respostas a perguntas inexistentes (118)
Das coisas que não fazemos por causa dos outros fica-nos sempre uma ferida qualquer, disse-me ela um dia quando estávamos deitados no calmo mar de relva que banhava a nossa tarde. É sempre assim, diz-se aquilo que nos está obstruído na garganta quando se está num momento bom, que os bons momentos são o saca-rolhas da alma. Fiquei a saber que estávamos num desses momentos bons, mas não percebi o que é que ela tinha deixado de fazer por minha causa.
Fechei o livro que estava a ler para que a sua história não se misturasse com a minha realidade num grave acidente de palavras e ideias, fechei os olhos como se assim o impacto das suas palavras pudesse ser menor e, fechado em mim, perguntei: "O que é nunca fizeste por minha causa?". E como o silêncio foi a resposta tornei a separar as pálpebras uma da outra, com a mesma força que se separa um filho duma mãe.
Tudo, disse ela enquanto uma gaivota me sobrevoava. Tudo? Tudo, confirmou ela. Tornei a fechar os olhos e só aí surgiu o arremesso que eu esperara antes. "Nunca fiz férias sozinha num país estrangeiro, e até deixei de usar o meu anel preferido porque tu não gostas dele". Pensei em responder-lhe que aquilo não era tudo, que por mim podia fazer férias sozinha e usar o anel que eu não gostava à vontade, mas calei-me. Calei-me porque percebi o que ela me dizia como só pode perceber quem está deitado ao Sol e vê a vida com toda a disponibilidade que ela às vezes tem para nós. O problema não era eu, era um Amor demasiado cedo na vida, daqueles Amores que aos quarenta anos já nem sabemos se o chegaram a ser. Acho que fechei os olhos e, quando os tornei a abrir, ela já não estava.
23 comentários:
Por vezes...deixamos de ser nós...para passarmos a ser o que os outros gostam em nós...está errado, mas acontece!
Espero que abra os olhos devagar e que surja alguém que não se esconda, seja verdadeira. :)
É um dos principais problemas da maioria das pessoas, quando se apaixonam...Deixam de ser EU para se tornarem num NÓS, quando a maior felicidade que existe é estarmos bem com o nosso próprio EU...Coisas da Vida...
maria, deixamos sim... acho que a idade ajuda muito neste aspecto. :)
eu sou eu, é uma verdade, sim... :)
venho ao teu blog bastantes vezes porque, para além de gostar da forma como escreves, existem muitos textos onde sinto que me encaixo como se a história fosse a minha.
selma
selma, também é por isso que leio. :)
Ler é uma das minhas maiores paixões e já li muita coisa (não tanta quanto gostaria), mas são poucas as coisas que me tocam realmente. É das primeiras vezes que passo por aqui, mas acho que vou ficar visitante assídua. O que escreveste tocou-me e fez todo o sentido para mim... É engraçado como nunca tinha pensado nisso, mas tens toda a razão: "os bons momentos são os saca-rolhas da alma". E isso dá que pensar. :)
Um texto muito bom bagaço! E deliciei-me com a expressão "os bons momentos são o saca-rolhas da alma".
raquel, bem vinda, então. e obrigado. :)
jmdamas, obrigado. :)
Foram textos como este que me fizeram visitante deste blog.
pedro m, obrigado. :)
penso que o diálogo entre dois seres que se amam pode ajudar a não deixar que se percorra um caminho de negações e perdas mas sim de conquistas e partilha... o importante é sentir ao fim do dia que apesar de algo que se possa não se ter feito, temos um abraço à nossa espera que envolva a nossa alma... enfim...reflexões minhas que vão surgindo à medida que escrevo este comentário...gostei mto, como sempre desta refelxão do bagaço...espero que me perdoe a audácia da minha própria reflexão...
Às vezes a vida pode ser mesmo complicada, mesmo que sejamos nós qe a complicamos.
mikashi, não precisas pedir nada. eu até concordo contigo, embora ache que a idade não seja um pormenor nesta questão. bem... a idade e o que já se fez ou não com ela. :)
redonda, somos quase sempre nós a complicá-la. :)
Comentário cliché: "num abrir e fechar de olhos..." Também adorei a expressão do saca-rolhas! Este blogue é um mimo diário!
pompi, obrigado. :)
A maturidade e percepção de tudo...vem com idade e que continues por longos e muitossssssssssss anos, aprendendo todos os dias.
Bonito e real!
Fiquei a remoer este texto um bocadinho, como me acontece com muitos dos que escreves (e por isso regresso assiduamente!). Fiquei a pensar se a "ferida" não será mais resultado do que calamos, do que o que deixamos de fazer pelos outros. Mas, por outro lado, "calar" também é deixar de falar - resta saber se é por nós, se pelo outro.
Preciso obviamente de remoer ainda um pouco mais sobre isto, que a conclusão é ainda bastante confusa - as minhas desculpas.
fatyly, eu acho mesmo que aprendemos sempre, enquanto estamos vivos. :)
princesa (des)encantada, tens razão, sim. essa é uma ferida, embora seja outra ferida. :)
celeste, :)
"O problema não era eu, era um Amor demasiado cedo na vida, daqueles Amores que aos quarenta anos já nem sabemos se o chegaram a ser."
Será que é mesmo preciso ter 20 anos!!? Acho que não amigo
cota, não somos todos iguais e, de facto, talvez eu seja mais lento que a média. tão lento que tive que fazer este blogue. :)
Eu queria dizer 40, mas enganei-me e só vi agora hahaha
Não és nada lento, tudo vem da vivência... Este blog é exemplo da tua vivência e é muito forte.
Só não acredito que é preciso chegar aos 40 para fazer tão profundo balanço. Se o fizermos uma data de vezes, com humildade e sem orgulhos, percebemos melhor que o amor, tal com tudo na vida, precisa de tempo e maturidade para atingir todo seu potencial.
cota, eu percebi que querias dizer 40. aliás, acho que li 40. e tens razão, eu comecei a fazer balanços cedo. :)
Enviar um comentário