2.21.2008

antes de amar-te

aviso: Este texto é chato como o caraças. Se não estiverem com paciência passem ao próximo. Obrigado.

O Big Bang é uma espécie de teoria do balão para o cosmos. O universo terá emergido dum estado altamente denso e está, por isso, em permanente expansão. A dificuldade de perceber isto, dito assim, pode não ser nenhuma, mas se nos disserem que antes do Big Bang não havia espaço nem tempo a coisa pode, para um empirista como eu, ser mais difícil de aceitar, principalmente porque não tenho formação científica suficiente para ser capaz de me inteirar, na sua plenitude, da Teoria da Relatividade.
Para mim o tempo é só a possibilidade de uma coisa qualquer poder acontecer depois de outra. Mais nada. A primeira vez que consegui, por uns momentos, explorar as minhas capacidades cognitivas ao ponto de perceber a inexistência do tempo, foi com um poema de Pablo Neruda: Antes de Amar-te.

Antes de amar-te, amor, nada era meu
Vacilei pelas ruas e pelas coisas:
Nada contava nem tinha nome:
O mundo era do ar que esperava.
E conheci salões cinzentos,
Túneis habitados pela lua,
Hangares cruéis que se despediam,
Perguntas que insistiam na areia.
Tudo estava vazio, morto e mudo,
Caído, abandonado e decaído,
Tudo era inseparavelmente alheio,
Tudo era dos outros e de ninguém,
Até que a tua beleza e a tua pobreza
De dádivas encheram o outono.

Neruda parte do princípio que antes do amor havia qualquer coisa, mas depois consegue reduzir essa coisa, que é ele próprio, a nada. E realmente o tempo precisa da existência de massa e energia. Se eu disser que dois morangos mais dois morangos são quatro morangos, só o são de facto se o tempo o permitir. Desculpem lá, mas a minha ignorância não me permite ir muito mais longe.
Talvez seja mais fácil, no entanto, se nos virmos a nós mesmos como um universo. Antes de nós existirmos o tempo também não existia, pelo menos para nós. Mas como nós somos o universo não existia e pronto.
Se nos virmos a nós nesta perspectiva, podemos até inventar uma teoria do Balão para cada um. Acho que a distância que mantemos dos outros, e até da pessoa de quem supostamente mais gostamos, pode ser vista com um balão que ora é maior ora é menor. Esse balão desenha-se à nossa volta e é o que nos permite uma maior ou menor aproximação aos outros. Às vezes sou um universo que precisa de muito espaço, e que por isso não entra em contacto muito facilmente com mais ninguém. Nem sequer com a senhora que me vende pevides no futebol. Outras vezes preciso de abraços, toques e palavras a todo o momento. É nestes momentos que o tempo parece ter mais razão de ser, apesar do meu espaço ser menor. E pronto, era só isto.

12 comentários:

Flávio disse...

CLAP, CLAP, CLAP (ovação de pé)

Anónimo disse...

Eu gostei *

Luiselza Pinto disse...

Foi em Schopenhauer (O mundo como vontade e representação) que se me veio, claramente, a idéia de que o tempo nem sempre existiu. Antes da expansão da matéria e a sucessão de eventos aqui, não se podia medir o que era constante; ou seja, sem uma seqüência de ações não se podiam estabelecer parâmetros de comparação. Sim, às vezes precisamos de abraços, palavras e toques; as palavras, todavia, muitas vezes vão ocupando o espaço onde as outras coisas parecem sempre ausentes ou imberbes.

Ivar C disse...

flávio, lol.

mariana, ah! foste tu. :)

luiselza pinto, eu nunca li schopenhauer, mas que é giro um filósofo alemão e um poeta chileno, não contemporâneos, permitirem chegar a conclusões idênticas, lá isso é. :)

Elisa disse...

Muito bom. Mas fiquei a pensar que a razão pela qual não compreendemos as pessoas, ou julgamos que as não compreendemos, tem a ver com a falta de sintonia dos 'balões' de cada um de nós. Com a necessidade desencontrada de toques e de abraços. De não estarmos na 'mesma paragem de autocarro à espera do mesmo comboio'... coisas assim. Às vezes os balões chocam, intersectam-se (que raio de palavra esta) e é nessas vezes que todos os abraços e que todas as palavras e que todo o universo está ali, nem que seja num segundo, mas é assim. Ou, pelo menos, é assim que eu às vezes sinto. Nunca imaginei que gostasses de Pablo Neruda... bom, se calhar nem gostas.

Ivar C disse...

elisa, gosto de pablo neruda, sim. eu próprio nunca imaginei que pudesse gostar. mas gosto. :)

Anónimo disse...

É por essa noção de tempo que eu aceito as seitas que definem datas para o mundo acabar: posso garantir que amanhã o mundo já terá acabado para muita gente que hoje acredita no tempo eterno.

Ivar C disse...

lino centelha, mas nem lhes deves chamar seitas, porque esta noção do tempo é generalizada... :)

redonda disse...

Gostei do poema que não conhecia e gostei do texto.

Ivar C disse...

redonda, :)

Xantipa disse...

Bela reflexão.
E és um mentiroso! O texto não é nada chato!
Gostei da teoria dos balões. Gostei tanto que até já a adoptei.
:)
Beijinho

Ivar C disse...

beijinho, xantipa. :)