4.04.2009

crónicas de engate (4)

o elevador

Como ela sorria, ele achava que tinha encontrado uma maneira de a fazer feliz. Era assim: davam as mãos e partiam do quarto andar ao mesmo tempo que o elevador. Às vezes ganhavam, outras vezes perdiam, mas independentemente da vitória ou da derrota, e como chegavam sempre cansados ao rés do chão, descansavam embalados por um beijo. Como ela sorria, ele pensava que tinha encontrado uma maneira de a fazer feliz.
Aliás, a ele ficava-lhe a impressão que o corpo dela ainda era melhor quando estava cansado. Era mais lento nos abraços e mesmo assim o coração batia com mais força. Era tão bom sentir um amor lento e forte. Uma vez ela até lhe disse que tinha vontade de escorregar no suor quente dele. Subiram os quatro andares de novo, faltaram ao trabalho e fizeram amor. Não se lembra quantas vezes. Lembra-se que foi sempre lentamente e com força. E como ela sorria, ele pensava que tinha encontrado uma maneira de a fazer feliz.
O senhor Samico era gordo e vivia no terceiro andar. Às vezes chamava o elevador e ajudava-os a ganhar aquele desafio diário. Depois passava por eles e sorria-lhes antes de fechar a porta. Nunca percebeu se o facto de os seus vizinhos de cima se beijarem todas as manhãs na entrada do edifício velho era uma forma de exibicionismo ou de amor ingénuo nem, na verdade, lhe interessava. A única forma de reagir aos beijos é com um sorriso, pensou uma vez.
Como ela sorria, ele achava que tinha encontrado uma maneira de a fazer feliz. Até que um dia ela chamou o elevador para sair de casa. Dessa vez o senhor Samico não lhes sorriu quando os encontrou no elevador nem eles ficaram na entrada mergulhados em beijos suados. Assim como eles se cansavam a descer a escada pelos degraus também a vida se cansara de o fazer.
Hoje, alguns anos depois, desci o elevador com ele. Contou-me esta história e disse-me para nunca acreditar que uma simples corrida diária chega para fazer uma mulher feliz. Eu sei, respondi-lhe com um sorriso dividido entre o sarcasmo e o carinho que sinto pelo meu amigo. Eu também já corri nas escadas.

35 comentários:

cris disse...

Já leio o teu blog há bastante tempo. É leitura diária obrigatória.
Hoje qs q me fizeste chorar (qs pq aguentei-me q nem o Quixote no seu cavalo).
é verdade. correr nas escadas não faz felizes a mulheres. mas devia... :S

Ivar C disse...

cris, se deviam ou não, não sei. sei que é um pormenor difícil de ultrapassar. nelas e neles. obrigado pelo teu comentário. :)

maestrina disse...

estava a ler o comment da cris e pensei que me aconteceu o mesmo a mim... venho aqui quase todos os dias, mas acho q nunca tinha deixado comentários... hoje tive de o fazer, tinhas q saber que o teu post me tocou, q há mta gente a correr nas escadas...

Indecisa disse...

Linda! Gostei muito desta historia! :)

Obrigada pela partilha neste cantinho :)

Sara disse...

Uauuu que texto ... Até li 2 vezes... lindo! Quanto às corridas das escadas... bem não pode passar só por ai... Um dia tive alguém que me disse que "Era feliz comigo até a passar a passadeira" Não correu bem, muito antes pelo contrario, mas o problema foi tão maior que um sorriso sincero!

Anónimo disse...

:-((

Fiquei com o coração apertado... Confesso.

Queria eu ter a simplicidade dos Homens.

Um beijo!

Aida Lemos disse...

Bonito texto.
"nunca o amor foi fácil, nunca,também a terra morre."(David Mourão-Ferreira)
AL

Red disse...

muito bom :)

Ivar C disse...

maestrina, passamos tanto tempo a correr nas escadas... de repente estamos a correr sozinhos. :)

indecisa, obrigado eu, pela presença. :)

maguita, esse é um dos problemas: ser feliz com alguém não chega. :)

giovana, pelo menos chamas-lhe simplicidade... o que já é bom sinal: :)

aida lemos, ena. obrigado. :)

red, obrigado. :)

Olga disse...

Gostei mas fiquei deprimida com a lágrima no canto do olho sem saber se fica ou se vai. :(

Unknown disse...

É tão verdade o que escreveste que até doeu...

Não sei se alguma vez irei compreender como é que num momento estamos a rebentar de felicidade e, no segundo seguinte, olhamos em redor e estamos sózinhos.

nat disse...

Que vontade me deu de chorar...

Ivar C disse...

olga, olha... que vá.:)

sandra, não se compreende nunca, acho eu :)

nat, mas não era para chorar... era só para não descer mais escadas a correr... :)

Kika disse...

Adorei a forma como escreveste estas corridas. Tens a capacidade de me prender com a tua escrita. Ficar genuinamenta interessada no "enrredo". Como num bom livro.
Parabéns!

Ps: Permites uma sugestão? Esta etiqueta( conversas de engate) parece tão pouco adequada ao assunto...

Unknown disse...

Gostei muito desta história.

K disse...

