo cada troca de olhares. Depois, como quando estamos a viver numa cidade há muito tempo, vamo-nos habituando ao ritmo dos dias.
Também podemos lá chegar de comboio. A primeira noite de sexo não é a melhor do mundo mas não faz mal. O sexo vai melhorando à medida que a confiança aumenta, assim como melhoram os beijos, os almoços e jantares, as conversas e as trocas de olhares.
Na minha vida já visitei cidades onde acho que gostava de viver, já visitei outras onde o deslumbramento inicial arrefeceu passado pouco tempo. Até já visitei cidades que não gostei e ponto final. Também aprendi que não somos só nós que às vezes nos fartamos duma cidade. Uma cidade também se pode cansar de nós.
Tenho viajado demasiado de avião... e sempre gostei mais de viajar de comboio.

30 comentários:

I.D.Pena disse...

Hehehehe Bagacito, boa Viagem :)
Pessoalmente, sempre preferi viajar de comboio e com pouca bagagem.
Gostei muito do texto e das metáforas. :)
Beijos

Ivar C disse...

i.d.pena, eu gosto de comboios e de aviões... depende. :)

Ritinha disse...

Eu fiquei a pensar nisso agora... eu definitivamente estou numa viagem de comboio e prefiro assim, os aviões nunca me inspiraram muita confiança. Mas, quando é que sabemos quando chegamos? E quando chegamos, é o inicio, necessariamente, do fim?

nada desta vida disse...

que texto engraçado. eu gosto muito de comparar relações entre as pessoas com relações entre cidades. há uma canção linda do rei caetano q é o sampa. nunca fui a s paulo, mas sinto cada verso da música como se tivesse sido eu a escrever em momento de inspiração divina. que giro isso do comboio e do avião. e só porque me meteste o sampa logo de manhã na cabeça, vais levar com ele:

Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João
É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi
Da dura poesia concreta de tuas esquinas
Da deselegância discreta de tuas meninas

Ainda não havia para mim Rita Lee
A tua mais completa tradução
Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João

Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
É que Narciso acha feio o que não é espelho
E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho
Nada do que não era antes quando não somos mutantes

E foste um difícil começo
Afasto o que não conheço
E quem vende outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso

Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas
Da força da grana que ergue e destrói coisas belas
Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas
Eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços
Tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva

Pan-Américas de Áfricas utópicas, túmulo do samba
Mais possível novo quilombo de Zumbi
E os novos baianos passeiam na tua garoa
E novos baianos te podem curtir numa boa

Anónimo disse...

Bagaço...

É esta tua forma de ver, de sentir e de escrever, que me fascina. E que me prende por aqui...
:)

Também eu, sempre gostei mais de viagens de comboio.
Mas sempre andei mais de avião...
É a pressa de chegar.
É a pressa.

Um beijo grande
Ana

Anónimo disse...

Muito bom o texto. :)
Eu estou como tu, depende... Às vezes gosto de chegar de avião, outras vezes gosto de ir de comboio e saborear a viagem...

anademar disse...

o problema, parece-me, é que andamos todos de avião. e cada vez mais... nem nos damos conta de chegar... não se apreciam as vistas.

Anónimo disse...

Olá bagaço, é só para dizer que gostei do teu texto.

Abraço

Ana Camarra disse...

Também gosto mais de comboio, mas no entanto existem viagens tanto a cidades como a pessoas em que nos sentimos assim logo em casa, ou então senão em casa sentimos que ali existe espaço para nós, que estamos bem, ali.
Depois existe o que dizes, sitios que parecem uma coisa, excitante e gratificante, mas que rapidamente perdem o encanto.
Existem ainda os tais, que gostamos, mas que se cansam de nós, ficamos sempre com uma nodoa negra na alma, mas paciência, teremos de descobrir outra...

beijos

Ivar C disse...

ritinha, quando chegamos não é o início necessariamente do fim... e nem se deve pensar nisso. boa viagem de comboio, já agora. :)

subtilezas, parece-me bem... eu gosto de caetano... :)

Ana, actualmente os voos low cost são muitos... esse é o centro da questão. :)

joana, yep... às vezes é melhor um transporte, outras vezes é melhor o outro. :)

moi chéri, pois não... aprecia-se o momento. é como comer um chocolate inteiro duma só vez, lol lol. :)

alvega, abraço e obrigado. :)

ana camarra, a vantagem é mesmo essa: podemos viajar e descobrir outros sítios. :)

Anónimo disse...

