12.31.2015

sejam felizes!

O fim de um Amor é sempre lento, mesmo que o seu início tenha sido espontâneo e explosivo. A explicação está na forma como olhamos para trás. É como se tivéssemos percorrido uma rua ladeada por extensas paisagens verdejantes mas, quando nos viramos para as rever, percebemos que elas deram lugar apenas a um imenso deserto. Ficamos ali, lentamente, a contemplar o nada em que tudo se transformou até lhe conhecermos cada centímetro.
Às vezes perguntamo-nos como é que tudo aconteceu, mas a verdade é que o nada nunca tem resposta e a nossa pergunta ecoa até deixar de se ouvir. É assim que olhamos para trás, quando um Amor termina, porque não há outra forma. Tudo bem. Eu sei que o Amor costuma ter um prazo de validade.
Ainda assim, há sempre alguém que nos diz que temos que olhar noutra direcção e continuar a caminhar, o que é mais ou menos verdade mas também é mentira. Ninguém deve virar a cara repentinamente a um desgosto de Amor. É com a lenta urgência que o longo momento exige que nos despedimos desse desgosto. Sempre. Como se acreditássemos que o nada se pode transformar de novo em tudo.
Hoje é o dia em que quase todos nós celebramos o tempo que passa. Eu, não tendo a certeza científica do que vou dizer, acredito que a maior parte das pessoas só o faz duas vezes por ano: no seu aniversário e na passagem de ano. De resto, percebermos que o tempo passa serve essencialmente para nos queixarmos de que caminhamos para a velhice.
Eu estou parado a olhar para um imenso vazio que surgiu repentinamente atrás de mim. Contemplo-o num misto de amargura e de doçura, que é ao que me sabe, por exemplo, a caneca de chá que tenho na secretária. Tenho pedido a quem me é mais próximo que não me diga para desviar o olhar, embora hoje o faça voluntariamente para desejar a todos os que aqui vêm visitar-me que olhem noutra direcção. Aquela em que a paisagem somos nós que a fazemos.
Sejam felizes!

12.29.2015

coisas que fascinam (199)

Aos dezanove anos escrevi a minha primeira história de Amor. Escrevi-a com o intuito de fazer um filme e, com excepção de algumas pessoas que me são muito próximas, nunca a mostrei a ninguém. Uma dessas pessoas é uma mulher por quem estive muito apaixonado e que acabou por ser a mãe da minha única filha. Separámo-nos dezasseis anos depois e hoje em dia, com quarenta e quatro anos, já perdi a conta às vezes que reescrevi a história. Ainda não fiz o filme.
Na verdade, cada mulher que fez parte da minha vida faz também parte da última versão da história. É por isso que a reescrevo. Se um dia, por acaso, eu conseguir mesmo passá-la para o ecrã, sei que nele poderei ver um pouco de todas as mulheres por quem me apaixonei. Saber isso traz-me de alguma forma uma sensação de alegria e também de angústia, porque naquelas páginas estão, ainda que de forma imperceptível para a maior parte dos potenciais leitores, tantos princípios como finais de Amores que sempre imaginei eternos.
Há algum tempo que não lhe pegava. Na verdade, tinha-a guardado numa pen de sessenta e quatro megabytes que comprei há sete anos e que estava cheia de pó numa gaveta onde guardo todo o tipo de recordações que não tenho coragem de ver de forma regular. Até hoje, dia em que a estive a ler porque, mais uma vez, preciso de lhe fazer alterações.
Das poucas coisas que aprendi com as diversas histórias de Amor que vivi, a mais importante é que a seguir a uma acaba sempre por vir outra. É assim que mantenho as forças para, em tempos estéreis, conseguir escrever sobre Amor.
Para além disso, e ao ler sobre os abraços que cada uma dessas mulheres me deu, percebi também que nenhuma mulher abraça da mesma forma. Sei, pelo menos, que o que um homem sente quando é abraçado por uma mulher nunca é igual ao que sente quando é abraçado por outra. Talvez seja assim que um homem se apaixona ou não. Através da singularidade de um abraço.
Se algum dia fizer o filme, quero que o último abraço, na última cena, pareça tão longo e tão curto como todos os abraços que recebi até hoje.

