4.29.2011

conversa 1768

Ela - Eu estou interessada por um homem que não conheço da lado nenhum e admito que isso me faz confusão.
Eu - Faz-te confusão porquê?
Ela - Porque nem o conheço. Acho que estou mais interessada naquilo que imagino que ele é do que naquilo que ele realmente deve ser.
Eu - Só tens uma maneira de o saber. É ir ter com ele e conhecê-lo.
Ela - Posso ficar decepcionada se o fizer.
Eu - Pois podes, mas essa decepção passa com o tempo. A frustração de nunca ter feito nada para descobrir se realmente ele é ou não um homem de quem gostas é que pode não passar assim tão facilmente.
Ela - Pois... e no Amor não há segundas oportunidades, pois não?
Eu - É muito raro haver, acho eu. O melhor é aproveitar a primeira.

respostas a perguntas inexistentes (148)

os cinco sentidos

Sou contra as máquinas fotográficas digitais. Prefiro as outras, as químicas, aquelas em que é preciso meter um rolo que dá para tirar vinte e quatro ou trinta e seis fotografias e, depois de as tirar, ainda é preciso revelar e imprimir em papel para poder ver as imagens.
Contra mim falo, que também substituí o rolo por uma Nikon Coolpix não sei quantos e agora, quando ando com ela, tiro fotografias a tudo e a todos sem saber porquê. O que eu perdi foi a sensibilidade de escolher um momento e um enquadramento únicos. Todos os momentos agora são banais, pelo menos para quem levanta a mão e faz clic com uma mão enquanto come uma sande de fiambre com a outra. Mas isso nem é o mais grave. O pior é não haver um espaço de intervalo entre a visualização da fotografia que se tira e o momento em que se a tira. Qual é a piada de estar a olhar para uma foto de um castelo quando ainda se está dentro do castelo? Nenhuma. Pois é.
Esta semana recebi o telefonema de uma amiga que esteve recentemente na Tailândia. Tens que vir ver as fotos que tirei, disse ela. E eu fui, com uma garrafa de vinho na mão para regar a sessão. Devia ter levado um garrafão de cinco litros porque as fotografias nunca mais acabavam. Eram mais de mil e nem sequer tive tempo para a ouvir falar desses dias. Dantes, numa viagem de uma semana, tirar-se-ia no máximo umas cento e oitenta fotografias, o correspondente a cinco rolos de trinta e seis, e depois sobrava tempo para uma conversa, para ouvir um cd de música local e para provar uma amostra de queijo da região visitada. Desta vez fiquei-me pela violação dos meus olhos com uma enorme quantidade de imagens desinteressantes. Disse-lhe isso com um bocejo e não vi tudo até ao fim. Salvo pela honestidade, portanto.
A overdose de imagens que a Ana trouxe da Tailândia explica-se duma forma muito simples. É pelos olhos que nos apaixonamos, por isso é pelos olhos que tentamos registar a vida. Esse é o problema do olhar. Podemos apaixonar-nos através dele mas não conseguimos Amar através dele. O Amor é também um som, um cheiro, um sabor e uma textura. É esse o registo analógico da vida no Amor e é por isso que até podemos Amar às escuras.

4.28.2011

respostas a perguntas inexistentes (147)

fronteiras

A França e a Itália querem repor as fronteiras no espaço europeu. Há vários tipos de fronteiras na nossa vida, para além das fronteiras físicas entre países, e todas elas têm uma coisa em comum: tornam-nos a nós, pessoas do mundo, ainda mais pequenas e insignificantes.
A expectativa que temos uns dos outros também tem fronteiras. Por exemplo, aquilo que esperamos do condutor dum automóvel é que ele pare na passadeira para podermos atravessar uma estrada. Entre o peão e ele é essa a fronteira da expectativa. Se pensarmos bem, temos essa pequenez pragmática de não esperar muito uns dos outros. Aquilo que esperamos de um transeunte é que nos indique a direcção do nosso destino, aquilo que esperamos dum empregado de balcão é que nos tire um café e aquilo que esperamos dum porteiro é que ele nos abra a porta. Tudo o resto, aquilo que é o sumo da vida quando a esprememos, como a simpatia, um sorriso ou um abraço, pode vir ou não.
Só o Amor não tem fronteiras e é essa a sua grandiosidade. Esperamos tudo de quem amamos. Tanto, que até esperamos que o nosso Amor espere o mesmo de nós. Tudo. O Amor entre duas pessoas é, aliás, a demonstração política de que a utopia não existe enquanto tal.
Hoje mesmo vi um homem sentado no comboio com o computador em cima dos joelhos. A companheira dele, que seguia ao lado com um ar cansado, acabou por adormecer pousando a sua cabeça no seu ombro com a brandura de uma pena esvoaçante. Ele desligou imediatamente o computador, abdicando do que estava a fazer para tornar um pouco mais cómodo o sono dela. É esse o todo sem fronteiras que esperamos dos outros no Amor.
Os europeus não estão a perceber isso, e querem repor as fronteiras para que os que são capazes de dar o ombro a um Amor adormecido passem apenas a parar na passadeira, a tirar um café ou a abrir uma porta. Porque entre as pessoas de países diferentes passa-se o mesmo que entre pessoas do mesmo país. Ou tudo ou nada.

4.27.2011

conversa 1767

Ela - Se há coisa que detesto num primeiro encontro com um homem, é irmos jantar fora e ele recusar-se a escolher o vinho e a ementa.
Eu - Mas porquê?
Ela - Fico logo a saber que ali está um gajo com falta de iniciativa. Enfim, um panhonhas...
Eu - Hum... isso aconteceu-te?
Ela - Sim, ontem fui jantar com um tipo e ele disse-me para escolher eu o vinho, depois disse-me para escolher uma dose de qualquer coisa porque naquele restaurante uma dose dá para dois.
Eu - Era para gastar menos dinheiro. Não acho assim tão mal.
Ela - Mas então ele que propusesse qualquer coisa. Gosto de homens com iniciativa.
Eu - Se calhar ele estava só a ver se eras capaz de seres tu a escolher. Talvez também não goste de mulheres panhonhas...
Ela - Tens a mania que és engraçadinho, não tens? Estás a chamar-me alguma coisa?
Eu - Estou só a ver se te defendes. Gosto de mulheres com garra.

pensamentos catatónicos (241)

Ao ler o Público fiquei a saber que o radiotelescópio Allen vai deixar de escutar o Universo à procura de vida extra-terrestre. É uma desistência, portanto, mas uma desistência que eu compreendo. Escutar o vazio para procurar vida é algo por que todos passamos de vez em quando nas nossas fases de desamor. O vazio é o contrário do Amor e hoje, ao ler esta notícia, não deixei de pensar que é nesse estado que está o nosso planeta. Aquele que agora desistiu de escutar.

