que estou a sangrar, diz ela
desafio sobre o número cinquenta e dois, no ministério da soltura
Que estou a sangrar, diz ela, e pega-me na mão esquerda como se fosse uma criança com uma borboleta na palma da mão. Que não há problema, respondo, e é a primeira vez que o cheiro a maçã dos seus cabelos penetra no meu suor. Sou uma borboleta na mão dela, sim, com as asas cansadas e o pensamento esvoaçante numa voz acariciante. Apetece-me pousar nela, brandamente, até que o ar fresco da manhã seguinte me reabilite o corpo.
Que estou a sangrar, diz ela, e ampara-me o corpo até uma pizzaria próxima. Avisa o empregado que vamos os dois entrar na casa de banho das mulheres porque eu estou ferido. Ferido, fico a pensar em como essa palavra é tão forte e fraca ao mesmo tempo. Ferido é alguém trepassado por uma bala perdida, alguém atropelado por um carro desgovernado, alguém electrocutado num poste de alta de tensão. Eu não, que apenas raspei os nós dos dedos duma mão enquanto ajudava uma mulher a mudar a roda do automóvel. Ela abre a torneira e mergulha a minha mão na água abundante. Deixo-me estar na condição de ferido, então, que dever ser obrigatória para ser socorrido por uma mulher tão bonita.
Que estou a sangrar, diz ela, e tira da carteira alguns pensos que me vai pondo, um a um, nos dedos. Primeiro o indicador, depois o médio, depois o anelar. Que não tenho aliança, diz, e pergunta-me se é por não gostar de anéis. Quer saber a minha vida, e eu opto por lhe abrir a porta deixando-a encostada. Não gosto de portas escaqueiradas. Nunca gostei. Que não é por isso, sopro-lhe ao ouvido, e o cheiro a maçã intensifica-se. A cabeça dela encosta-se ao meu peito, só por um segundo, mas como se fosse um helicóptero desvasta a área provocando um mini-ciclone.
Que estou a sangrar, diz ela, e alguém bate à porta da casa de banho. É o empregado e diz que temos que sair. Saímos mesmo, serpenteando as mesas da pizzaria enquanto os clientes nos atingem com o canto do olho. Que me leva a casa, diz ela, e pergunta-me onde vivo. No cinquenta e dois, respondo enquanto me sento no lugar do morto. Pergunta-me em que rua. Tanto faz, que não podemos entrar apesar de eu não usar aliança. Estou no lugar do morto e já percebo porquê. Sinto-me mesmo morto, de repente, e é tão abrupta a forma como a morte substitui a vida.
Que estou a sangrar, diz ela, e se sangro não estou tão morto assim. Talvez esteja mesmo ferido, afinal. Ferido por tantos anos sem me aventurar num olhar, num abraço, num cheiro. Está ali uma porta número cinquenta e dois, diz ela, e conclui que com aquele ar abandonado ninguém deve estar à minha espera. Depois abraça-me. Que sim, pode ser naquele cinquenta e dois. Ali já ninguém mora.
Que estou a sangrar, diz ela, e pega-me na mão esquerda como se fosse uma criança com uma borboleta na palma da mão. Que não há problema, respondo, e é a primeira vez que o cheiro a maçã dos seus cabelos penetra no meu suor. Sou uma borboleta na mão dela, sim, com as asas cansadas e o pensamento esvoaçante numa voz acariciante. Apetece-me pousar nela, brandamente, até que o ar fresco da manhã seguinte me reabilite o corpo.
Que estou a sangrar, diz ela, e ampara-me o corpo até uma pizzaria próxima. Avisa o empregado que vamos os dois entrar na casa de banho das mulheres porque eu estou ferido. Ferido, fico a pensar em como essa palavra é tão forte e fraca ao mesmo tempo. Ferido é alguém trepassado por uma bala perdida, alguém atropelado por um carro desgovernado, alguém electrocutado num poste de alta de tensão. Eu não, que apenas raspei os nós dos dedos duma mão enquanto ajudava uma mulher a mudar a roda do automóvel. Ela abre a torneira e mergulha a minha mão na água abundante. Deixo-me estar na condição de ferido, então, que dever ser obrigatória para ser socorrido por uma mulher tão bonita.
Que estou a sangrar, diz ela, e tira da carteira alguns pensos que me vai pondo, um a um, nos dedos. Primeiro o indicador, depois o médio, depois o anelar. Que não tenho aliança, diz, e pergunta-me se é por não gostar de anéis. Quer saber a minha vida, e eu opto por lhe abrir a porta deixando-a encostada. Não gosto de portas escaqueiradas. Nunca gostei. Que não é por isso, sopro-lhe ao ouvido, e o cheiro a maçã intensifica-se. A cabeça dela encosta-se ao meu peito, só por um segundo, mas como se fosse um helicóptero desvasta a área provocando um mini-ciclone.
Que estou a sangrar, diz ela, e alguém bate à porta da casa de banho. É o empregado e diz que temos que sair. Saímos mesmo, serpenteando as mesas da pizzaria enquanto os clientes nos atingem com o canto do olho. Que me leva a casa, diz ela, e pergunta-me onde vivo. No cinquenta e dois, respondo enquanto me sento no lugar do morto. Pergunta-me em que rua. Tanto faz, que não podemos entrar apesar de eu não usar aliança. Estou no lugar do morto e já percebo porquê. Sinto-me mesmo morto, de repente, e é tão abrupta a forma como a morte substitui a vida.
Que estou a sangrar, diz ela, e se sangro não estou tão morto assim. Talvez esteja mesmo ferido, afinal. Ferido por tantos anos sem me aventurar num olhar, num abraço, num cheiro. Está ali uma porta número cinquenta e dois, diz ela, e conclui que com aquele ar abandonado ninguém deve estar à minha espera. Depois abraça-me. Que sim, pode ser naquele cinquenta e dois. Ali já ninguém mora.
7 comentários:
Suspiro fundo e abano a cabeça. quero comentar, mas não tenho palavras. Gosto.
elorinha, ;)
Não sei o que dizer-te, apenas que com esta maravilha (já imprimi) por hoje fecho o livro de leitura e vou dormir.
Um beijo de boa noite!
dorme bem fatyly... :)
Muito bom!!
Se fosses "canino" dava-te beijinhos no dói-dói que passava logo, lol
:))
(estive cá, digo eu sorrindo)
tsel, eu sou canino, eu sou canino, eu sou canino... ;)
elipse, eu sorrio como resposta ;)
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