12.28.2015

pensamentos catatónicos (341)

Acho que já me aconteceu ser Amado por mulheres que nunca Amaram ninguém. Nem sequer a mim, claro. Mulheres que, não Amando ninguém, Amam histórias de Amor. As melhores histórias são sempre aquelas que nos parecem impossíveis de viver. É por isso que as mulheres que não sabem Amar me Amam de vez em quando. Sei contar histórias.
A tragédia das histórias de Amor é que, mais tarde ou mais cedo, acabam por abandonar a sua condição ficcional e passam a ser realidade, e as histórias de Amor verdadeiras dão-se muito mal com a realidade.
A realidade, apesar de tudo, não existe. Existem, isso sim, várias realidades porque cada um de nós tem uma. A minha realidade é que me apaixono mais facilmente por mulheres que gostam de histórias de Amor, ou melhor, por mulheres que não Amam ninguém.

12.24.2015

conversa 2178

(ao telefone)

Ela - Bom Natal para ti...
Eu - Bom Natal também para ti. Obrigado por teres telefonado...
Ela - Estou sem nada para fazer, à espera do meu namorado, e vou telefonando a todos os contactos da minha lista telefónica até ele chegar...

12.23.2015

sexo

Encostei-me a uma nuvem e a nuvem eras tu, com a tua voz trémula a perfumar-me e o teu corpo a fechar-se em concha. Primeiro não percebi muito bem o que é que os teus braços finos queriam, se afastar-me ou se abraçar-me. Depois concluí que tu própria também não sabias. Quando é assim, são os braços que mandam e não nós. Eu obedeci-lhes com receio.

- Sabes que eu tenho quase mais vinte anos do que tu?
- Hum...

E os teus braços a tentarem dar um nó cego em mim. Nunca to disse, mas o meu maior medo era partir-te. Quebrar-te em dois como se quebra, por exemplo, o esparguete antes de o cozer. Foi por isso que hesitei e te penetrei devagar, colocando as mãos a salvo do resto do teu corpo. Estavas tu a suar Amor e eu a Amar suor. Éramos só um quando te percebi a chorar.

- Queres que eu pare?
- Anda!

E eu fui.
Não to disse, mas os teus dedos frágeis pareciam pincéis a pintar-me em Pontilhismo quando me tocavam no rosto, com pequenas e indeléveis manchas Impressionistas. Nunca ninguém me tinha pintado antes, nem eu sabia que o Impressionismo partira do sexo com medo. Se eu soubesse, tinha-te explicado que não sou propriamente uma tela em branco. Foi a vida que me fez assim, em tantas pinceladas sem nexo que eu próprio não sei quem sou.

- Anda! - Tu outra vez...

Uma hora antes estávamos no teu bar habitual, com a tua cerveja habitual e os teus amigos habituais sentados na mesa ao lado. Cumprimentavam-te de forma a que eu os pudesse ouvir bem e tu respondias de forma a que eu não te pudesse ouvir de todo. Apeteceu-me dizer-te que és bonita, mas esse está longe de ser o maior elogio que te posso fazer. Calei-me.

- Gostas de David Byrne? - Perguntaste.
- Sim. Quando tu nasceste eu tinha dezoito anos e já ouvia Talking Heads...

Tinhas-me pedido para fechar a persiana do teu quarto e, em abono da verdade, só conheço o teu corpo por gestos. Nunca o vi, mas imagino-o agora numa pintura que descansa no meu peito e me pergunta pelo futuro.

- Não te metas nisso. Vai correr-te tão mal. Lamento.

E tu a abraçares-me mais.