Já pensaste em mudar de "meio de transporte"!?!? Não ser o "rápido" do avião nem o "pouca terra" do comboio?

Também podes visitar lugares distantes de barco. E aí a viagem ganha um duplo sentido.

Li há uns tempos um livro de Amyr Klint "100 dias entre céu e mar" onde ele relata a viagem de barco a remos, é verdade A REMOS, do continente africano ao brasileiro, e vai contando o que muda nele ao mudar de trópico.

...

E quem diz de barco diz a pé, à boleia, ao teu próprio ritmo e ao ritmo daqueles que te ajudassem (é claro que tal como está a sociedade é dificil chegares ao fim da viagem!!!)

Tânia

Ivar C disse...

tânia, a pé sim, acho que pode ser. os barcos enjoam-me um bocado... e a remar então, fico com a sensação de que sou um escravo de alguém. :)

Sendyourlove disse...

...seja de que meio for, as viagens as vezes descambam...
...a minha experiência (não tão vasta assim) diz-me que as comboio demoram mais a descambar... mas ainda nenhuma foi para ficar...


ahhh é verdade... muito bem escrito!

Ivar C disse...

send your love, tens razão. as de comboio duram mais, o que não quer dizer que sejam qualitativamente melhores. :)

Desabafosescritos disse...

Das coisas mais simples e bonitas que li por aqui...

Red disse...

eu gosto de andar de comboio..

mas lembrei-me..

"Runaway train never going back
Wrong way on a one way track
Seems like I should be getting somewhere
Somehow I'm neither here no there"...

Red disse...

eu gosto mais de andar de comboio..

mas lembrei-me..

"Runaway train never going back
Wrong way on a one way track
Seems like I should be getting somewhere
Somehow I'm neither here no there"...

Ivar C disse...

desabafos escritos, obrigado. :)

red, :)

Olga disse...

O avião ou o comboio são dois meios de transporte possíveis. Outra maneira de viajar é passar os olhos pelo teu texto e sentir a cada palavra a imaginação voar. :)

Anónimo disse...

Mais uma vez gargalhadas e pensamentos muito intensos... è isto que me prende a este Blog. Adorei.

Anónimo disse...

Mais uma vez gargalhadas e pensamentos muito intensos... è isto que me prende a este Blog. Adorei.

Ivar C disse...

olga, obrigado. para ser sincero não me sinto muito imaginativo por estes dias... mas tento. :)

patrícia, obrigado pela simpatia :)

Anónimo disse...

qualquer que seja a viagem, o seu destino, o seu meio de transporte, a sua duração..., vale pela experiência! mesmo que a viagem não corresponda às nossas expectativas, seja uma cidade mais fria ou a viagem mais atribulada, devemos sempre trazer uma lembrança na nossa bagagem. Porque não são só os momentos bons que devem ser lembrados...

há uma frase de Pessoa de que gosto imenso e da qual me lembrei agora:
"O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem.
Por isso existem: momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis."


beijinhos

Ivar C disse...

bia, exacto... e o melhor é conter sempre as expectativas... :)

Unknown disse...

Muito bom. Adorei. Mas permita-me dizer, os preparativos que antecedem a viagem revestem-se de uma felicidade vertiginosa, são momentos mágicos, únicos. A duração destes momentos, depende não só da forma como se viaja, mas também dos ritmos e rotinas que vamos imprimindo nas várias visitas ao longo da cidade.

Unknown disse...

Muito bom. Adorei. Mas permita-me dizer, os preparativos que antecedem a viagem revestem-se de uma felicidade vertiginosa, são momentos mágicos, únicos. A duração destes momentos, depende não só da forma como se viaja, mas também dos ritmos e rotinas que vamos imprimindo nas várias visitas ao longo da cidade.

Anónimo disse...

Gostei muito deste post :-)

Ivar C disse...

bela isabel, isso é bem verdade. percebi perfeitamente. :)

kaixinha, obrigado :)

Anónimo disse...

Lindo!

Ivar C disse...

anónimo, :)