4.26.2011

coisas que fascinam (124)

crisálida

Quase todas as pessoas desprezam as lagartas, quase todas as pessoas gostam das borboletas. Uma borboleta é uma lagarta com asas. 
Hoje vi, pela primeira vez este ano, uma borboleta. Esvoaçava perdida entre uma interminável fila de automóveis impacientes pela mudança de cor dum semáforo, e eu parei para a seguir com os olhos por ser a coisa mais bonita da minha manhã. Acabou por desaparecer perto do cano de escape dum camião qualquer e eu segui o meu caminho, olhando para os meu pés que se moviam contra a vontade enquanto uma pedrinha me crescia na alma.
Acho que é assim que nos apaixonamos, parando a vida por momentos para seguir com os olhos o voo errante duma borboleta sufocada por centenas de canos de escape nervosos. Pelo menos é assim que eu o faço, numa tentativa de fuga ao dióxido de carbono do Desamor. Lembro-me de seguir a Raquel com o meus olhos para todo o lado como se ela fosse a borboleta dos meus dias, até desaparecer numa curva qualquer e eu me afastar com a mesma pedrinha na alma. O Amor tem a mania de ser isso: duas asas fugidias que nunca conseguimos tocar.
Lembro-me também da primeira vez que vi um casulo e da minha mãe me explicar, enquanto afastava os meus dedos daquele pequeno berço de seda, que aquilo era uma crisálida, ou seja, uma lagarta em vias de se tornar borboleta. Nunca mais me esqueci desse nome, crisálida, e foi com essa memória que  mais tarde desejei que a Raquel deixasse de ser borboleta e passasse a ser uma, só para eu lhe conseguir tocar. Porque o Amor é isso mesmo: irreversível na metamorfose da vida.

4.25.2011

25 de Abril

O 25 de Abril em Portugal coincidiu no tempo com outro golpe de Estado: o do Chile (1973), aquele em que os Americanos "mataram" um presidente democraticamente eleito, o Salvador Allende, para colocar no seu lugar um ditador sangrento, o Augusto Pinochet.

Com Augusto Pinochet, o Chile foi o primeiro país do mundo a adoptar o modelo económico da Escola de Chicago, liderada então pelo pai do capitalismo neoliberal, Milton Friedman. Friedman considerava que uma Economia sem qualquer regulamentação do Estado se regulava a ela mesma mantendo um equilíbrio natural. Falhou a experiência, e as privatizações que se fizeram no Chile (segurança social, recursos naturais, saúde, etc) rapidamente tiveram como consequência a fome. Para controlar a oposição Pinochet usou a tortura e a morte.

O modelo falhou, mas mesmo assim Friedman ganhou um prémio Nobel e o modelo foi exportado para todo o mundo Democrático, onde os partidos do poder foram aplicando as mesmas regras e, pouco a pouco, criando mais desregulamentação dos mercados e criando mais fome e pobreza. Em Portugal, os partidos que fizeram isso foram o PS, o PSD e o CDS. Por isso é que não voto nem nunca votei neles.

É que recuso-me a aceitar que a Democracia se resuma a um voto que ainda por cima é fortemente condicionado pelos media. Democracia é também gostarmos uns dos outros e termos uma Economia solidária, em que os impostos são usados para que os mais pobres tenham na mesma acesso ao que é fundamental à vida. O Capitalismo é o contrário disso, e portanto é também o contrário do Amor. Eu sou anticapitalista por causa disso, porque me recuso a aceitar que alguém, por ser pobre, não tenha acesso a água, saúde, educação, alimentação, habitação, mobilidade e... enfim... felicidade.

O Capitalismo é o modelo que cria propositadamente desemprego para que quem emprega possa pagar menos a quem trabalha, e ao mesmo tempo chama falhados aos desempregados. O capitalismo é o modelo do PS, do PSD e do CDS, e é por isso que eu não voto nem nunca votei neles. É também por isso que não olho para o 25 de Abril como algo que acabou, mas sim como algo que ainda está a começar.

Bom 25 de Abril para todos vocês, leitores deste blogue, de quem eu gosto e a quem, estejam desempregados ou não, desejo uma vida feliz.

4.24.2011

conversa 1766

Ela - Não percebo como é que o meu ex-marido já anda com a mesma gaja há três anos.
Eu - Porquê?
Ela - Quando nos divorciámos, eu disse-lhe que com aquela maneira de ser nunca mais ia conseguir dar-se com ninguém...
Eu - Mas parece que conseguiu.
Ela - Conseguiu. Bem, ele disse-me o mesmo a mim. Que era uma egoísta e que nunca na vida ia arranjar alguém que conseguisse aturar-me.
Eu - Mas tu também já tens um namorado há muito tempo, não já?
Ela - Há quase três anos também.
Eu - Parece que às vezes parecemos impossíveis de aturar mas até nem somos...
Ela - Pois é... é estranho, isso.

4.23.2011

conversa 1765

Ela - Não percebo como é que um homem, apenas uns dias depois de ter acabado com uma mulher, já consegue andar com outra.
Eu - O teu ex-namorado já anda com outra?
Ela - Já! Eu não percebo. Vou precisar de uns dois meses para esquecer.
Eu - Ele também. Envolver-se com outra mulher agora ajuda-o é a esquecer-se mais rapidamente.
Ela - Não percebo os homens.
Eu - Mas olha que é fácil.

4.22.2011

respostas a perguntas inexistentes (146)

Amor, Amore, Love, Amour, Liebe

O Amor em Portugal é um sopro ou um segredo, mas nunca é um grito. Os portugueses escondem a palavra "Amor" debaixo da língua ou atrás dos dentes como se tivessem vergonha de a soltar e, não vá ela morder alguém, quando a deixam vir cá fora espreitar amordaçam-na com o acento circunflexo (ô) que está lá mesmo sem estar.
Já os ingleses dizem "Love" como quem vai beber uma Pint a um pub, o que torna a palavra um tanto ou quanto banal. Aplicam o "Love" tanto a uma pessoa como a um objecto qualquer. Se uma inglesa me disser "I Love you" alguma vez na vida, ficarei sempre na dúvida se ela me ama ou se me quer comprar. A palavra "Love" não se esconde como a palavra "Amor", mas circula de boca em boca como um bêbado solitário o faz nas ruas de Londres: sem dar cavaco a ninguém.
É por isso que gosto da Itália, onde "Amore" é tão grande que é difícil escondê-la onde quer que seja, quanto mais num canto da boca ou atrás dos dentes. O "Amore" é aberto e confirma-se sempre com o "Io te voglio tanto bene" para que não restem dúvidas e para que a coisa venha com garra.
A garra, precisamente, é o que falta aos franceses. O "Amour" nunca vem só, é servido numa taça com champanhe, flores e caviar como se só pudéssemos ter o seu usufruto se lavássemos primeiro as mãos e nos vestíssemos apropriadamente. Exactamente o contrário dos alemães, cujo "Liebe" parece ter tesão para pouco mais de cinco minutos.
A forma como se diz "Amor" quer dizer tudo sobre um povo, e se é verdade que nós não somos capazes de gritar como os italianos, não nos queremos vulgarizar como os ingleses, não somos de floreados como os franceses nem martelamos como os alemães, também é verdade que segredamos como ninguém.
O nosso "Amor" é assim, um segredo que vagueia entre a louca nudez de um dia de Verão e a tristeza momentânea de um dia de chuva. Somos assim. Eu sou assim. De facto tenho orgulho nisso, num Amor que é  tão saboroso quanto melancólico e que só se dá quando os lábios se aproximam do ouvido e dizem: "Eu Amo-te!".