12.21.2015

sete e meio

Nesta altura do ano, encontrar um bar que não tenha pelo menos um enfeite de Natal é um exercício doloroso. Por isso mesmo é que percorri várias ruas do labirinto da cidade, espreitando discretamente pela porta de cada um, até encontrar um balcão com uma cadeira vazia onde me pudesse sentar sem me lembrar em que época estou. O Natal deprime-me sempre, mas este está a deprimir-me mais do que todos os outros.
Apesar de tudo, tive sorte. A mesma mulher que me atendeu tinha acabado de colocar a agulha num vinil dos Rolling Stones e eu pude beber um copo de vinho durante o "You Can't Always Get What You Want". Um lugar vazio ao balcão de um bar que não tenha enfeites de Natal pode parecer um desejo simples, mas as cidades labirínticas são autênticas mulheres. Nelas nos perdemos e nelas desejamos o que, parecendo fácil, se torna impossível.
Com o primeiro gole, fechei os olhos para poder ver melhor o momento. A música é a última do lado b do "Let it Bleed", um álbum de 1969 que eu tive durante a minha adolescência e no qual ouvia repetidamente esta música. Pegava delicadamente na agulha e devolvia-a de forma repetida ao princípio do tema. Lembro-me de pensar várias vezes que era bom a canção durar sete minutos e meio, para eu não me cansar de o fazer.

You can't always get what you want 
You can't always get what you want 
You can't always get what you want 
But if you try sometimes, yeah 
You just might find you get what you need!

O que é que pode acontecer em sete minutos e meio? Tanto...
Uma bomba pode cair em Aleppo e matar uma família inteira. Nos casos mais cruéis, pode até deixar apenas um ou dois sobreviventes que viverão mais algumas décadas sem esquecer esse momento durante um segundo que seja. Dois turistas, um americano e uma espanhola, podem apaixonar-se em Roma e viver um Amor impossível durante todo esse tempo, com viagens e discussões constantes sobre o Atlântico e sobre quem devia mudar-se para onde. Um homem solitário pode escrever um texto sobre o que sente nesses sete minutos e meio e, daqui a muitos anos, tornar a lê-lo sem lhe perceber o sentido, mas lembrando-se que demorou a beber o copo de tinto exactamente o mesmo que a música a chegar ao fim.
A mulher aproximou-se do antigo gira-discos Akay e colocou a agulha no princípio da música para a ouvir outra vez. Olhou para mim de relance, talvez para perceber se eu consentia, e eu pedi-lhe outro copo de vinho, que ela me serviu com um pequeno chocolate negro.

- É daqui do Porto?
- Não. Venho muito aqui porque adoro cidades labirínticas...

12.17.2015

conversa 2177

(ao telefone, esta manhã)

Eu - Queres tomar o pequeno-almoço?
Ela - Quero...
Eu - Escolhe um sítio, que eu vou lá ter.
Ela - Ah! Estavas a dizer os dois juntos?!

12.16.2015

conversa 2176

Ela - Como é que andas de Amores? Bem ou mal?
Eu - Nem bem, nem mal. Nem sequer ando...
Ela - Tens que perceber uma coisa duma vez por todas...
Eu - O quê?
Ela - É muito raro uma mulher apaixonar-se por um homem. Normalmente, fica à espera que um homem se apaixone por ela e, na melhor das hipóteses, apaixona-se pela forma como esse homem gosta dela.
Eu - Foi isso que te aconteceu comigo?
Ela - Claro.

12.14.2015

respostas a perguntas inexistentes (358)

Uma vez convidaste-me para comer uma torrada em tua casa. Pode parecer vulgar, mas olhando para os meus mais de quarenta anos de vida não encontro outro convite igual. Estavas no terraço da tua casa e a Lua tinha mergulhado numa fina poça de água que crescera perto dos vasos com plantas.

- Gostas de torradas?
- Acho que sim... nunca pensei muito nisso.
- Queres tomar o pequeno-almoço comigo?
- Mas... são dez da noite.
- São. Terás que dormir cá e esperar pela manhã.

E então ergui os olhos e percebi que a Lua voltara para o céu.
Passaram-se alguns meses até voltarmos a comer torradas de manhã, num café encolhido numa das esquinas da cidade. Estavas a tentar explicar porque é que tinhas gostado de mim e eu, depois de te ouvir, percebi que não tinhas gostado assim tanto. Afinal de contas, também eu gostava de ti e não sabia nem me apetecia explicar porquê.
Nunca quis explicar os meus Amores. Nem os desAmores, já agora. Guardo-os numa gaveta muito especial da minha memória e só lá vou vê-los quando sei que isso não me vai deprimir. Duas formigas passeavam-se entre as migalhas que sobravam no prato e, por falar em formigas, os clientes já faziam fila na caixa. Queriam pagar e partir para mais um dia igual ao anterior e ao próximo. Acabaste por ir com eles.
Existem Amores que nunca o chegam a ser e, na verdade, são bons. São os Amores dos quais nos conseguimos despedir sem grande constrangimento. Num café, por exemplo, depois de comer torradas. 
Todas as pessoas deviam viver um Amor desses de vez em quando, só para tornar a vida mais leve. Os outros Amores, aqueles dos quais nunca nos conseguimos despedir, não vão lá com torradas. Foi o que eu te disse, pelo menos.

