11.29.2010

conversa 1649

(na rua)

Eu - Olá! Há tanto tempo. Estás bem?
Ela - Mais ou menos. Deixei de fumar há uns meses e estou a engordar muito. O meu marido já me começou a mandar bocas, que se calhar era melhor não ter deixado de fumar e isso. Não é só por eu estar a engordar, é porque ele também fuma e agora eu não consigo estar muito tempo perto dele para não me deixar cair na tentação. Além disso ando mais ansiosa e com os nervos à flor da pele. Até já me chateei no emprego e tenho que ter cuidado porque estou a recibos verdes e um dia destes ainda vou para a rua. O meu patrão até é porreiro mas, como se divorciou há pouco tempo, também anda mal com a vida e não está para brincadeiras, percebes? Ainda ontem tive que sair mais cedo para ir ao psiquiatra e ele não me queria deixar. É assim, só stress. E tu, estás bem?
Eu - Estou.
Ela - Ok! Tenho que ir andando. Vemo-nos por aí um dia destes.
Eu - Tchau!
Ela - Tchau!

tempestade

Lembro-me dela como de açúcar, que a sua presença me adoçava os dias amargos da solidão. E é assim que penso neles, nesses dias em que contava uma a uma as gotas de chuva que iam morrendo num voo suicida sobre as janelas da marquise. Dias amargos entre dois mundos: o mundo interior da minha casa e o mundo exterior da minha casa. Da imensidão do mundo exterior recebia às vezes a visita dela, e esses momentos eram os únicos em que eu não contava as gotas de chuva na janela. Ficava a ver os seus dedos finos a abraçar uma chávena de chá acabado de fazer para se aquecerem e a responder às suas perguntas. As nossas conversas eram sempre assim, com ela a perguntar e eu a responder preguiçosamente.
A minha preguiça, no entanto, não era uma fuga à sua presença. Antes pelo contrário, era uma forma de a prolongar. Esticava as palavras e temperava-as com um ou outro suspiro para render mais. Chegámos a estar tardes inteiras assim, com ela a perguntar e eu a responder, ela a perguntar e eu a responder, ela a perguntar e eu a responder. Fiquei a saber que podemos conhecer um pessoa não pelas respostas que dá mas sim pelas perguntas que faz. Tanto, que numa dessas tardes me apaixonei.
Quando estamos apaixonados queremos fazer amor, e quando queremos fazer amor as palavras deixam de o ser de facto. As nossas, para mim, passaram a ser um empecilho entre a marquise e a cama, e fui ganhando ciúmes até da chávena de chá onde ela aquecia as mãos. Depois, como o amor é sempre uma tempestade, deixei também de conseguir contar as gotas de chuva que se multiplicavam na janela quando ela não estava. Acho que foi num desses dias que ela não veio pela primeira vez. Talvez tenha tido medo da minha paixão, não sei. Nunca mais a vi.
Só um destes dias é que tornei a vê-la, por acaso, no formigueiro que era um dos centros comerciais da cidade. Convidei-a para tomar café. Ainda aquece as mãos frias nas chávenas quentes e acho que pela primeira vez foi ela a responder-me. "Lembras-te de mim?", perguntei-lhe como quem tem noção de que, fazendo parte de um mundo menor, possa ter sido esquecido. "Ia perguntar-te o mesmo", disse ela.

11.26.2010

conversa 1648

(depois do jantar, com vinho nos copos, quando eu me preparava para começar a limpar o fogão)

Ela - Está quieto!
Eu - Vou só limpar o fogão e não faço mais nada. É só para esta sujidade não secar...
Ela - Eu sei, mas estás a limpar o fogão com um tira-nódoa para roupa.
Eu - Olha, pois estou. A forma da embalagem é igual à do desengordurante que uso para o fogão.
Ela - Lá está, és homem.
Eu - O que é que isso tem?
Ela - Só ligas à forma. Se te importasses em ler o que passa pela tua vida não te tinhas enganado.
Eu - Foi um gesto instintivo. Mais nada.
Ela - Talvez sim, mas é assim em tudo. Os homens só ligam a uma mulher se gostarem da forma dela, as mulheres gostam de ler o homem antes de se deitarem com ele.
Eu - E achas que os homens são todos assim?
Ela - Na verdade acho.
Eu - Se os homens são todos iguais então as mulheres são burras. Pelo menos na tua opinião.
Ela - Porquê?
Eu - Passam a vida a ler os homens apesar de eles serem todos iguais. É como ler o mesmo livro repetidamente a vida inteira.
Ela - Bem, também ligamos à forma, pronto. Mas pelo menos tentamos dar um enredo à coisa.
Eu - São líricas, portanto.
Ela - Sim, é mais ou menos isso.
Eu - Então vamos dar uma de lirismo e acabar a garrafa de vinho do jantar.
Ela - Vamos, até porque no vinho a forma não interessa. As garrafas são todas iguais. Interessa é o sabor, o aroma e a textura.
Eu - Hum... não sei porquê mas isso já me parece mais com o que um homem pode procurar numa mulher: sabor, aroma e textura.
Ela - Pois... uma mulher num homem também.
Eu - É tudo igual independentemente do género, não é?
Ela - É. Quer dizer... quase igual.
Eu - Quase?
Ela - Nós somos mais... mais... mais...
Eu - Mais teimosas?
Ela - Pelo menos isso.