4.21.2011

respostas a perguntas inexistentes (145)

Amor e Água

Ainda bem que o Amor não se pode vender, senão um gajo qualquer como o Passos Coelho já o tinha dividido em fatias pequenas, embalado e colocado nas prateleiras dos supermercados. Tudo em nome do Crescimento Económico. Acredito que seria uma medida acolhida por uma grande parte da população, que diria aqui e acolá que "sim senhor, tem que ser, se as pessoas querem ter Amor têm que pagar. Claro" e olhariam para um mendigo de Amor, apaixonado à janela da mulher do seu coração, dizendo: - "olha-me este! quer Amar mas não quer pagar! Que vá mas é trabalhar". Afinal de contas o Amor é tão natural como a água e é isso que já acontece com ela. E com a comida e com tudo o que é essencial à vida. Resta-nos o Amor e a esperança que os desapaixonados da vida, vulgos capitalistas, desapareçam de vez.

Na verdade é para aí que isto caminha, um gajo pagar a conta do gás, da electricidade e na da água vir uma taxa qualquer porque o Estado descobriu que estamos apaixonados. A taxa do Amor. Afinal de contas o Amor é um recurso natural como outro qualquer. A primeira geração sente-se indignada mas a segunda não, porque já nasceu assim e foi ensinada a não questionar o que quer que seja. Passa a ser natural pagar a paixão ao quilo e pronto.

Nunca me consegui apaixonar por uma mulher, por muito bonita que fosse, que numa discussão política me dissesse que achava muito bem pagar a água como uma mercadoria. É que uma mulher que acha isso, lá no fundo, acha o mesmo do Amor.

segredos do mar

Logo à noite, pouco depois das 22:30 e até às 4 da manhã, é noite de dj Bagaço Amarelo no melhor bar do mundo, que para quem não sabe é o Clandestino em Aveiro. Também no Domingo à noite e no melhor clube do mundo, que para quem não sabe é o Mercado Negro em Aveiro, é noite de Skasonic (até à 1 da manhã) e dj Bagaço Amarelo depois dessa hora.

respostas a perguntas inexistentes (144)

da Páscoa e do Amor de Jesus

Por estes dias celebra-se a crucificação e a ressurreição de Jesus Cristo, mas não se celebra o Amor.
Dizem-se muitas mentiras sobre o Amor de Jesus, sendo que a maior de todas é a de que ele Amava toda as pessoas. A ter existido, acredito que Jesus tenha amado alguém, mas não todas as pessoas. Pelo menos, e para bem dele assim o espero, porque Amar todas as pessoas é a mesma coisa que não Amar ninguém.
Quem já experimentou Amar sabe que uma das definições de Amor é sentir que uma pessoa é especial. É querer tocar-lhe, ter sexo (ou, lá está, fazer Amor) com ela, dividir uma trinca num chocolate e passear de mão dada ao fim da tarde numa praia qualquer. Sempre sem condições.
Do Amor espero que todos, para bem também de todos, percebam isso mesmo: que a melhor forma de Amar passa pelo nosso egoísmo com quem Amamos. Só assim todos poderemos experimentar o Amor. Com alguém especial, claro.

4.20.2011

conversa 1764

Ela - Comprei um vibrador.
Eu - Compraste?
Ela - Sim, fui a uma sexshop em Madrid e comprei um.
Eu - Já o usaste?
Ela - Ainda não tive coragem.
Eu - Porquê?
Ela - Aquilo é maior do que qualquer pénis que já vi na minha vida. Não é que tenha visto muitos, mas já vi quatro ou cinco.
Eu - E não tens coragem porquê? Se tu é que controlas tudo...
Ela - Tenho medo é de, depois de o usar, nunca mais me satisfazer com um homem.

pensamentos catatónicos (240)

A mulher objecto

As mulheres detestam ser tratadas como objectos, pelo menos é o que dizem. Parece que lhes afecta a dignidade ou coisa parecida. Sempre tentei perceber isso mas nunca o consegui, principalmente porque nunca vi ninguém a tratar tão bem objectos como as mulheres com quem já partilhei a vida.

Lembro-me de um domingo daqueles em que não se tem nada para fazer, esses domingos que são tão santos quanto cheios de tesão porque, convenhamos, o ócio é o melhor amigo do sexo. A Sandra passeava-se por casa e eu a mendigar uma dose, meia que fosse, de atenção. Vi-a a abrir o telemóvel e escovar-lhe as entranhas com uma escova microscópica, vi-a limpar todos os vidros de todas as molduras lá de casa e vi-a a puxar o brilho a um vaso made in Germany que nem planta tinha. Plantado fiquei eu, quando arrisquei tudo metendo-lhe as mãos nas cintura enquanto lhe soprava ao ouvido que a achava mais bonita do que nunca. Que não gostava que a tratassem como um objecto, disse-me. Que eu queria que ela me tratasse como um objecto, pensei.

Sou homem. Normalmente chego a casa e atiro a mala para um canto qualquer da sala como se a quisesse esquecer. Faço o mesmo ao telemóvel, à carteira e ao porta-chaves. Costumo tratar assim todos os objectos que possuo: com o desprezo que lhes é inerente pelo facto de não respirarem, não conversarem e não Amarem. Quando um homem tenta ir para a cama com uma mulher não a está a tratar como um objecto, mas pelos vistos está a tentar ser tratado como um.

