6.30.2014

conversa 2107

(ao telefone)

Ela - Desculpa por este fim de semana.
Eu - Desculpa o quê?!
Ela - Por não te ter dito nada. Eu tinha prometido telefonar-te para jantarmos os dois, mas o tempo passou a voar e nem te avisei que não podia.
Eu - Não faz mal. Nem sequer me lembro de me teres dito que ias telefonar...
Ela - Não?!
Eu - Sinceramente não...
Ela - Raios, pá! Então eu faço-te uma coisa destas e tu nem ligas?!

6.25.2014

respostas a perguntas inexistentes (282)

Um dos meus brinquedos preferidos de infância era a máquina de costura da minha tia. Tinha um pedal muito grande que accionava uma correia que, por sua vez, fazia girar a roda que permitia que a agulha cosesse. Para mim aquilo não era máquina de costura nenhuma. Era uma locomotiva de um comboio e foi nela que eu fiz as minhas primeiras viagens de longa distância.
Uma das viagens que eu mais gostava de fazer era a Ouagadougou, capital do Burkina Faso, país que na época se chamava Alto Volta. Tinha visto o nome num mapa e ficado cheio de curiosidade. Como não havia internet, pouco mais sabia sobre a cidade do que aquilo que a enciclopédia lusobrasileira lá de casa me tinha ensinado. Ainda assim, normalmente nas tardes de Domingo, saía de Aveiro logo a seguir ao almoço na minha locomotiva improvisada e chegava a Ouagadougou uns vinte minutos depois.
Acabei por contar sobre essas viagens aos meus amigos da rua, aqueles com quem jogava futebol de vez em quando num passeio inclinado que ia dar à antiga fonte dos Amores, e todos eles gozaram com o nome da cidade. Só a Clara é que ficou tão interessada quanto eu naquele destino esquisito.
Houve um Domingo em que a levei comigo. Ao lado da cadeira onde eu me sentava para dar ao pedal, coloquei outra onde ela se sentou e passou uma tarde a visitar a capital do Alto Volta comigo. Foi lá que lanchámos bolachas e uma caneca de leite com chocolate preparada pela minha tia, apanhámos algumas molas de roupa que eram pedras preciosas e fugimos dum terrível coelho laranja que nos queria comer.
Já não me lembro muito bem da Clara, mas lembro-me que ela me aturou toda essa tarde cedendo às brincadeiras que eu queria fazer, sem alterar o argumento ou a substância das mesmas. Talvez tenha sido a primeira mulher a fazê-lo e quase de certeza a última.
Hei-de ir a Ouagadougou.

p.s.: eu tinha mesmo um coelho cor de laranja. não é uma piada política.

6.23.2014

gatas


Aqui há algum tempo aceitei acolher temporariamente uma gata em minha casa que, para além de algumas doenças, estava prenhe. A urgência era, à data, salvar-lhe a vida, algo que já foi conseguido. Foi em minha casa que ela pariu duas crias, uma das quais morreu logo no terceiro ou quarto dia de vida. A outra, no entanto, é bastante saudável e até já joga melhor futebol do que qualquer jogador da selecção portuguesa (tal como podem confirmar no vídeo).
Ambas as gatas estão para adopção. Como eu não sou o dono delas, não sou eu que vou decidir quem pode ou não levá-las nem em que condições, mas se houver interessados posso agilizar o contacto com quem de direito. Basta para isso que me contactem por email (bagacoamarelo @ gmail . com)


6.19.2014

respostas a perguntas inexistentes (281)

o Amor para totós

Quando alguém, para explicar porque é que se afastou de outra pessoa, diz que não houve química entre ambas, está a dizer a verdade. O Amor passa-se todo no cérebro e nada no coração, já sabemos. A testosterona nos homens e o estrogénio nas mulheres é que nos levam para a caminha. Além do mais, todas as sensações de paixão profunda se traduzem por reacções químicas cerebrais. A serotonina e a dopamina fazem-nos sentir felizes e a oxitocina faz-nos dar beijos na ponta do nariz.
Ao contrário do que se possa pensar, no entanto, a Ciência não está a acabar com o contexto onírico do Amor. Muito pelo contrário, está a elevá-lo ao seu máximo expoente. Para nos reproduzirmos, enquanto espécie, bastava pinarmos de forma mecânica de vez em quando. Todos nós sabemos fazer isso porque é assim que trabalhamos, sem grande vontade e mais por obrigação. O que aconteceu foi que o nosso caminho evolutivo nos trouxe para aqui, para um Amor que não conseguimos explicar mesmo quando ele está mais do que explicado.
Quando estou perto de quem Amo não penso que o meu hipotálamo está a produzir mais oxitocina do que o normal e por isso apetece-me beijá-lo. Penso apenas no imenso oceano de sorte que tenho por o poder fazer. Isso acontece porque há química e o Amor é químico. É o Amor para totós. Ainda bem.