conversa 1647

Ela - Cheguei à conclusão que é possível amar tanto um objecto como um homem.
Eu - Diz lá qual foi o objecto por que te apaixonaste. Estou curioso.
Ela - Por nenhum.
Eu - Por nenhum?
Ela - Por nenhum mesmo. Passei foi a ver o meu marido mais como um objecto do que como um homem.
Eu - Mas... como?
Ela - Não me interpretes mal. Há objectos antigos dos quais não me consigo livrar porque gosto muito deles. Só que normalmente esses são os objectos que já não servem para nada a não ser como... sei lá... decoração.

11.25.2010

cinema

O sexo tem velocidade, ou melhor, tem velocidades. Há sexo mais rápido e sexo mais lento, e isso lembra-lhe ao que se resumia a sua opinião sobre o cinema quando era criança. Alguns filmes eram lentos, outros eram mais rápidos. Normalmente preferia os filmes rápidos e quando a televisão emitia um filme lento ela protestava. Dizia que “o filme era muito parado”.
Com o sexo também foi assim. Preferiu sempre o sexo mais rápido do que o sexo mais parado. Os motivos é que são diferentes. Quando via filmes na televisão em pequenina era a receptora e exigia essa velocidade do emissor. Queria romance. No sexo, sem perceber como, habituou-se a ser ela a emissora e o marido receptor. No fundo ela estava ali para lhe agradar, e por isso é que imprimia a velocidade. Às vezes até dizia coisas que não sentia, como “gosto quando és bruto!” ou lhe pedia para a dominar.
Por isso é que ainda não adormeceu e já a noite se dissolve na doce luz da manhã que se vem deitar ao lado dela. Ontem deitou-se pela primeira vez com um desconhecido com que se cruzara por acaso no bar do hotel. Sexo descomprometido, que na conversa de engate durante uma margarita ambos se disseram casados e ambos abanaram os ombros sobre o barómetro da felicidade dos respectivos casamentos. Nem sequer sabiam se tinham um casamento feliz ou ou casamento triste. Depois, só por acaso, as mãos de ambos tocaram-se no botão do elevador e já não se separaram mais. Fora assim, dadas, até um dos quartos. Por sinal o dela.
Ali pisaram a fronteira da legalidade com um primeiro beijo tão brando quanto o fim do voo duma ave. Depois, a fronteira da legalidade tem a mania de ser assim: só custa a transpor a primeira vez. Fizeram amor como exploradores que esquadrinham a área a Lua pela primeira vez. Devagar, e com interesse por cada centímetro quadrado do corpo. E, tal como na Lua, sentiram a falta de gravidade e voaram. Ele dentro dela e ela dentro dele. Tão devagar que o sono ainda não passou por ali. Até agora, que ele saiu deixando nos lençóis apenas o calor do corpo. Ela fecha os olhos. Se calhar tem que rever o filme da sua vida.

conversa 1646

Ela – Achas que o Júlio e a Sandra têm uma relação não assumida?
Eu – Não acho nem deixo de achar. Porquê?
Ela – Andam sempre os dois juntos...
Eu – Não acho que o facto de um homem sair com uma mulher signifique obrigatoriamente que tenham uma relação.
Ela – Esse é que é o teu problema.

conversa 1645

Ela - Já tiveste sexo com alguma mulher de quem nem sequer te lembres?
Eu - Não sei.
Ela - Não sabes?
Eu - Se tive, não me lembro.
Ela - Não é isso. Estou a falar duma situação em que te lembras que tiveste sexo mas não te lembras bem com quem.
Eu - Que raio de pergunta...
Ela - É que queria perceber porque é que um tipo com quem estive há um mês atrás não me telefona nem me atende o telefone.
Eu - Há um mês atrás?
Ela - Sim, acho eu. Já não me lembro bem...

pensamentos catatónicos (223)

Ele está na janela da sala. Observa as mulheres que passam na rua e pensa que se podia apaixonar por cada uma delas, se por acaso o destino alguma vez o cruzasse com elas.
Ela está sentada no sofá. Observa-o a ele e sabe que, se por acaso nunca o tivesse conhecido, ele seria apenas mais um por quem passaria eventualmente na rua. E se passasse o mais provável era nem reparar nele.

11.24.2010

conversa 1644

Ela - Tenho que deixar de comer torradas com manteiga ao pequeno-almoço, pá.
Eu - Então?
Ela - Tenho que ter cuidado com o colesterol.
Eu - Ah! Fazes bem, nós somos mesmo aquilo que comemos.
Ela - Pois somos, eu que o diga. Ando a comer um colega do escritório desde o princípio do mês e ando toda alterada com isso.

