7.25.2007

crónicas da cidade que sopra | sandálias pretas

Amanhã, por ser quinta-feira, é publicada mais uma crónica no Diário de Aveiro.

É nos dentes que lhe ficam as palavras. Na porcaria dos dentes, pensa. Há tanto tempo que lhe quer dizer que a ama, e que é por isso que talvez alguma coisa tenha que mudar. Nunca consegue. Todos os dias se repete a sensação: vai falar, mas as palavras tropeçam na faringe e na laringe, estendendo-se na língua até baterem nos dentes cerrados. Nunca passam saí. Nunca conseguem. Agora ela passa a ferro uma peça de roupa qualquer e ele tem pena dela. Deles, aliás. Dela e dele. Tem que fugir àquela sensação de que a vida lhe está a escapar por entre os dedos das mãos como areia fina da praia, e liga a televisão com o som alto para se conseguir abstrair. Hoje não vai dizer nada. Talvez amanhã.

7 comentários:

Patrícia Manhão disse...

ou não....

Cristina disse...

Nunca vai dizer... nem hoje, nem amanhã!

Anónimo disse...

Amanhã também vai vencer o silêncio, pelo menos até a situação se tornar insuportável para ambos.
Por vezes, as palavras têm esse problema, recusam-se a sair, mesmo que ensaiadas vezes sem conta!
DE um realismo intenso este teu texto
Carla

Ivar C disse...

patrícia, pois é... ;)

cristina e carla, lol, parece que leram o texto todo. :)

Fatyly disse...

No aprisionamento de relações cujas grades reais ou imaginárias onde o arejamento de uma simples sandálias pretas...respodo com as tuas próprias palavras:

Às vezes é só isto, pensa Helena. Não é uma vida inteira que tem que se carregar às costas, nem o tempo todo que tem a mania de nos correr no sangue. Às vezes é preciso abrir a mão que vai deixando escapar a areia por entre os dedos e enchê-la de novo, seja num café à beira-mar, num sorriso a um transeunte na avenida principal ou numa refeição quente com um amigo recente.

ADOREIIIIII!!!

Ivar C disse...

fatyly, obrigado. A sério. :)

Chapas disse...

Tem dias que as coisas só saem pelas mãos....ou ficam aos trambolhões dentro da cabeça...