4.19.2011

conversa 1763

(no café)

Eu - Porque é que estás a chorar?
Ela - Por causa do filme que me emprestaste.
Eu - Estragaste-o? Não te preocupes, não é preciso chorar.
Ela - Não é isso. Comoveu-me.

respostas a perguntas inexistentes (143)

pasta dentífrica

Não acredito em conselheiros matrimoniais. Aliás, o facto de alguém achar que pode dar conselhos a um Amor que não lhe pertence é a primeira prova de que não percebe nada do assunto. O Amor não admite conselhos. Se porventura o admitir uma vez que seja deixa de ser Amor. Morreu ou, como dizem os brasileiros, danou-se.
Os conselheiros matrimoniais são pessoas que acham coisas mas não sabem nada. Nada de nada. Normalmente dão conselhos sobre o comportamento de cada um dos Amantes, ou porque acham que um deles fala demais e isso prejudica a relação, ou porque o outro é possessivo e isso prejudica a relação, ou porque o raio o parta e isso prejudica a relação. Não percebem que quando se Ama uma pessoa que fala demais, por exemplo, é assim que tem que se gostar dela, a falar demais. Se não se gosta e se lhe pede que fale menos, então não se ama essa pessoa. Ama-se aquilo que se imagina que ela devia ser.
Até se pode Amar uma pessoa que passou a falar menos porque foi aconselhada assim, mas só se a Ama mais ou menos. Também sabe bem, mas não sabe tão bem quanto o outro Amor, aquele que é só Amor e exclui o "mais ou menos".
É por isso que o Amor é raro, mas é também por isso que ele sabe tão bem. Um homem pode passar décadas a Amar "mais ou menos" sem perceber que lhe falta qualquer coisa. Eu só o descobri um dia quando estava a lavar os dentes e, por entre a espuma da pasta dentífrica, disse uma série de asneiras que pontilharam o espelho da casa de banho de pintinhas brancas. Eram asneiras felizes que brotavam dos meus lábios como um vulcão em actividade porque era assim também que estava o meu coração: em actividade. E quando ela me disse, num ar grave e sério, que eu tinha que limpar o espelho, continuei a Amá-la sem pestanejar.

4.17.2011

coisas que fascinam (123)

Os meus pais fizeram este fim de semana 50 anos de casados. Diga eu o que disser sobre Amores de cinquenta segundos, cinquenta horas ou cinquenta meses, fascinam-me mais os Amores de cinquenta anos. Escrevi-lhes este texto:

Chá de canela e gengibre

Das várias coisas que já fiz nesta vida, a última tinha sabor. Fervi água, juntei-lhe um pau de canela e um pedaço de gengibre. Depois deixei a mistura abafar durante uns vinte minutos para fazer chá. Foi a primeira vez que fiz esta infusão de sabores, que misturei da mesma forma que se mistura outra coisa qualquer: um amigo e uma cerveja, uma tarde e um livro, uma noite fria e um cobertor, um copo de vinho e algum queijo ou uma vida e alguém.

Descalcei-me sem desatar os cordões e atirei um sapato para cada lado, como se estivesse a dar um chuto em mais um dia cansativo, e sentei-me no sofá a beber da mesma maneira que aprendi a beber a vida: lentamente e em pequenos goles. Aliás, foi esta a forma que encontrei para contrariar a velocidade dos dias: bebê-los devagar.

Na verdade, mal ou bem, cheguei também à conclusão que esses dias, os nossos dias, não são mais do que as misturas e combinações que vamos fazendo. Misturamos sabores, sons, imagens, emoções, razões e também nos misturamos uns com os outros, numa decisão que acaba por se tornar das mais importantes na definição do que é a nossa tristeza e a nossa felicidade.

Foi assim, com esse pequeno e saboroso prazer a beijar-me os lábios, que me propus a escrever-vos sobre a mistura dos Vossos cinquenta anos, porque dessa mistura cinquentenária dependo eu e todas as misturas e combinações possíveis que já fiz ou ainda virei a fazer. Algumas delas amargas, outras bem doces, mas que independentemente do sabor valem sempre a pena.

Este texto é um agradecimento sincero por terem sido essenciais para que hoje, sentado neste sofá, eu esteja a experimentar mais uma dessas muitas combinações dos meus dias. Desta vez um chá de canela e gengibre. Amanhã outra coisa qualquer.

4.15.2011

conversa 1762

Eu - O que é que se passa?
Ela - Nada. Deixa lá...
Eu - Estás a chorar, é porque alguma coisa se passa.
Ela (abana os ombros)
Eu - Diz-me o que é que se passa, caramba! Estou a ficar preocupado.
Ela - Um dos meus gatos está doente.
Eu - Ah! Pronto, ainda bem que não é nada de importante.
Ela - Não é nada de importante?! Um dos meus gatos está doente. Se calhar vai morrer...
Eu - Sim, está bem, mas pelo menos não é nada contigo.
Ela - Tudo o que é com os meus gatos também é comigo.
Eu - Sim, quero dizer que pelo menos não és tu que estás doente.
Ela - Olha, sabes uma coisa? Eu não quero falar disto contigo.
Eu - Está bem, então não fales.
Ela - Opá! A sério...
Eu - A sério o quê?
Ela - Uma pessoa diz-te que não quer falar duma coisa e tu aceitas logo. Não dás luta nenhuma.
Eu - Mas, mas...
Ela - Eu sei que tu não interessas pelos meus gatos, mas pelo menos podias fingir um bocadinho. Eu estou triste...
Eu - Pronto, pronto... qual é o gato que está doente?
Ela - O Pintor.
Eu (risos) - Tens um gato que se chama Pintor?! A que propósito?
Ela - Já to apresentei, por isso devias saber. É aquele que tem pintinhas e parece um pintor cheio de tinta.
Eu - Sinceramente nunca levei a sério o acto de alguém me apresentar um gato. Um gato é um bicho, não se apresenta um bicho a ninguém.
Ela - Neste preciso momento estou a pensar porque é que sou tua amiga e não encontro motivo nenhum.

conversa 1761

(na minha casa)

Ela - Fui à tua casa de banho e aproveitei para me pesar na tua balança. Ela está calibrada?
Eu - Não. Tem um erro de cerca de oito quilos. Se te apareceu sessenta, por exemplo, é porque estás nos sessenta e oito.
Ela (gritando) - O quê?
Eu - Tem calma, estava só a brincar...
Ela - Ias-me matando do coração. Não tornes a fazer isso.
Eu - Foi só uma brincadeira.
Ela - Pois, mas agora nem sei se acredite ou não em ti. Será que os teus vizinhos da frente têm balança?
Eu - Não sei, mas não lhes vou pedir agora, quase meia-noite, que deixem entrar uma amiga minha para se pesar.
Ela - Era o mínimo que podias fazer depois do susto que me pegaste.
Eu - Vá, tem calma. Bebe mais um copo e come mais um queijinho.
Ela - Agora não consigo ingerir nada. Ainda estou em estado de choque.