12.13.2015

mulheres em pinturas nos moliceiros (6)


OLHA QUE A PASSARA QUER A MINHOCA!...

12.11.2015

a mulher que não sorri

Sempre que escrevo, melhor ou pior, escrevo sobre uma mulher. Aprendi com o tempo que é uma forma dessa mulher existir, escrever sobre ela. E como a existência precede sempre o Amor, voltei à cidade do Porto para frequentar as oficinas de escrita criativa da TKNT. Aliás, ir ao Porto uma vez por semana é uma das terapias que vou manter na minha vida.
Um exemplo: a mulher desta fotografia passou a existir na minha vida, escrita por mim, esculpida pelo Nuno e fotografada pelo Paulo Pimenta. Para quem precisa de escrever por existir, as oficinas da TKNT são um conselho meu pessoal.


fotografia de Paulo Pimenta

O que me sobra na memória, espremido o dia, é a mulher do lenço branco na cabeça e da face escondida. “Sorria! Está a ser filmado!”, lê-se na entrada da lojinha de cacarecos onde turistas esgravatam ímanes para frigoríficos como galinhas a cercar um monte de milho. As galinhas sorriem ao olhar a placa, mesmo em Português, entendendo-a por causa de um smile pateta.
É tão estranho passar o dia a ver pessoas sorrir apenas porque lhes mandam. Como se estar triste fosse motivo de censura. Pior! Como se sorrir sem vontade fosse natural. Aquela mulher, fugaz como um insecto ao Sol, ficou-me cravada na memória por ser a mais honesta: A única que não sorriu. Vendo-lhe a cara, sei que me apaixonaria por ela. Sempre me quis apaixonar por alguém que não sorrisse por obrigação. Vou pedir demissão de vigilante desta lojinha – onde a minha tarefa mais importante é desconfiar de pessoas que sorriem por obrigação – para estar atento ao sol que desenha as paredes da cidade. Talvez torne a ver a mulher do lenço branco na cabeça. A mulher que não sorri

12.09.2015

respostas a perguntas inexistentes (357)

Do que me lembro é de gostares de mim. De me dares a mão num cruzamento onde o cheiro de flores se confundia com o de gasolina queimada e me dizeres que, talvez por isso, uma borboleta branca tivesse optado pelo alcatrão em vez das plantas que rareavam as margens. Sempre gostei que gostasses de mim em sítios inóspitos. O teu conforto fazia-me rir do desconforto da cidade.
E eu segurava-te também a mão, não fosses tu querer fugir e deixar-me ali. Uma borboleta numa manhã de Dezembro só podia estar enganada, disse-te. Mais do que isso, só se estivesse a enganar o mundo enganando também o seu próprio tempo. Talvez não lhe apetecesse ceder aos pequenos caprichos da vida e fazer tudo aquilo para que a genética a programou: voar em círculos tortuosos e errantes até morrer.

- Cala-te.

E eu calei-me. Cedi à complexidade neurobiológica que me fazia estar ali, de sorriso estendido numa cidade encolhida, a sentir o suor da tua mão chover na palma da minha. Depois parámos numa montra e tu apontaste para um quadro da cidade, pintado por alguém cujo nome não se reconhecia na assinatura.

- É por isso que te Amo. Vejo uma coisa bonita e tenho com quem partilhar.

E partilhaste. E abracei-te. É do que me lembro.
O Amor nunca foi de fiar. Há uma altura em que nem sequer conseguimos perceber como é que aquilo que é mais simples se torna tão difícil, ou seja, duas pessoas que gostam uma da outra gostarem-se de facto.
Talvez a tristeza de um desAmor vá sendo só isso. Ter os passos mais curtos porque nunca nos apetece chegar onde estamos a ir. Uma pequena mota ruidosa fere de morte o silêncio da manhã e uma interminável fila de cacos de vidro espreita-me de cima do muro de uma das casas da rua. É Dezembro e acabei de ver uma borboleta branca a pousar num poste público de iluminação.
Lembrei-me de ti. É do que me lembro, aliás. De gostares de mim.