11.23.2010

conversa 1643

(a propósito do meu pensamento catatónico 222)

Ela - Se eu morrer um dia destes fazes-me uma coisa?
Eu - O quê?
Ela - Em vez de ires ao meu funeral, juntas alguns amigos e bebem uns copos a pensar em mim.
Eu - Ah! Está bem. Isso não custa nada.
Ela - Caraças. Não custa nada?
Eu - Não. Quer dizer, não custa nada beber uns copos. Tu morreres ia custar um bocadinho.
Ela - Só um bocadinho? Vai-te lixar.
Eu - Eu disse só um bocadinho porque pensei que era isso que querias que eu dissesse. Se querias que eu bebesse uns copos era para não sofrer. Certo?
Ela - Errado.
Eu - Errado?
Ela - Errado. Era para tu sofreres muito mas a pensares que eu não queria que sofresses.
Eu - Começo a ficar com dores de cabeça com isto.
Ela - Esquece, esquece...
Eu - Já esqueci. Afinal nem sequer quero pensar na tua morte.
Ela - Ah! Assim é melhor.
Eu - Mas eu só falei por tua causa...
Ela - Não digas mais nada. É melhor. Quando falas, ou entra mosca ou sai asneira.

só sexo?

Ele decidiu fingir que adora o timbre da voz dela, mas não adora. Na verdade às vezes até o irrita, principalmente quando atinge um leque de frequências mais agudas que o faz lembrar uma mulher a ralhar com uma criança. Fê-lo de forma consciente, para não perder aquilo de que realmente gosta nela: o sexo. Ela decidiu fingir que gosta das piadas dele durante as refeições, mas não adora. Na verdade normalmente nem as percebe muito bem, já que são quase sempre sobre futebol, e do pouco que percebe até as acha estúpidas. Fê-lo de forma consciente, para não perder aquilo de que realmente gosta nele: o sexo.
Andam assim há anos, desde o deslumbramento da primeira noite na cama. A ela nunca lhe tinham feito um minete tão certo, e certo é o adjectivo que o qualifica realmente, pela pontaria e pela subtileza. Tanto, que a fez esquecer-se da língua de gato do seu ex-marido. A ele nunca lhe tinham feito um felatio tão profundo, e profundo é o adjectivo que o qualifica realmente, pela forma como ele se lembra dos lábios dela a beijarem-lhe os pêlos púbicos. Tanto, que o fez esquecer-se das constantes recusas da ex-namorada em fazer sexo oral. Desde então que estão juntos numa relação que depende exclusivamente do sexo. Quando este acabar, acaba também a relação. Algumas relações são assim, outras não. Ambos sabem disso.
É por ambos saberem disso que hoje aceitaram a mentira um do outro. Ele telefonou-lhe do escritório a meio da tarde, disse que tinha que trabalhar durante toda a noite e não podia ir dormir a casa. Ela fingiu acreditar e desejou-lhe boa sorte. Um “boa sorte” honesto até, já que sabia perfeitamente que ele ia sair para o engate. Depois de desligar desejou boa sorte a si mesma também.
Sair para o engate quando não se precisa de sexo é diferente de sair para o engate quando não se quer outra coisa. Ele percebeu isso na primeira tentativa, enquanto se oferecia para pagar, ao balcão de um botequim de esquina, uma bebida a uma desconhecida que se apressou a encostar-lhe as mamas na barriga e apertar-lhe o falo com os seus dedos de aranha. Ia perguntar se ele tinha alguma coisa no bolso ou se estava contente por a ver, mas ele não estava nada contente por vê-la. Infelizmente também não tinha nada no bolso. Pagou-lhe a bebida e foi-se embora fazer aquilo que pensara fazer por uma vez na vida com uma mulher: passear na marginal e falar. E fê-lo, só que falando consigo mesmo.
Sair para o engate quando não se precisa de sexo é diferente de sair para o engate quando não se quer outra coisa. Ela percebeu isso na primeira tentativa, enquanto apreciava os lábios dum homem a remexer um palito entre dentes com nódoas verdes de esparregado. Do peito saiam-lhe alguns pêlos arduamente penteados e da boca alguma palavras arduamente soletradas. Tens uns pára-choques fixes, cuspiu ele. Ela acabou por fugir aproveitando uma suposta ida à casa de banho. Queria, por uma vez, dar a mão a um homem e dividir o prazer de ver montras com ele, mas acabou por dar as suas próprias mãos uma à outra enquanto encostava a cabeça ao vidro duma loja abandonada.
Talvez por isso continuem os dois a dividir a vida. Ele fingindo que gosta da voz dela, ela fingindo que percebe as piadas dele. Sempre com muito sexo que, afinal, talvez não seja só isso.