4.14.2011

conversa 1760

Ela - Ando a juntar dinheiro para fazer um implante às mamas.
Eu - O quê?
Ela - Ando a juntar dinheiro para fazer um implante às mamas.
Eu - Opá! Não faças isso.
Ela - Porquê?
Eu - Porque não. Não precisas
Ela - Nunca viste as minhas mamas. Sabes lá se preciso ou não...
Eu - Nunca vi mas acho que não precisas na mesma.
Ela - São pequeninas. Sinto-me pouco feminina, às vezes.
Eu - Que mania estúpida, essa de achar que as mamas têm que ser grandes.
Ela - É o que os homens acham normalmente.
Eu - Olha que te enganas.
Ela - Não engano nada. É só conversa. Então como é que têm que ser?
Eu - Depende. Cada mulher é diferente da outra. Uma mama que cabe numa mão é o melhor.
Ela - Que cabe numa mão? Machista do caraças.
Eu - Machista?! Tu é que perguntaste.
Ela - Perguntei esteticamente. Não era para vires com essa do "cabe numa mão". Só pensam em sexo, os homens.
Eu - Caber numa mão é uma questão estética. Não estava a pensar em caber numa mão enquanto ela apalpa e mexe e isso. Era só uma medida.
Ela - Enquanto ela apalpa e mexe? A sério! Vamos acabar esta conversa.
Eu - É melhor, é.
Ela - Mas só para terminar: vou fazer um implante e pronto, está decidido.

4.13.2011

respostas a perguntas inexistentes (142)

o Amor e o Sexo

Olho para o Sexo deitado na vala duma rua escura, esquecido e abandonado como se fosse um malfeitor duma banda desenhada do Enki Bilal. Depois ergo o olhar e vejo o Amor lá em cima, na varanda de um andar com vista para cidade a beber champanhe, a comer caviar e a ouvir uma música qualquer. Chamo-lhe hipócrita claro, porque está na boa a observar o Sexo como se pudesse viver sem ele. Não pode, claro que não. Ele sabe-o, mas vive como se pudesse. É sempre assim. Por causa das mulheres, claro.

As mulheres sabem que o Sexo pode viver no esgoto e nunca se zanga, pelo menos definitivamente. Basta o Amor chamá-lo uma vez por outra e lá vai ele, como um cachorrinho abandonado na ânsia de algum conforto. Bate à porta, pede licença para entrar e depois senta-se no sofá ou deita-se na cama. Está é proibido de deambular pela casa. Que faça lá o que tem a fazer e depois leva outro pontapé, sai envergonhado e torna a esconder-se num escuro escaninho da rua à espera de ser chamado novamente.

Esse é o problema do Sexo: contenta-se com pouco mas as mulheres vêem-no como o mau da fita. Preferem viver com o Amor, com esse cabrão que passa a vida a pôr as pessoas tristes: homens e mulheres. Porque depois de viver como um Rei na casa de alguém decide ir-se embora sem dizer nada. Uma vez lá me deixou um bilhete inócuo a dizer "adeus, até à próxima" e nada mais. Nem sequer um "obrigado, gostei muito". Filho da puta! Foi nesse dia que passei a tratar muito melhor o Sexo. Se puder digo-lhe "bom dia" e "boa noite" todas as vinte e quatro horas. Trato-o bem, que ele a mim só me faz feliz. Pelo menos tenta, e mesmo quando não consegue torna a tentar. É incansável, o gajo. Um bom amigo.

Não é que eu me tenha zangado definitivamente com o Amor. Não senhor. Aliás, não consigo deixar de gostar desse lado sacaninha que ele tem de prometer muito e dar pouco. Lá lábia tem o gajo. Promete-nos este mundo e o outro, dá-nos uma pancadinha nas costas e nós dizemos-lhe logo que venha viver para nossa casa. Eu cá é que não o torno a fazer, claro. Já lhe disse que agora no meu andar vive o Sexo. O Amor está convidado a entrar sempre que quiser, mas deixe-se de merdas que eu estou farto de o aturar. Não vou expulsar o Sexo por causa dele. Se quiserem que durmam juntos na mesma cama.

a ar ocupa espaço e exerce pressão em todas as direcções

Lembro-me de uma das primeiras experiências que fiz quando andava a frequentar, creio eu, o primeiro ano do ciclo. A professora encheu um balão com a boca e ficou demonstrado que o ar ocupa espaço. Depois encheu um copo de água, tapou-o com um cartão fino e virou-o ao contrário. Como o cartão não caiu, ficou demonstrado que para além de ocupar espaço, o ar exerce pressão em todas as direcções.
Não demorei a perceber que o Ar e o Amor são a mesma coisa. São, aliás, aquilo que respiramos para poder viver. E, tal como o Ar, o Amor ocupa espaço e exerce pressão em todas as direcções. Quando uma homem se apaixona por uma mulher não há espaço para mais nenhuma, e a pressão é tanta que é difícil mudar isso.
Claro que uma vez por outra, quando se vira o copo cheio de água, o cartão cai mesmo e ficamos todos molhados. Eu cá não me quero molhar mais...

4.12.2011

coisas que fascinam (122)

Disse-me hoje uma amiga que está a viver um sonho porque lhe aconteceu apaixonar-se. Bebi mais um gole da cerveja, saboreando apenas a espuma. O Amor nunca é um sonho, disse-lhe. E não é. Um sonho cumpre-se imediatamente, já que o seu objectivo encerra-se em si mesmo: sonhar. O Amor é diferente porque tem dois fins: a alma e a carne. Aliás, quando amamos não paramos de sonhar, mas quando sonhamos podemos parar de Amar.
E ela perguntou-me o que é que eu queria exactamente dizer com isto. Bebi mais um gole de cerveja, desta vez mais fundo como se procurasse petróleo no copo. Ao contrário do Amor que nos acontece de vez em quando, um sonho é aquilo que nunca aconteceu, e é bom termos consciência que não estamos a sonhar.

um minete envenenado

Uma mulher terá, alegadamente, tentado matar o marido envenenando-o pela vagina. Segundo a notícia do JN, após um desentendimento do casal ela convidou-o para ter sexo oral. Ele desconfiou das intenções dela por causa dum cheiro estranho que emanava e, logo depois, foi a um posto médico onde foi submetido a uma lavagem ao estômago que não revelou indícios de envenenamento.
Ora, pelo que eu percebi, ele desconfiou que ela o queria matar, mas como eventualmente até podia não querer, ele fez-lhe na mesma o minete e depois foi ao posto médico. Just in case...
Bem, eu não me posso esquecer disto. Se algum dia for condenado à morte num Estado qualquer e puder escolher a forma de morrer, já sei qual é que escolho. Pelo menos morro feliz...

conversa 1759

Ele - Tenho uma namorada nova. Ainda estamos no princípio mas acho que vai resultar.
Eu - Fixe! E é fixe, ela?
Ele - Sim. Tem umas mamas fixes, um rabo um bocadinho gordo mas nada de exagerado, o cabelo curto e castanho claro...
Eu - Pois... eu estava a perguntar se era fixe mas como companhia, pessoa, essas coisas. Até era um bocadinho uma pergunta de retórica.
Ele - Ah! Acho que é por ainda estar no princípio. Sinto-me... sinto-me...
Eu - Deixa lá, eu sei como te sentes.