12.08.2015

respostas a perguntas inexistentes (356)

Dos Amores às Escondidas

Se calhar todos nós Amamos às escondidas, como eu. Se for verdade, já todos vivemos algumas centenas de Amores diferentes, ou até milhares, mesmo que só tenhamos tido um Amor Mesmo na vida.
Os Amores às escondidas podem ou não ser recíprocos. Nunca sabemos, precisamente porque são escondidos. Quando, por acaso, passamos a saber que somos correspondidos, então deixa de ser um Amor às escondidas para passar a ser um Amor Mesmo.
Apaixono-me muitas vezes durante cinco minutos pela empregada do café, pela do quiosque onde compro o jornal, pela que se cruza comigo quando vou pôr o lixo lá fora ou pela que me atende na farmácia. Elas não sabem, claro. Nunca lhes disse. Afinal de contas, quando não as estou a ver não me sinto apaixonado. É apenas quando estão perto de mim, o que dá ao Amor uma explicação: a presença.
Há muitos Amores que nascem de Amores às escondidas. Já me aconteceu. O problema do Amor Mesmo é que a explicação desaparece. A presença deixa de ser um motivo para Amar e passamos a Amar sempre, mesmo quando estamos sozinhos em casa, apenas porque sim.
É por isso que quando um Amor Mesmo de alguém está a correr menos bem, não vale a pena aconselhá-lo a deixar de Amar. Se não há motivo nenhum para Amar Mesmo, também não há nenhum para deixar de o fazer. Os Amores Mesmo nunca morrem duma só vez, como os Amores às escondidas. Com o tempo, vão-se fortalecendo ou enfraquecendo. Quando um Amor Mesmo se fortaleceu muito, demora bastante para desaparecer.
Ainda assim, há um conselho que se calhar todos podem seguir quando o seu Amor Mesmo parece doente. Vivam muitos Amores às escondidas. Eu hoje, por exemplo, tenho seis encontros marcados com Amores desses. Eles é que não sabem. Nem vão saber.

12.07.2015

O Dia do Mar, do Rui Oliveira

No meio da tempestade, abri uma nova empresa com um grande amigo. Não é uma empresa qualquer. É, antes de mais nada, a perseguição de um sonho, porque é também uma tentativa de eu viver a fazer o que mais gosto: filmes.
Para além dos filmes,  e sempre relacionado com audiovisual, damos formação, fazemos consultoria e organizamos eventos. Para já, gostava de vos convidar a seguirem a empresa Outer Rim Works no facebook e para verem este pequeno vídeo que fizemos para o músico Rui Oliveira. Também o podem seguir no facebook dele.
Eu agradeço!

um gato numa varanda

De vez em quando morríamos de Amor. Principalmente aos Domingos depois do almoço, que era a altura em que descobríamos que não tínhamos coragem para dizer um ao outro que precisávamos de estar sozinhos. Na verdade, era também nesses momentos que tínhamos tempo para estar os dois juntos sem as preocupações inerentes à vida mesquinha que levávamos. Por isso nem sequer a nós próprios tínhamos coragem de o dizer.
Ela tinha um gato que eu nunca vi. Sempre que a visitava perguntava-lhe por ele, mas ela dizia que em Lisboa é normal os gatos frequentarem os telhados dos edifícios dos bairros antigos. Cheguei à conclusão que ele só entrava em casa para comer e saía logo outra vez. De facto, na cozinha havia sempre uma taça com comida e outra com água.

- Como é que podes ter a certeza que é o teu gato, e não outro, que vem cá comer?
- E se for outro, isso incomoda-te?

Era Domingo e eu tinha chegado apenas no dia anterior. Como é que numa relação onde só nos víamos ao fim de semana já se notava um desgaste tão grande? Pensei na pergunta, mas engoli-a imediatamente, para não provocar uma discussão.

- Se queres ter sexo antes de ires embora tem que ser agora. A seguir tenho que estudar...
- Esta semana estava a pensar ir só amanhã...
- Então deixa estar. Temos logo à noite.