11.22.2010

conversa 1642

Ela - As mulheres precisam menos de sexo do que os homens.
Eu - Como é que sabes?
Ela - Sou mulher e vivo com um homem.

conversa 1641

Ela - Ando a tentar ter uma vida social mais activa.
Eu - Acho que fazes bem.
Ela - Acho que se tiver uma vida social mais activa tenho também mais oportunidades de conhecer homens interessantes.
Eu - Pois... é possível. E o que é que andas a fazer para ter uma vida social mais activa?
Ela - Para já fiz uma lista com as minhas amigas que eu acho que são mais feias do que eu. Agora vou convidá-las, uma a uma, para sairmos uma noite destas.
Eu - Quem é que está na tua lista?
Ela - Que tu conheças está pelo menos a Márcia*
Eu - A Márcia não é...
Ela - Não é o quê? Não me digas que ela não é mais feia do que eu.
Eu - Não, não. Estava a dizer que a Márcia é bonita.
Ela - Bem... acho que é melhor riscar a Márcia e passar para a seguinte.
Eu - Qual é a seguinte?
Ela - Não digo. Começas a dizer que elas são bonitas e daqui a pouco não tenho ninguém para convidar.
Eu - Pronto. Quantos nomes tens?
Ela - Três.
Eu - Ok... ainda te restam duas amigas mais feias do que tu.
Ela - Não achas pouco?
Eu - Sei lá, não acho nada. O que é que eu hei-de achar?
Ela - Devias achar pouco.
Eu - Opá... se quiseres vou eu contigo. De certeza que a maior parte dos homens que se possa interessar por ti me acha mais feio do que tu.
Ela - Mas tu és homem. Se eu sair com um homem nenhum se vai interessar por mim.
Eu - Isso não é ter uma vida social mais activa. Isso é sair para o engate.
Ela - É?
Eu - É. Uma vida social mais activa é saíres comigo e ires conhecendo amigos meus e eu amigos teus.
Ela - Isso não quero. Prefiro o engate, então.

* nome fictício

pensamentos catatónicos (222)

Hoje o comboio onde eu seguia de manhã no sentido Porto-Aveiro atropelou uma senhora. O revisor percorreu todo o corredor central da composição para informar que a viagem ia atrasar bastante. Lá dentro, apesar da morte nos carris, a vida continuou. Uns protestavam com o atraso, outros telefonavam para parte incerta, outros liam o jornal como se nada fosse. Não sei explicar bem porquê mas esta mania que a vida tem de continuar sempre, independentemente do que nela acontece, faz-me confusão. Alguns passageiros saíam pela única porta aberta para ir ver o cadáver. Eu, que não tenho prazer nenhum em ver cadáveres, encostei a cabeça a uma das janelas e tentei adormecer. Quando a vida continua sem eu perceber porquê é o que faço: tento dormir.
Foi com a cabeça encostada ao vidro da janela que tentei visitar outros momentos em que fiz o mesmo: tentar adormecer para contornar a sôfrega e intrigante respiração da vida. Foram todos momentos em que, por uma razão ou outra, um Amor terminara ou estava em vias de terminar. Passei o resto do dia com esta transparente indisposição. Não pela morte da senhora em si, mas pelo paralelismo que estabeleci sem querer entre o fim da vida e o fim do Amor. Não é a mesma coisa, pois não?

11.19.2010

conversa 1640

Ela - Hoje não tenho ninguém para sair à noite.
Eu - E o teu marido?
Ela - Está um bocadinho chateado comigo.
Eu - Jantar fora e beber um copo num bar simpático pode ser uma boa maneira de fazer as pazes com alguém.
Ela - Bem... ele está muito chateado comigo.
Eu - Mas está assim tanto que nem as pazes quer fazer?
Ela - Para ser sincera ele está é amuado comigo.
Eu - Mas o que é raio aconteceu?
Ela - Perguntei-lhe se ele não era capaz de se despachar.
Eu - Despachar?
Ela - Sim, durante o sexo.
Eu - Ah!
Ela - Eu já estava satisfeita e ele nunca mais acabava...
Eu - Ah!
Ela - E estava quase a começar um programa de televisão que eu queria ver...

11.18.2010

conversa 1639

Ela - Ando há que tempos para explicar ao meu marido que preciso de vida própria.
Eu - Não tens vida própria?
Ela - Acho que o facto de viver com ele e praticamente já não fazer nada sem ele está a matar lentamente a nossa relação. A única coisa que faço sem ele é trabalhar no escritório...
Eu - Eu percebo isso perfeitamente.
Ela - Percebes?
Eu - Percebo.
Ela - Mas há uma vantagem nisto tudo.
Eu - Qual é?
Ela - Não odeio completamente o meu trabalho. Na verdade até começo a gostar de ir trabalhar.

são só palavras...

...para informar que hoje à noite no Clandestino Bar, em Aveiro, os Couscous Prosjekt vão passar música toda a noite. A mariana também vai...

11.17.2010

conversa 1638

Ela - O ciúme que um homem tem é maior quanto mais inseguro esse homem é.
Eu - De certeza?
Ela - Sim, o meu marido anda muito ciumento, e isso tem a ver com o facto de estar a ganhar uma barriguinha e de ainda haver homens que olham para mim na rua...
Eu - Acredito que haja homens a olhar para ti na rua, não acredito é que ele esteja inseguro.
Ela - Está, está. Não o assume mas eu noto.
Eu - E tu? Nunca tens ciúmes?
Ela - Tenho, claro que tenho. Mas as mulheres não têm ciúmes por insegurança.
Eu - Então é porquê?
Ela - Quanto mais detestam a gaja que se meter com o homem delas, maior é o ciúme que sentem.