4.11.2011

conversa 1758

Ela - Descobri agora que o meu marido me traiu.
Eu - O teu marido?! Pensava que eras divorciada.
Ela - E sou. Traiu-me durante o casamento, evidentemente.
Eu - Ah! E como é que descobriste?
Ela - Ele contou-me.
Eu - Ah!
Ela - Cheguei à conclusão que ele é incapaz de ser feliz com uma só mulher.
Eu - Porque é que dizes isso?
Ela - Pela forma como ele me contou.
Eu - Como é que foi?
Ela - Disse-me: - "Assim como te traí a ti durante o nosso casamento, traio agora, sem problema nenhum, a minha mulher contigo".
Eu - Ele já casou outra vez?
Ela - Sim. Casou precisamente com a mulher que foi amante dele durante o nosso casamento.
Eu - Só por curiosidade, tu aceitaste?
Ela - Pedi-lhe tempo para pensar.
Eu - Tempo para pensar?
Ela - Sim. por uma lado não me apetece nada dar-lhe esse prazer, por outro lado uma vingançazinha ia saber-me bem.

ti no ni, ti no ni

Uma das maiores dificuldades da minha vida sempre foi ir às compras com uma mulher a um hipermercado. Não por detestar ir às compras nem por causa do tempo exagerado que se passa a tentar pensar que se podia estar na praia, ou pelo menos numa esplanada a beber uma cerveja, em vez de estar enfiado num sítio com luz artificial que mais parece um armazém de loucos à procura duma promoção. Não, o meu problema é que elas têm a mania de dar o carrinho ao homem enquanto percorrem as prateleiras e vão escolhendo o que querem comprar.
É uma maldade, principalmente quando ela se mete pelos corredores apertados de roupa feminina, cheios de mais não sei quantas mulheres paradas a pensar se cabem na peça de vestuário que têm entre as mãos. Ali sim, é preciso ser o melhor condutor do mundo, de preferência bêbado para ver se se esquece mais facilmente a tortura. E depois quando, no fim dum corredor desses e já suado, ela decide voltar exactamente pelo mesmo sítio e não comprou nada.
É nesse momento que um homem pensa que não tem que andar assim tão perto dela e, por isso, fica à entrada do corredor seguinte, o dos enlatados por exemplo, e se distrai a olhar para as cuecas duma outra mulher que se baixou para apanhar uma lata de atum das mais baratas, daquelas que estão no fundo dos fundos da prateleira mais baixa, e se ouve um grito capaz de fazer estremecer as fundações do Cristo Rei (o do Rio de Janeiro, não o de Almada): "Mas onde é que tu te meteste?". "Estava ali à espera...", responde um gajo a tentar esquecer as cuecas, e depois tem que enfrentar aquele olhar que lhe chama "completamente inútil porque nem um carrinho de compras consegue conduzir".
Aí sim, se vê a solidariedade entre homens. Eu, pelo menos, sempre que vou às compras sozinho, afasto-me mal vejo mais um cachorrinho atarefado a empurrar um carro atrás duma mulher qualquer. É a minha contribuição para um mundo melhor, ou pelo menos para um homem mais feliz. E ele devolve-me sempre aquele olhar que agradece a compreensão.
Hoje, no entanto, o terror apoderou-se de mim por alguns momentos. Ao entrar no corredor dos iogurtes, a Raquel serpenteou nada mais nada menos que quatro carrinhos, todos eles conduzidos por homens que tentavam manter-se perto das respectivas. Era o tudo ou nada. Percebi que não podia passar e fui dar a volta a uma velocidade impressionante, enquanto pensava no som duma ambulância em serviço. Não sei se cheguei a gritar "ti no ni, ti no ni", mas sei que todos me deixaram passar e, quando a Raquel se virou para colocar os iogurtes no carro, eu estava lá. Eu estava lá.

4.09.2011

coisas que fascinam (121)

As terras alentejanas são povoadas por laranjeiras que parecem ter saído à rua para aproveitar o calor do Sol. E ficam ali, envoltas no mesmo silêncio que percorre a quietude duma mulher à soleira duma casa caiada, ou dum homem que se refugiou num café pequeno como uma lagartixa num buraco fresco.

As laranjeiras das terras alentejanas definem por si só o que eu mais gosto no Alentejo. São bonitas sem serem vaidosas. Também são reservadas sem esconderem nada de ninguém. Se alguém quiser pode tirar-lhes uma laranja que sai tão facilmente como um "bom dia" ou uma "boa tarde" dum habitante qualquer.
Cresci a ouvir anedotas sobre alentejanos e, agora que conheço melhor algumas terras alentejanas, acho que as anedotas deste país estão em todo o lado menos lá, onde a vida tem mais sabor. Um dias destes, por ali, sentei-me à mesa com mais quinze pessoas para almoçar. Couberam dezasseis onde normalmente estariam dez. Hortelã no caldo verde, vinho da casa escorregadio, coentros a polvilhar a proximidade e no fim um "volte quando quiser" sincero. Aliás, sem simpatia exagerada mas com sinceridade. Como eu gosto.
Sabor, proximidade e sinceridade. Por uns dias o Alentejo foi uma mulher.

4.08.2011

conversa 1757

(no café)

Ela - Era capaz de estar a falar contigo a noite toda.
Eu - A noite?! É de dia...
Ela - Eu sei. Por acaso tenho que ir embora agora. Tchau!

coisas que fascinam (120)

quantos queres?