Se ela ia estudar, eu tinha a porta aberta para me perder em Lisboa. Dei-lhe um beijo seco nos lábios e saí. É, sem dúvida, uma das cidades que eu gosto de visitar e revisitar, Lisboa. Nunca me canso de tentar perceber o labirinto de ter muitas cidades pequenas numa cidade grande. Talvez Lisboa seja um bocadinho como a minha vida, uma cidade onde me posso perder, mas onde também me posso aconchegar num pequeno bairro qualquer.
De qualquer forma, aquela tarde foi diferente. Passei-a a olhar para os telhados a ver se descobria algum gato. Vi vários e cheguei à conclusão que ela podia ter razão. Fiquei cinco minutos a olhar para um que, empoleirado no ferro enferrujado duma varanda, me fitava também. Era cinzento com riscas mais escuras. Enfim, um gato normalíssimo que só me despertou a atenção por estar a olhar para mim. Tinha uma coleira vermelha.
Nesse fim de tarde decidi que não fazia sentido voltar a Lisboa tão cedo para a visitar e acabei por apanhar um comboio para Aveiro. Estava farto de morrer de Amor ao Domingo. Não lho disse logo. Planeei telefonar-lhe na quarta-feira para a informar da decisão, o que acabei por não fazer. Por isso mesmo, a última conversa que tivemos foi sobre o gato dela.

- Conheci o teu gato. Estava na varanda dum prédio ao cimo da rua...
- Como é que sabes que era ele?
- Incomoda-te se for outro?

E saí. Ela também nunca mais me telefonou.

12.03.2015

conversa 2175

Ela - A minha relação atingiu o auge.
Eu - Fixe!
Ela - Não é assim tão fixe...
Eu - Então?
Ela - Quer dizer que a partir daqui nunca vai melhorar. Só pode piorar...

12.01.2015

respostas a perguntas inexistentes (355)

O Amor é tão estranho, pá.

Era um domingo à tarde como outro qualquer, daqueles em que a maior parte das pessoas se dá conta que não sabe o que fazer de manhã, mas quando chega a noite arrepende-se de não ter feito o que devia. Foi assim que tu me explicaste porque é que estavas à janela a ver os carros a passar. Aproximei-me e deste-me algum espaço, como se eu também quisesse ficar ali a contemplar a inércia domingueira da cidade.
Naquela altura havia Amor entre nós, mas não quando estávamos juntos. Era como se o Amor fosse uma terceira entidade que ia dar uma volta sempre que estávamos os dois em casa. Eu passava os meus tempos de solidão a pensar em ti, depois passava o tempo contigo a desejar voltar a essa solidão. Menos quando fazíamos Amor ou tínhamos visitas em casa.
O que nunca te expliquei bem é que não era para estar sozinho que eu queria estar só. Era para me lembrar de ti com a intensidade dessa saudade. Na verdade, acho que tu sentias exactamente o mesmo que eu. Pelo menos passaste a aceitar bem que eu me afastasse para ir ao café, ao cinema ou a outro sítio qualquer, mas telefonavas-me sempre quando a distância entre nós crescia.

- Não quero ficar a tarde toda à janela! - disse-te.
- Então vai dar uma volta. Eu gosto deste calorzinho que passa pelos vidros da janela.

Afastei-me como uma presa na selva que não quer ser vista pelo predador. Nem a bater com a porta fiz qualquer ruído. Caminhei horas a fio pela cidade sem parar uma única vez, nem que fosse para olhar para uma montra. Acho que passei a tarde a falar com as árvores alinhadas das ruas e das avenidas, que me pareciam tão sós como eu, apesar de estarem umas com a outras.
Quando voltei já o Sol aquecia janelas noutro lugar qualquer do mundo e tu não estavas na janela do quarto. Perguntei-me quanto tempo terias lá estado depois de eu sair, mas não encontrei nenhuma resposta no meu pensamento dedutivo.
Estavas na cozinha a tomar café e a comer um pão com manteiga, com o telefone ao lado como se fosse o cadáver de um animal.

- Saíste, mas deixaste o telefone em casa... - disseste.
- Aconteceu alguma coisa?
- Não... era só para falar contigo.

O Amor é tão estranho, pá.