6.18.2014

conversa 2106

Ela - Descobri como é que o futebol pode ser realmente bom para a minha vida.
Eu - E como é?
Ela - Com Portugal a perder como perdeu com a Alemanha.
Eu - Isso é bom para a tua vida?
Ela - É! Durante três dias o meu marido não abriu a boca. Andou sempre cabisbaixo lá por casa. Há muito tempo que não tinha tanta paz de espírito.

6.17.2014

respostas a perguntas inexistentes (280)

Do pão e do Amor

As paixões vivem da dificuldade. Quando se tornam fáceis morrem nesse mesmo instante. Desistam. Não há volta a dar. É por isso que não acredito quando alguém me diz que tem uma relação perfeita. A perfeição é o contrário do Amor.
Sobre os sobressaltos do Amor, já alguém os viveu com o padeiro? Claro que não. A não ser que se tenham apaixonado por ele. O padeiro faz o pão. É tudo muito fácil porque é só isso. Já o Amor Ama. Está tudo fodido.
É impossível pedir que alguém nos Ame da mesma forma que se pede um saco de pão, embora o desejo seja esse, acordarmos de manhã e pedirmos meia hora de Amor como quem toma café. Era bom, mas não existe.
Às vezes dou por mim no sofá da sala, naquela posição que não é sentada nem deitada, a pensar em como o dia foi difícil só por causa do Amor. É nesses momentos que me apercebo que vou fazer quarenta e três anos e tenho a sorte de ter uma vida difícil.

6.16.2014

pensamentos catatónicos (310)

Uma das coisas de que eu tenho inveja assumida dos adeptos de futebol é a facilidade com que se sentem felizes. Uma equipa ganha um jogo e parece que ganharam o dia ou até a vida. Gostava de conseguir o mesmo, mas não consigo. Ainda por cima eu próprio já tive essa sensação, porque também já fui adepto. Dá-me para ter saudades.
Agora, a facilidade com que os adeptos festejam um golo é a mesma com que eu festejo pequenos gestos de Amor, que são os que me fazem felizes a mim. Uma mão apertada, um abraço sincero, uma noite de encosto num sofá ou um beijo prolongado.
Como em tudo, às vezes sofremos golos na própria baliza.

6.13.2014

os meus pequenos segredos



Não sei se é normal, francamente, ter alguns lugares assinalados como segredos nas nossas vidas. Sei que para mim é. Principalmente em Aveiro, mas também em vários locais do mundo, encontrei sítios onde nunca irei com ninguém, mas apenas sozinho. São os meus pequenos segredos.
Chamo um pequeno segredo a um espaço qualquer onde já me tenha refugiado algumas vezes, onde consegui falar comigo mesmo com calma, normalmente sobre decepções de Amor, tenham sido elas maiores ou menores.
Na Holanda de Aveiro (chama-se assim por ter sido conquistada à água pela mão humana), em pleno rio Príncipe, há um canto que já me serviu de refúgio algumas vezes. Estive lá, por exemplo, no dia seguinte àquele em que conheci a Raquel. Nesse dia passei lá a manhã e parte da tarde, li um livro inteiro e molhei os pés, só para tentar perceber o que me estava acontecer. Sozinho, porque o Amor deve sempre evitar opiniões alheias.
Ontem voltei lá, não sei bem porquê, e decidi filmá-lo e desvendá-lo assim que vi um lagostim a movimentar-se com dificuldade na terra em direcção à água, onde o perdi para sempre. Não é nada de especial, mas para mim é um canto inesquecível de vários cantos da minha vida.
Podem vê-lo maximizado, porque está em full hd e com uma qualidade de imagem bastante boa.