mataram o pião

Lembro-me de ter que pôr as duas mãos em cima do velho balcão de madeira da loja e içar-me para conseguir ver os vários piões que o senhor Chico punha à minha disposição. Depois pegava neles deixando-me cair no chão para os poder observar ao detalhe. Fazia isto um a um antes de escolher o pião ideal. À noite, o meu avô observava-o também e aprovava ou não a minha decisão.
E se cedo a minha vida com as mulheres começou a falhar (a Helena, a Teresa e a Márcia nunca me ligaram nenhuma durante o ciclo preparatório), não foi por causa da minha falta de investimento pessoal nessa primeira formar de afirmar a masculinidade. Os rapazes tinham piões, as raparigas não. E numa aula de Ciências da Natureza sobre transferências de energia em que era preciso escolher um aluno para demonstrar como se transferia a energia para o pião, fui eu o escolhido com o voto quase unânime de todas elas. Por uma vez na vida todas as miúdas, ou quase todas (raios Márcia, eras sempre tu), escolheram-me a mim para alguma coisa.
No recreio jogava-se ao Racha. Fazia-se um círculo no chão e tinha que se conseguir que o pião começasse dentro desse círculo e acabasse fora, caso contrário ficava onde estava para os outros jogadores tentarem parti-lo. Normalmente partiam-no mesmo. Depois vinham as lágrimas e um pontapé ou outro de vingança. Era um jogo viril e uma aprendizagem para a vida. Não se podia falhar.
Agora mataram o pião. Ontem os meus enteados apareceram em casa excitados com um brinquedo novo, uma coisa de plástico e metal chamada beyblade. É uma maquineta às cores que faz um pião girar sem hipótese de erro. Aquilo gira sempre, basta puxar uma espécie de cordel e já está. Depois os vários beyblades vão girando uns contra os outros até o último parar. Mais nada. Nunca se partem nem exigem o aperfeiçoamento da técnica para enrolar o cordel. É o fim do pião. É o fim de tudo.
O governo devia proibir imediatamente a importação do beyblade. Qualquer dia vemos os velhotes no parque a jogar à malha ou à petanca com peças de plástico e um contador electrónico a pilhas. Não me fodam, há coisas que não deviam mudar.

11.15.2010

conversa 1637

Ela - Mais uma amiga minha que engravidou sem querer.
Eu - Sem querer?
Ela - Sim, acho que ela e o namorado utilizam o método do "tirar fora na hora h".
Eu - Bem... deviam saber que não é um bom método.
Ela - Não deviam nada. Ela está tão feliz...
Eu - Feliz? Se calhar engravidou mas foi por querer engravidar.
Ela - Oficialmente foi sem querer, isso é que interessa.
Eu - Interessa como?
Ela - É mais bonito engravidar sem querer. Quer dizer que há tanta paixão naquele casal que nem conseguiram separar-se a tempo.
Eu - Não estás a falar a sério, pois não?
Ela - Claro que estou. Tu é que és um insensível.

11.12.2010

conversa 1636

(ao telefone)

Eu (atendendo) - Olá! Diz depressa que estou a conduzir.
Ela - Estás a ir para onde?
Eu - Para o trabalho. Diz depressa...
Ela - Encosta.
Eu - Não posso, estou na auto-estrada. Diz depressa...
Ela - Não dá para encostares só um bocadinho?
Eu - Não posso. Diz depressa...
Ela - Mas vai trabalhar até que horas?
Eu - Não sei. Até tarde de certeza. Diz o que querias dizer depressa, por favor...
Ela - Olha, esqueci-me do que te ia dizer. Telefono-te outra vez quando me lembrar.

pensamentos catatónicos (221)

Nunca durmo com a persiana totalmente fechada. Gosto que a luz do dia se intrometa lentamente nas minhas pálpebras e me acorde com a suavidade que só a luz sabe ter. Esta foi sempre uma das minhas incompatibilidades naturais com as mulheres, que têm a mania de tapar qualquer orifício do quarto por onde o Sol possa espreitar de manhã.

11.11.2010

conversa 1635

Ela - Acho que estou apaixonada.
Eu - Achas ou tens a certeza?
Ela - Acho. Ainda não fui para a cama com ele.
Eu - E só depois de ires para a cama com ele é que sabes se estás apaixonada?
Ela - Só depois de ir para a cama com ele é que sei se me quero apaixonar.

11.10.2010

esferográficas

Faço parte do grupo de pessoas que não se lembra de ver a tinta duma esferográfica chegar ao fim. Provavelmente nunca vi. Perco-as, 'emprestado-as' ou simplesmente estrago-lhes o bico ao escrever uma palavra mais nervosa, mas de todas as esferográficas que comprei nunca nenhuma morreu nas minhas mãos. Pior, comprando-as regularmente, sou aquele que nunca tem uma à mão quando é mesmo preciso.
Às vezes penso nisso e tenho pena. Gostava de pelo menos uma vez na vida fazer uma homenagem decente a quem me dá tanto (e este 'quem' refere-se, de facto, às esferográficas). É que numa esferográfica já vêm as palavras todas que nós queremos escrever. Basta-nos tirar a tampa, chamá-las no nosso pensamento, e dispô-las numa folha de papel pela ordem que queremos.
Engana-se quem acha que falar é o mesmo que escrever, e que por isso a nossa língua e os nossos lábios podem ser uma alternativa fiável a uma caneta e um pedaço de papel. Não é. Aliás, o Amor é a primeira prova disso. Sou capaz de jurar que todos aqueles que confessam o seu Amor pela primeira vez na vida o fazem através da escrita e não através da fala. A explicação é simples: a folha de papel na qual escrevemos é sempre compreensiva. Os outros, aqueles a quem falamos, não são. Principalmente quando falamos de amor.
Há uns dias, enquanto folheava alguns cadernos do liceu, encontrei uma folha de papel que tem uma das primeiras confissões de Amor que fiz. Li-a e reli-a várias vezes, como se aquele pedaço de papel fosse uma vida qualquer adormecida. E acordei-me. Lembro-me tão bem de o escrever numa aula de Matemática enquanto fingia ouvir a professora.