Escolhe uma cor, pede ela. E eu escolho. Amarelo. Não sei porquê mas desde criança que escolho sempre o amarelo quando me pedem para escolher uma cor. Em criança cheguei a fazer um "Quantos Queres?" só com a cor amarela. Quantos queres? Oito. Escolhe uma cor. Amarelo.
A Helena nunca escolhia o oito por ser um número par. Escolhia o sete ou o nove. Dessa vez percebeu que não tinha alternativa e acabou por aceitar o cerco que eu lhe fizera. Quantos queres? Sete. Escolhe uma cor. Amarelo. Abri o origami onde estava escrito a palavra "bonita". Fugi antes de lha mostrar deixando o jogo abandonado no chão, e acho que essa foi só a primeira vez que fugi à vontade de Amar.
Fugir a essa vontade tornou-se um hábito, e  raramente consegui dizer a uma mulher que a Amava, que a queria, que a desejava. Como fugitivo precisei sempre dum esconderijo qualquer, e encontrei-o no silêncio e numa indiferença que me roía por dentro. Às vezes, a esse silêncio correspondia um sorriso feminino que ainda aumentava mais a dor. A dor de me distanciar tanto do que estava tão perto. Acho que elas sorriam quando me percebiam e, agora que falo nisso, a Helena sorriu-me muitas vezes. Talvez tenha apanhado do chão o "Quantos Queres?" e o tenha lido.
Estamos num mundo merdoso, é verdade, onde a banca privada empobrece todos os dias mais alguém através de esquemas económicos complexos que não são explicados a ninguém. Chegou  a vez dos portugueses serem, mais uma vez, ajoelhados perante o poder especulativo desses esquemas. Resta-nos isso: não nos escondermos e sermos felizes. Pelo menos tentá-lo. Quantos Querem?

4.07.2011

conversa 1756

Ela - Às vezes estou sozinha em casa e não tenho ninguém a quem telefonar para sair.
Eu - Mas tu tens tantos amigos...
Ela - Pois tenho... Tenho-te a ti que tens namorada. A Sílvia tem namorado, o Henrique tem namorada, a Márcia casou e já está grávida, a Sandra vive em Setúbal...
Eu - Tens o Rui que é solteiro e bom rapaz.
Ela - É solteiro e bom rapaz mas é nerd.
Eu - É nerd?
Ela - Sim, é daqueles que andam sempre sozinhos. Também não deve ter ninguém a quem telefonar para sair.

conversa 1755

Ela - Se não me conhecesses de lado nenhum e passasses por mim na rua, metias-te comigo?
Eu - Claro que não.
Ela - Claro que não? Porquê?
Eu - Então... porque não me meto com nenhuma mulher só porque passo por ela na rua.
Ela - Ah! Estavas quase a apanhar.
Eu - A apanhar?!
Ela - Sim... pensei que me estavas a chamar desinteressante. Mas, de facto, também não gosto muito que se metam comigo na rua.

4.06.2011

conversa 1754

Ela - Gosto muito mais de me envolver com um homem totalmente desconhecido para mim do que com um amigo.
Eu - Porquê?
Ela - Porque não temos um passado em comum e assim, no princípio, é tudo novidade.
Eu - Ah!
Ela - Por outro lado, depois quando a coisa encarreira acabo por sentir a falta de um passado em comum.
Eu - Ah!

4.05.2011

mentiroso, sacana

O Amor é mais velho do que todos nós. Quando nós nascemos já o gajo andava cá há muito. É por isso que não acredito nos que acreditam que o conseguem dominar. Ele sabe mais do que nós. O melhor é tratá-lo bem e com delicadeza, não vá o gajo chatear-se connosco e amuar.
Os amuos do Amor são uma merda. Ponto. O nosso problema é que só percebemos que ele é o mais velho quando nós também já estamos velhotes. É então que aprendemos a lidar com ele com algum respeito e, portanto, a Amar. Quando somos mais putos só fazemos asneiras, mas aí a responsabilidade também é dele, que nos diz que a vida com ele é uma maravilha. Que é fácil. Não, não é. Mentiroso. Sacana.
Um destes dias enchi-me de coragem e fui falar com ele, assim cara a cara. Talvez tenha sido a primeira e última vez que o fiz, mas pelo menos deitei tudo cá para fora. Marquei com ele num café dos subúrbios e ocupei uma mesa do canto. Chegámos ao mesmo tempo, pelo que pedi um uísque para ganhar coragem. O gajo não pediu nada. Nitidamente não estava ali para falar comigo. Vinha ouvir-me por misericórdia. Só isso.
Bebi de golada o primeiro e pedi outro. Foi a primeira coisa que lhe disse: que se estava ali para me fazer um favor podia muito bem ir embora, que detesto quando se põe com compaixões. Aliás, o que mais detesto nele é a forma como se veste e fala. À conta disso já me tinha lixado a vida. "O que é que tu queres, pá?", perguntei-lhe. E ele mantendo um silêncio contínuo. "Deixa-te desse sorriso ignóbil senão fodo-te o focinho!", insisti e fiz o gesto como se o fosse esmurrar. O gajo nem se mexeu. É corajoso.
Acho que foi a primeira vez que todos nos café olharam para nós. Disse-lhes para terem calma, que nós éramos velhos amigos e essas coisas. Aproveitei para pedir mais um uísque e baixei o tom de voz. Perguntei-lhe porque é que eu só me apaixonava por mulheres que não gostavam de mim, daquelas que sorriem uma vez, dão uma volta à nossa frente e depois vão-se embora sem sequer olhar para trás. Disse-lhe que se era para isso mais valia nem sermos amigos, que ele podia ir embora e não voltar mais. Aliás, nunca o devia ter conhecido. E o gajo sempre ali quieto. "Mentiroso, sacana", desta vez chamei-lhe mesmo.
Pedi-lhe só que me explicasse uma mulher. Uma delas. A Sandra, por exemplo. Trabalhava na caixa dum supermercado onde fui comprar bebidas para uma noite com amigos. Ela disse, enquanto passava as várias garrafas no leitor de códigos de barras, que também andava a precisar duma festa. Nesse momento convidei-a, nessa noite ela apareceu e nessa mesma noite fizemos Amor e adormecemos juntos. De manhã ela não estava. "Que merda foi essa, pá?" E cuspi-lhe na cara.
A dona do café apressou o passo na nossa direcção. Tentei focá-la mas o uísque fez-me aninhar a cabeça nos meus próprios braços enrolados na mesa. "Mais um uísque", pedi. "Não pode ser, se quiser tiro-lhe um café. Já bebeu muito", respondeu ela. E percebi que me abraçava enquanto eu molhava as mangas da camisola com algumas lágrimas fugitivas, e que se me abraçava era porque estava sentada no lugar do Amor. Ele tinha-se ido embora sem sequer dizer adeus deixando-me ali sozinho com ela, sem saber se envergonhado ou apaixonado. Levantei a cabeça ao mesmo tempo que ela pousava o café na mesa e me punha a mão no ombro. "Vá lá, beba isso com calma...", segredou-me. A voz dela era doce. Obrigado.