6.12.2014

conversa 2105

Ela - Tu assumes demasiado facilmente que tens uma namorada.
Eu - Demasiado facilmente?!
Ela - Sim. Eu perguntei-te se tinhas namorada e disseste logo que sim.
Eu - Querias que eu dissesse o quê?!
Ela - Não queria que dissesses nada, mas a maior parte dos homens, quando diz que tem, diz também que está numa fase má e que a coisa deve estar para acabar.
Eu - Eu não estou para acabar...
Ela - Mas se o disseres sempre abres a porta a um caso extraconjugal.
Eu - Ah! Por um lado não quero abrir essa porta, por outro não acredito que as mulheres sejam parvas ao ponto de irem nessa conversa da relação que está muito mal e prestes a acabar.
Ela - É claro que não são parvas a esse ponto, mas às vezes fingem que sim...

6.09.2014

coisas que fascinam (172)

Das poucas vezes que tive problemas com os meu professores da primária ou do ciclo preparatório foi por causa das mãos. Sempre que pediam aos alunos para fazer uma rodinha e dar as mãos, eu recusava-me. Não era birra, era mesmo qualquer coisa de genuíno dentro de mim. Eu não gostava de dar as mãos. Ponto.
Claro que nos anos setenta e oitenta não havia qualquer tipo de compreensão para com estas manias, pelo que a coisa me valeu algumas reguadas e até expulsões com falta a vermelho. Uma vez a minha professora primária, já irritada, perguntou-me porque é eu não queria dar a mão a ninguém. Eu não soube explicar. Disse-lhe apenas que me fazia impressão. Apanhei.
À Helena, no entanto, dava sempre a mão. Corria com ela de mão dada pelo recreio todos os dias. Foi por causa dessas mãos dadas que experimentei o meu primeiro beijo que, aliás, não me soube a nada. Um dia a minha professora viu-nos assim e afastou-me dela. A lógica era que se eu não dava a mão quando me pediam, também não podia dar quando me apetecia.
Mesmo já mais crescido nunca fui muito de dar mãos. Às vezes acontecia e até gostava, mas a iniciativa nunca partia de mim e sim das poucas namoradas que tive na vida. Olhando agora para trás, creio que todas se queixaram disso pelo menos uma vez. Lembrei-me disso ontem, quando a passear em Matosinhos com a Raquel estiquei o meu braço e lhe dei a mão. Já aconteceu mais vezes com ela. Acho que é a primeira vez.

6.06.2014

pensamentos catatónicos (309)

Durante vários meses sentei-me à frente dela com o único objectivo de beber um copo. Às vezes mais do que um, outra vezes mais do que muitos. Nunca troquei com ela mais do que a informação necessária para conseguir o meu objectivo. 

- Um Bushmills, por favor.

Talvez, num dia ou noutro e assim como quem não quer a coisa, tenha falado do estado do tempo, aproveitando o facto de estar molhado pela chuva ou suado pelo calor.

- Nunca se viu um calor assim.

Mais do que a voz, lembro-me do seu constante sorriso. Ela ainda falava menos do que eu e limitava-se a cumprir os meus pedidos com o máximo de competência possível. Nunca me pareceu feliz nem triste, o que fazia dela um enigma.
Era a empregada do meu sítio secreto, aquele onde eu ia beber quando queria trocar dois dedos de conversa comigo mesmo. Não é fácil encontrar um bar onde me sinta bem sozinho. Por isso mesmo, quando encontro um nunca o divulgo. Provavelmente ela via-me como um homem solitário e silencioso, se é que alguma vez pensou nisso.
Ontem fui lá e ela não estava. Atendeu-me um tipo simpático e conversador que me disse que ela está de férias. Só bebi um copo e voltei para casa.
Às vezes são as pessoas que não conhecemos bem nem queremos conhecer melhor que nos fazem falta.
Uma pessoa pode ser um vício. Era só isso. 