Passaste agora do outro lado da janela. Passaste e na paisagem ficaram os cabos de alta tensão que parecem a pauta duma música qualquer que fala de ti. Que te canta. Neles, com o céu ao fundo, os pardais são as notas soltas que dançam.

Há bocado sentei-me num café e rasguei uma folha dum caderno que tenho na mala do computador. Queria reescrever este pequeno pedaço da minha adolescência. Torná-lo mais adulto, talvez. Depois procurei em todos os bolsos do casaco uma caneta que comprei há uns dias num supermercado e nada, já não a tinha. Provavelmente deixei-a ontem num restaurante onde a usei para escrever uma nota num cartão de apresentação que entreguei a um conhecido. Fiquei por isso novamente a ler e reler aquela minha confissão fossilizada num papelinho há mais de vinte anos. Reli-a tantas vezes que acabei por falar alto sem querer. Talvez as pessoas que tomavam café na mesa ao lado tenham ouvido. Sei que pela primeira vez na minha vida fiquei feliz por não ter uma esferográfica à mão. Há, de facto, confissões de Amor que se fazem a uma folha de papel, mas só devemos fazê-las uma vez. À segunda, nem que seja mais de vinte anos depois, devemos dizê-las. Ou cantá-las até. Sei lá. E eu estou a dizê-la, sem a reescrever, à Raquel.

respostas a perguntas inexistentes (112)

 O resto... logo se vê

Seca a face com a toalha prolongando o momento. Já não se lembra muito bem do último abraço que recebeu sem ser duma toalha de rosto e, talvez por isso, a beije agora enquanto se enrola nela como um caracol que se fecha na própria concha.
Já se tinha habituado à falta duma voz constante dentro de casa, mas é a primeira vez que sente verdadeiramente solidão sexual. Talvez porque as vozes dos homens dos anúncios na secção Relax do Jornal de Notícias não passassem duma ou outra pergunta do tipo “quer ficar por cima ou por baixo?”, “quer começar com um minete?” e, antes de saírem, “posso usar a sua casa de banho?”. Sexualmente satisfaziam-na, verbalmente não. E com o tempo foi ligando cada vez menos até abandonar completamente a ideia de que um prostituto pode substituir um companheiro.
Quando se divorciou foi mesmo isso que pensou, que a partir daí o melhor era nunca mais se envolver emocionalmente com ninguém e, uma vez por outra, pagar para ter sexo. A ideia brilhante foi-se desfazendo até que um homem que, segundo o seu anúncio, era “um canhão latino pequeno mas grosso”, começou a chorar em pleno acto e perdeu o tesão. Acabaram os dois abraçados na cama com ele a contar a sua vida desgraçada e como tinha acabado na prostituição. No fim perguntou-lhe se podia usar a casa de banho e depois saiu envergonhado sem cobrar os oitenta euros estipulados.
Desde então que os sons do rádio da cozinha enquanto faz o jantar, da televisão da sala enquanto janta e do vibrador a pilhas quando se deita, têm sido os únicos a propagar-se dentro daquelas paredes. Talvez seja a altura de aniquilar esse silêncio constante da sua vida, pensa. Dá mais um beijo na toalha antes de a deixar cair no chão para se ver nua no espelho da casa de banho. Ver-se mesmo, com a coragem que uma divorciada de quarenta anos e três filhos tem que ter, e não apenas mirar-se como se tivesse medo de enfrentar o tempo que vai passando pelo corpo. Ainda está boa, considera, e considera-o para si mesma e não para mais ninguém. É ela que tem que se achar bonita, é ela que tem que gostar de si. Ponto final.
E gostando de si vai tirar os pêlos das pernas e o pó dos melhores vestidos que tem no armário. Vai jantar sozinha num bom restaurante da cidade e depois beber um vermute num bar qualquer. Consigo mesma. O resto... logo se vê.

conversa 1634

(no café)