Se formos bem a ver ele arranjou uma maneira de a fazer feliz, porque enquanto o sentimento durou, ela foi feliz. Por isso sorria. Nós é que queremos e desejamos que os sentimentos durem ad aerternum e nem sempre isso é possível. Mas enquanto correram foram felizes, e enquanto correram sorriram. Não é isso bom?

E uma corrida diária pode ser insuficiente tanto para um homem como para uma mulher. Depende das pessoas e não do seu género sexual. Mas isto digo eu...

(lento e forte soa muito bem! ;p)

Anónimo disse...

Muito bonito! :)

Ivar C disse...

kika, tens razão no nome da etiqueta. é de propósito, a ver se altero a lógica semântica da palavra "engate". e obrigado... :)

muad'dib, obrigado. :)

k, lento e forte também me soa bem... a questão não é deitar culpa num dos géneros... só queria mesmo expor uma espécie de sentimento por que todos passamos (acho eu). :)

joana, obrigado, :)

Unknown disse...

Fascinante o teu texto. Mas, nem sempre um sorriso é sinónimo de felicidade, é preciso ler, bem fundo, o seu verdadeiro significado...:)

Ivar C disse...

bela isabel, exactamente. por isso é que ele só pensava que tinha encontrado uma maneira de a fazer feliz. :)

Red Nails disse...

(com a moderaão de comentários não faço a mínima ideia se o meu entrou!)

Dizia eu...

Já corri algumas escadas mas há sempre novos degraus por calcorrear.

(belo texto!)

Ivar C disse...

red nails, modero comentários porque tenho mesmo que o fazer. não anulei nenhum comentário teu.
é verdade.há sempre degraus novos para calcorrear ou, pelo menos, esperamos que sim... . obrigado. :)

Senhora do Vento disse...

Confesso que também sigo este blog há algum tempo e este post levou-me a postar pela simplicidade da escrita e pela verdade simples com que se escrevem as coisas mais belas...mas corremos sempre pelas escadas inúmeras vezes quando isso se traduz em sorrisos, mesmo que a primeira, a segunda e a terceira não corram bem...
Parabéns pelo blog

Unknown disse...

Boa noite!
Já há algum tempo que passo por aqui diariamente, e este post, "obriga-me" a comentar...
Toca realmente quando olhamos para trás, e vemos o que sorrimos, e a felicidade que uma "corrida" nos trás.
Estou a "correr" outra vez há alguns anos já...não desisto da felicidade.
A diferença agora, é que cada sorriso é realmente um sorriso.
Um beijinho e parabéns pelo blog

Ivar C disse...

senhora do vento, obrigado pela simpatia e pela presença. :)

sofia, acho que isso é o melhor que nos pode acontecer... obrigado por estares aí. :)

Anónimo disse...

Mr. Bagaco voce quase que me fez chorar,nas minhas escadas nunca encontrei alguem que procura-se o meu sorriso.Mas ainda assim eu insisto em ser feliz.
muito bonito o testo parabens.
Aninima Catarina

Ivar C disse...

Anónima Catarina, às vezes não encontramos mas ele está lá... obrigado. :)

Joana Almeida disse...

Um texto fenomenal.

A verdade é que o amor nao passa de um sentimento. Nao conseguimos agarra-lo, dobra-lo e guarda-lo numa caixa, onde, o poderiamos buscar todos os dias, sempre que nos desse vontade.Assim sendo, temos que continuar a acreditar que vamos aprendendo e recebe-lo e a deixa-lo ir. nunca a agarra-lo.

Joana Almeida disse...

Um texto fenomenal.

A verdade é que o amor nao passa de um sentimento. Nao conseguimos agarra-lo, dobra-lo e guarda-lo numa caixa, onde, o poderiamos buscar todos os dias, sempre que nos desse vontade.Assim sendo, temos que continuar a acreditar que vamos aprendendo e recebe-lo e a deixa-lo ir. nunca a agarra-lo.

Joana Almeida disse...

Um texto fenomenal.

A verdade é que o amor nao passa de um sentimento. Nao conseguimos agarra-lo, dobra-lo e guarda-lo numa caixa, onde, o poderiamos buscar todos os dias, sempre que nos desse vontade.Assim sendo, temos que continuar a acreditar que vamos aprendendo e recebe-lo e a deixa-lo ir. nunca a agarra-lo.

Ivar C disse...

jane, boa. gostei dessa forma de ver isto. :)

AnAndrade disse...

Descobri este espaço há dias, através de um outro, para que fui remetida, por uma amiga (o mundo da blogosfera é fabuloso!).
Comecei por ler os posts mais recentes, passei por este, hesitei (é sempre tramado, o passo de dar o primeiro passo), recuei e voltei cá.
Numa palavra: fabuloso.
Em duas: absolutamente fabuloso.
Obrigada!

Ivar C disse...

AnAndrade, obrigado pela simpatia e por teres vindo cá. :)

Sandra disse...

nunca comentei este blog mas todos os dias entro e leio (releio alguns dos melhores posts) - e até já tenho citado no meu blog algumas coisas daqui.
Queria dizer que este post para mim é dos melhores, tocou me ... obrigada por continuares com o blog! :)
S.

Ivar C disse...

PinkCat, obrigado eu... por estares aí. :)