conversa 1753

Ela - O meu marido está de viagem. Duas semanas fora de casa...
Eu - Isso é bom ou mau?
Ela - Nem sei. Antes dele ir, eu pensava que ia aproveitar e sair todas as noites para compensar a minha vida sedentária.
Eu - E não estás a sair?
Ela - Não. Quando a noite chega só me apetece ficar em casa.
Eu - Ainda bem, isso quer dizer que a tua vida não é tão sedentária assim.
Ela - Não é bem isso. Quer é dizer que eu não aproveito a minha casa quando ele está presente. Não é que a presença dele seja má, mas é sempre uma presença e eu nunca me sinto sozinha como gostava de sentir.
Eu - Pois, mas só dizes isso porque, de facto, não estás sozinha.
Ela - Eu sei... quero estar com ele e ao mesmo tempo sem ele. Percebes isso?
Eu - Percebo.
Ela - Ainda bem, porque eu já não percebo nada.

pensamentos catatónicos (239)

já são uns Homenzinhos

Devíamos deixar de dizer aos putos de hoje que eles são já são uns Homenzinhos. Em primeiro lugar porque isso é mentira, em segundo porque dizê-lo é uma forma de os torturar. Dizer às crianças que elas são já são uns Homenzinhos é tão estúpido quanto as praxes nas Universidades. É uma espécie de "eu vou lixar este gajos porque os que me antecederam também me lixaram a mim".
As crianças ficam logo em sentido só de saberem que já não são bem crianças, e o mais estúpido ainda é o que vem por trás. A palavra Homenzinho (com maiúscula porque é válida para homenzinhos e mulherzinhas) está carregada duma pequenez que nada tem de infantil. É a nossa pequenez, a de quem já é adulto. A pequenez do "porta-te bem", "não pises a relva", "não ponhas a televisão tão alto", "não sujes as calças", "não comas tantos doces", "não isto" e "não aquilo". Enfim, todo um rol de coisas que estamos desejosos de fazer mas não o fazemos porque... já somos uns Homenzões.
Hoje de manhã, enquanto tomava o pequeno-almoço num café no centro da cidade de Aveiro, um rapazinho de uns cinco ou seis anos de idade aproximou-se de mim e olhou para a minha torrada com ar de guloso. "Olá! Eu também gosto disso!", disse ele. E enquanto eu me preparava para pegar num guardanapo e dar-lhe uma daquelas partes do meio, com mais miolo e menos côdea, a mãe dele veio puxá-lo com força a mais e sensibilidade a menos. "Já és um Homenzinho!", disse ela.
Fiquei com o pedaço de torrada, que acabei por comer sem lhe sentir o sabor, na mão e com a "ela" na retina. Era bonita, sim, mas nada sedutora. Pelo menos foi o que eu pensei. Talvez já seja uma mulherzona.

4.04.2011

conversa 1752

Ela - Os homens são quase todos viciados em sexo.
Eu - Não concordo, embora acredite que normalmente, numa relação, os homens procuram uma actividade sexual mais regular que a mulher.
Ela - mais regular?
Eu - Sim. As mulheres têm mais fases de sim ou não do que os homens. Acho eu, claro.
Ela - Ah! É capaz. Isso vai de acordo ao que eu disse.
Eu - Olha que não. Acho que nunca me considerei viciado em sexo. Só num corpo, talvez...
Ela - Só num corpo, como?
Eu - Posso viciar-me no corpo duma namorada por exemplo, mas isso não é viciar-me em sexo, é viciar-me nela.
Ela - E se ela te faltar? Não saltas logo em cima de outra mal possas?
Eu (silêncio)
Ela - O teu silêncio é comprometedor.
Eu - Estava a pensar se o ópio e a metadona são a mesma coisa. Não são, pois não?

4.01.2011

conversa 1751

Ela - Às vezes apetece-me chegar ao pé do meu marido e perguntar-lhe directamente: "Ouve lá, tu ainda me amas depois destes anos todos?".
Eu - Tens dúvidas que ele te ame?
Ela - Sinceramente tenho. Achas normal, numa gaja como eu que tem a mania que é segura?
Eu - Se calhar é só mania.
Ela - Se calhar.
Eu - Não te sei dizer, mas às vezes acho que a dúvida é um dos alicerces do Amor, não te sei explicar bem porquê.
Ela - Talvez porque nessa dúvida resida algum encanto...
Eu - Talvez... ou talvez porque as certezas nos tornam imunes aos sinais de fragilidade numa relação.
Ela - Isso já te aconteceu?
Eu - Creio que já.
Ela - Então talvez não deva perguntar, que é para não saber a resposta.
Eu - Se eu fosse teu marido e me perguntasses isso, acho que te respondia que não e que só andava contigo pelo sexo. Só no gozo, claro.
Ela - Pois... mas ele nem no gozo pode responder isso.
Eu - Porquê?
Ela - Porque... porque... olha, porque há muito tempo que não se passa nada.
Eu - Ah!
Ela - De repente fizeste uma cara que até parece que descobriste alguma coisa.
Eu - Não. Não descobri nada. O que é que queres que te diga?
Ela - Talvez seja melhor não dizeres nada, de facto.

o cadáver

Ainda não lhe fez o enterro, mas já percebeu que o Amor quando morre é um cadáver pesado. Decompõe-se muito lentamente e anda-se com ele às costas para todo o lado, com o mesmo ar de um enlouquecido agente funerário. É com esse ar que ele está agora, enquanto espera por uma sopa morna na fila de um restaurante num shopping qualquer.

As filas para os restaurantes que fazem sopas são difíceis para um homem a quem o Amor morreu recentemente. Há sempre muitas mulheres povoando-as, porque são elas (e eles quando estão tristes) que mais facilmente se satisfazem apenas com uma sopa, e entre elas há sempre uma por quem um homem se podia apaixonar. Podia, porque enquanto se carrega o cadáver do Amor não se consegue nem pode. 
Neste caso seria a ruiva que está agora a ser atendida e que pede um caldo verde, uma gelatina vermelha e um sumo natural. Não será, porventura, a mais bonita, mas é aquela que ele gostava de poder abraçar neste momento. Não sabe porquê, claro, que os ingredientes de um abraço são como os duma receita secreta. Não os deciframos, apenas lhes conhecemos o sabor. Agora que pensa nisso, a responsabilidade de um abraço é a mesma responsabilidade do Amor. A do tempo que passa, portanto. Às vezes gosta-se, outras vezes não, mas é sempre um carimbo que fica na nossa vida.
A ruiva reparou nele. Pelo menos é a terceira vez que os seus olhos encontram os dele e se escondem imediatamente na tigela de sopa já vazia, exactamente da mesma forma que uma avestruz esconde a cabeça e deixa o corpo à vista. É esse corpo que ele queria abraçar agora e cuja vontade, sem ele perceber, o fez em segundos sentar o cadáver que transporta na cadeira ao lado e tirar-lhe a pulsação. Ainda não bate nem dá sinais de vida, mas quase. Talvez amanhã, e sorri. Ela também.