Ela – O meu marido perguntou-me se eu já o traí alguma vez desde que casámos. Acreditas nisto?
Eu – Acredito em quê? Que ele te perguntou isso ou que já o traíste?
Ela – Caraças! Vocês são todos iguais.
Eu – Iguais como?
Ela – Esquece.
Eu – Pronto, já me esqueci.
Ela – Não esqueças nada, pá. Tens que insistir comigo.
Eu – Insistir em quê?
Ela – Ao menos tenta perceber por que motivo eu acho anormal ele perguntar-me isso.
Eu – Ok... explica lá.
Ela – Tenta perceber sem eu explicar.
Eu – Sem tu explicares? Como é que eu faço isso?
Ela – Pensa...
Eu – Vou pedir uma cerveja, então. Queres uma?
Ela – Não se pergunta a uma mulher com quem se vive há mais de dez anos se ela o anda a trair ou não, porque isso é sinal de desconfiança. Percebes?
Eu – Percebo isso mas também acho que é melhor perguntar do que andar na dúvida, e se ele te perguntou isso é porque sente um ciúme qualquer e portanto ainda gosta de ti.
Ela – Ainda? Porquê ainda?
Eu – Nada, nada. Queres uma cerveja ou não?
Ela – Não pedes cerveja enquanto não me explicares esse 'ainda'. Achas que já não era suposto ele gostar de mim, é?
Eu – Acho que se ele te perguntou isso foi sincero. Podias simplesmente responder que não e deixar-te de merdas sobre o que se deve ou não perguntar à companheira.
Ela – Nem pensar nisso. Ele tem que confiar em mim ou ficar na dúvida.
Eu – Já posso pedir uma cerveja?
Ela – Pede lá a porcaria da cerveja. Eu quero um uísque e um chocolate.
Eu -Um uísque e um chocolate?
Ela – Sim.
Eu – De certeza?
Ela – Sim, não me chateies.

vai de comboio


"Desde que o meu marido vai de comboio, o meu amante tem mais tempo para me dedicar", é o que diz um cartaz da ala flamenga de um sindicato belga de ferroviários com a fotografia duma mulher em trajes menores, a propósito da falta de pontualidade dos comboios belgas. A ala francófona não gostou e diz que o cartaz é machista.
Não sei se o cartaz é machista ou não, mas sei que em Portugal os amantes devem ter todos muito tempo para as mulheres cujos maridos andam de comboio. Eu até proponho à CP que, pelo menos para os passageiros que usam o Vouguinha, faça uma publicidade a dizer: "Desde que o meu marido foi de Vouginha,nunca mais o vi".
ver no Sol

11.08.2010

conversa 1633

Ela - Este fim de semana aprendi uma grande lição de vida.
Eu - Qual?
Ela - Uma mulher nunca deve ir para a cama com o seu melhor amigo.
Eu - Não me digas que vais perder um bom amigo só porque foste para a cama com ele.
Ela - Não é isso.
Eu - Então.
Ela - É a imagem com que fiquei dele.
Eu - Imagem?
Ela - Sim, ele era um tipo que eu considerava estável e bom conselheiro. De repente vê-lo a babar-se todo... nem sei que te diga... acho que nunca mais olho para ele da mesma forma.

11.05.2010

conversa 1632

Eu - Estás tão bonita.
Ela - Isso são os teus olhos.
Eu - Se calhar são.
Ela - Não são nada, não são nada.

conversa 1631

(entre duas miúdas, hoje, no comboio urbano sentido Aveiro-Porto)

Ela - As bananas verdes são ideais para quem tem diarreia.
Ela 2 - São?
Ela - São.
Ela 2 - E onde é que as metes?
Ela - Não meto em lado nenhum. Como-as.
Ela 2 - Ah! Como disseste que eram só as bananas verdes...
Ela - As maduras têm o efeito contrário...

respostas a perguntas inexistentes (111)

Deu-se agora conta que tem passado bastante tempo a sonhar acordado. Por exemplo, viu um avião a cruzar os céus e imaginou-se nele a viajar para Banguecoque com aquela que acredita amar. Acabou de aterrar e percebeu que o café que a empregada lhe trouxe já está frio. Arrefeceu durante esse prolongado voo imaginário, assim como o seu espírito, que arrefece também também cada vez que desperta de um desses sonhos acordados. Têm sido tantos...
Deu-se agora conta que o Amor não o é apenas pela mulher acredita amar. É um desejo à partida seja por quem for, e por isso quando não se ama ninguém ama-se pelo menos a vontade de amar. Procura-se cumprir essa vontade, depois, em sonhos que se cumprem à hora do café. A uma hora qualquer, até, e assumiu que todas as pessoas absortas por quem passa estão a sonhar como ele. A mulher com a testa encostada à janela do autocarro, o homem sentado num banco de jardim, o condutor que não percebe que o semáforo passou de vermelho para verde, o estudante deitado na relva do liceu...
Deu-se agora conta que o desejo de amar é a nascente da solidão, e que um acto casual de sexo é mergulhar os pés na correnteza que dela brota. Sabe tão bem. Talvez por isso se tenha dado conta agora mesmo que a empregada é boa, e não quer usar outra palavra para a definir. É boa mesmo e pronto. Por isso é que lhe beija as costas cuja quietude dá início a um doce terramoto, e depois os lábios tremem, as mãos também, os seios também, as nádegas também e a vagina também. Talvez o mundo esteja todo a tremer. Por isso acorda. A chávena de café continua cheia. E fria.