6.05.2014

pensamentos catatónicos (308)

Às vezes, normalmente uma vez por semana, vou almoçar a casa dos meus pais. Fico sempre a saber que a minha mãe começou a preparar o almoço algumas horas antes, às vezes até no dia anterior. Também era assim quando eu era criança. Lembro-me de ver o bacalhau a demolhar lentamente numa grande bacia com água ou os bifes entre limão espremido e alguns dentes de alho cortados em pedacinhos.
É então que reparo que, apesar do meu humilde gosto pela cozinha, nunca preparo nada com antecedência. Quando cozinho para amigos, o máximo que faço é temperar a comida uns trinta minutos antes. Se cozinhar só para mim, nem isso.
Com o tempo perdemos o tempo, ou seja, perdemos a disponibilidade para pensar nas coisas com alguma antecedência. Só por si, a coisa pode não parecer grave. Afinal de contas vende-se bacalhau já demolhado e vinagre tão bom que tempera bem os bifes em cerca de dez minutos. É na falta de projecto que está o problema. Para a geração da minha mãe tudo era um projecto de vida, para a minha tudo é um improviso.
Às vezes tenho a sensação que este princípio se aplica a tudo. Também ao Amor, onde vamos Amando o que é possível Amar sem ensaiar muito a coisa. Dez minutos agora, vinte minutos amanhã. Só por si a coisa não parece grave. Afinal de contas os Amores vão-se digerindo como uma qualquer refeição improvisada.

6.04.2014

conversa 2104

(ao telefone)

Ela - Então?! Está tudo bem?
Eu - Sim. Estou aqui em casa com a Cristina, que veio cá visitar a minha gata.
Ela - E ela está bem?
Eu - Sim. A Cristina está sempre na mesma, o que no caso dela é bom sinal.
Ela - Estava a perguntar pela gata, não pela Cristina.

6.03.2014

conversa 2103

(na casa dela)

Ela - Vou comer um iogurte de ananás. Queres um?
Eu - Não, obrigado.
Ela - Não vamos comer nada durante algumas horas...
Eu - Eu sei, mas detesto iogurtes de ananás.
Ela - Eu também. Gosto de iogurtes de tudo, menos de ananás.
Eu - Então porque é que os compraste?
Ela - Se eu tiver iogurtes de que gosto, como-os todos duma vez. Assim só como quando tenho mesmo fome.

6.02.2014

coisas que fascinam (171)

da minha avó

Quando se é criança e se conversa com um velho, o mais interessante é perceber que os velhos falam a olhar para o passado e as crianças para o futuro. Acho que é por isso que, pelo menos às vezes, crianças e velhos se dão tão bem. Há um ponto de encontro entre as duas gerações, ponto esse que só se encontra nessas conversas.
Na loja do meu avô, por exemplo, lembro-me de um casal de velhos que ia lá apenas para falar. Ela entrava sempre depois dele. Nunca compravam nada, mas o meu avô recebia-os todos os dias como se não os visse há muito tempo. Enquanto ele falava do passado com um entusiasmo inesgotável, ela ficava em silêncio a ouvir as histórias que tinham passado ao lado da sua própria vida. Às vezes, entre um leve abanar de ombros, lá interrompia por uns segundos sempre no mesmo tom.

- Eu aturei muita coisa! - dizia.

E o homem e o meu avô sorriam entre dentes.
Assim, fiquei sempre com a sensação de que as mulheres é que tinham abdicado de si durante a vida. Independentemente das agruras da vida, os homens falavam sempre dela como se fosse um romance. Já as mulheres nem por isso. Primeiro para não prejudicar o casamento, depois para não prejudicar os filhos e por fim para não prejudicar os netos, remetiam-se a uma vida de algum silêncio sofrido. 
É assim que me lembro da minha avó, a viver sem prejudicar ninguém, prejudicando-se a ela mesma. Conversei muitas vezes com ela, comigo a olhar para o futuro e ela a olhar para o passado, ou seja, para este tempo em que agora eu vivo e escrevo com saudades dela.
As conversas entre crianças e velhos olham sempre para um dia como o de hoje, em que rego as plantas da minha varanda com as instruções que ela me deu há trinta e cinco anos atrás, numa estufa improvisada nas traseiras dessa loja. Sempre sem prejudicar ninguém, como todas as mulheres do seu tempo.

6.01.2014

conversa 2102

Ela - Estive a ensinar o meu marido a comprar fiambre e queijo num hipermercado. Quantidades necessárias consoante a semana, qualidade, preço, etc...
Eu - Fiambre e queijo?! A que propósito?
Ela - Os homens são óptimos para irem para a fila do fiambre e do queijo enquanto as mulheres fazem as compras...