11.04.2010

através do som



Gosto desta música como já gostei de algumas mulheres. Não é preciso dizer mais nada. Já gostei de algumas mulheres através da voz. Ouvi-as sem as ver e isso chegou para me apaixonar. Apaixonarmo-nos por uma música tem essa vantagem: basta ouvi-la para nos sentirmos bem. É como com as mulheres por quem nos apaixonamos desta maneira. Às vezes uma mulher pode ser uma música e uma música pode ser uma mulher.
A propósito, hoje os Couscous Prosjekt estão no mercado Negro, em Aveiro, a partir das 22:45 (mais ou menos). Sejam felizes...

conversa 1630

Ela - Hoje ao almoço tive uma discussão brutal com o meu marido.
Eu - Tens que ter calma. Às vezes acontece.
Ela - Calma o tanas. Estava mesmo a precisar...

conversa 1629

(no café)

Ela - Com quantas mulheres é que já foste para a cama?
Eu - Sei lá.
Ela - Foram assim tantas?
Eu - Não é isso. Só que agora, assim de repente, não te sei dizer.
Ela - Se tivesses ido só com uma lembravas-te de certeza.
Eu - Mas porque é que raio queres saber isso agora?
Ela - Só curiosidade.
Eu - Mas não te sei responder...
Ela - Eu acho é que não queres responder.
Eu - Se calhar.
Ela - E no último ano? Com quantas mulheres é que foste para a cama no último ano?
Eu - Uma.
Ela - Uma?
Eu - Sim... namoro há dois anos.
Ela - Não tens piada nenhuma...

11.03.2010

conversa 1628

Ela - Tenho um problema: amo um homem de quem me cansei.
Eu - Mas amas mesmo?
Ela - Amo, sei que sim. O que eu queria era poder chegar ao pé dele e dizer que quero fazer um intervalo de um ano na nossa relação.
Eu - Hum... percebo. E o que é que fazias nesse ano?
Ela - Andava com outros homens, claro.
Eu - Claro?
Ela - Sim, um dos motivos pelos quais eu me sinto cansada é que ando com ele desde o liceu. Só tenho uma vida e nunca experimentei outra coisa. Percebes?
Eu - Mas se lhe pedires esse ano ele não vai aceitar facilmente, pois não?
Ela - Não. Embora eu ache que ele está tão cansado de mim quanto eu dele.
Eu - Isso não facilita as coisas?
Ela - Não. Se ele me viesse pedir esse ano eu também reagia mal. Não o quero perder, só quero desenjoar dele, percebes?
Eu - Sim, percebo. Queres esse ano de intervalo mas não queres que ele também queira. No entanto achas que ele também quer... O ideal seria ele compreender que tu tens essa necessidade de experimentar outras coisas e ficar à tua espera fechado em casa.
Ela - Sim... é mais ou menos isso.
Eu - Pois... as coisas não são assim, pois não?
Ela - Pois não, eu sei. O que é que hei-de fazer?
Eu - Tens três hipóteses. Ou lhe pedes esse ano e sofres as consequências, que podem ser várias; ou não lhe pedes e manténs esse cansaço na tua vida enquanto der.
Ela - E a terceira hipótese qual é?
Eu - Acabamos de beber esta garrafa de vinho, abrimos outra, eu asso uma chouriça e ficamos na conversa até às tantas.
Ela - Opto por essa.
Eu - Óptimo.

talvez um destes dias toque no tecto...

O que eu quero é dizer-te que te amo. O problema é que dizer isso só assim parece sempre pouco. Deixa-me ver... é a mesma sensação que tinha em criança quando saltava para tentar tocar no tecto da sala e nunca conseguia. Vou tentar saltar mais desta vez...
O que eu quero dizer-te é que há bocado estava sentado num banco dum jardim qualquer numa cidade qualquer e o vento veio tocar-me. Abraçou-me os ombros e eu pensei que eras tu, apesar de saber que estavas a muitos quilómetros de distância. Isso acontece-me sempre, pensar que és tu quando um estímulo qualquer investe no meu corpo. Depois pensei que aprendi contigo que o Amor também é isso: achar que és tu quando a natureza respira.
Ontem, por exemplo, fiquei a ver a luz levantar voo devagarinho enquanto as sombras povoavam as ruas. Cada uma dessas sombras que ia surgindo me parecia sempre que eras tu, mesmo sabendo que não eras. Até cheguei a seguir uma delas com o olhar, convencido que a sua metamorfose se revelaria em ti. Não revelou, acho que entrou num automóvel qualquer e depois partiu, mas fiquei a saber que aprendi contigo que o Amor também é isso: achar que és tu a revelação da natureza.
O que eu quero mesmo é dizer-te que te amo. O meu problema é que nunca consigo. Até já pensei que é por ser homem que não consigo. Mas tento, a sério que tento. Talvez um destes dias toque no tecto...

11.02.2010

conversa 1627

(entre duas crianças no comboio)

Ele - Não gosto nada de beijos.
Ela - Os grandes beijam-se uns aos outros na boca, não é na cara.
Ele - Isso não são beijos.
Ela - São beijos, sim.
Ele - Não são nada que eu já vi. Metem a língua dentro da boca do outro para lhe limpar os dentes.
Ela - É?
Ele - É.