3.23.2011

quarto de hotel

Tem piada, já não se lembra do corpo dela. Só se lembra da sensação de lhe tocar. É como se tivesse esquecido a cor dos lençóis duma cama de hotel sem lhe esquecer o conforto. E é altura de se perguntar outra vez porque é que não se apaixonou por ela. Nunca percebeu, mas sabe que esteve sempre quase e nunca aconteceu. Foi um amor estéril, conclui. Os amores estéreis são esses, os que nunca o chegam a ser mas crescem na mesma, talvez como uma flor sem raiz.
Acha que ela também nunca se apaixonou por ele. Aliás, tem a certeza. Ainda bem, pensa. Só assim é que é possível dizer um até amanhã sabendo que é um até nunca. "Um dia destes telefono-te", disse-lhe ele. E ela sorriu sabendo que era mentira. Mas não se importou. Pelo contrário, foi um alívio.
Nunca acreditaram no toque um do outro, mas mesmo assim tocaram-se repetidamente. Precisavam de acreditar num toque qualquer e não havia mais nenhum. Às vezes é assim. Ambos tinham um Amor não correspondido e ninguém se acomoda à falta de correspondência. Aliás, foi nesse quarto de hotel que ela lhe disse que ambos tinham ficado sem casa, mas como ninguém gosta de ficar na rua refugiaram-se ali, num quarto de hotel e um no outro. Ele assumiu-se como um refugiado no Amor e a respiração tornou-se mais lenta. Nesse momento até o corpo amoleceu e precisou de um novo toque para endurecer.
Tinham-se conhecido uns dias antes, ainda ambos eram apenas um caco da destruição de um Amor anterior. Ainda ambos farejavam a cidade como cães anósmicos, à procura do que não havia, e acabaram por roçar um no outro. Tem piada ele já nem se lembra do que bebeu nesse bar. Só se lembra da sensação de estar a fingir um interesse que não tinha e de sentir que ela fingia o mesmo. Talvez por isso tenham ido para um quarto de hotel: para nenhum deles dar mais de si do que devia. E fecharam-se ali, onde sabiam que o Amor não os encontrava para fingir que nem precisavam dele. Ele sentiu-se mais prostituto. Ela também. E soube bem.

23 comentários:

Anónimo disse...

E porque não?
CR

Salsa disse...

Raramente sabe mal, apenas podemos ficar pensativos sobre o momento que passamos, mesmo com aquela pessoa com quem partilhamos o amor incondicional é muito bom fazer a escapadinha de uma noite ir para um hotel ou um motel, sair da rotina que se torna a nossa vida.
Ao iniciar a leitura deste post só me lembrava dos "monólogos da vagina".

cristina disse...

O sexo sem Amor é bom durante minutos. Depois... fica o vazio que dura por tempo indeterminado.

Fatyly disse...

Tinham-se conhecido uns dias antes, ainda ambos eram apenas um caco da destruição de um Amor anterior. (...) Só se lembra da sensação de estar a fingir um interesse que não tinha e de sentir que ela fingia o mesmo.
.........
O tal avançar e procura de algo que tanto falo, após uma derrocada em que a poeira ainda não tinha assente. Pode saber bem...mas o sentimento que fica será sempre marcante mas nada bom de ser relembrado.

Parabéns uma vez mais e obrigado por este momento de leitura

Ivar C disse...

cr, exacto. :)

salsa, :)

cristina, às vezes é, outras vezes não. depende de como as pessoas se dão. pelo menos é o que eu acho. :)

fatyly, obrigado. :)

xarmus disse...

História engraçada... bem diferente e original... gostei.

Ivar C disse...

xarmus, obrigado. :)

Briseis disse...

Encantador!

Arnaldo Amaral disse...

Quando estamos partidos em bocados é altura em que cometemos erros... Mas sim, alguns sabem bem sem dúvida ;)

Ivar C disse...

briseis, obrigado. :)

besta artista, não lhe chamaria erro. aliás, se sabem bem muito menos. :)

Helena disse...

A solidão e o desejo de Amor, ainda que estéril, permite, ainda que "Não acreditassem no toque um do outro"uma vivência intensa naquele momento de entrega. E isso é bom!

Ivar C disse...

Helena, eu também acho que é bom, ainda que seja só o possível. :)

Jeevika Dasi/CL disse...

às vezes a necessidade de companhia supera a necessidade de AMOR...

Ivar C disse...

mikashi, ou pelo menos é mais fácil de satisfazer. :)

sophie disse...

Muito bom... Como sempre... Como já me habituei a ler por cá... :)

H. Santos disse...

"Ainda ambos farejavam a cidade como cães anósmicos, à procura do que não havia, e acabaram por roçar um no outro."

Só não percebo porque que o sexo sem amor é considerado tão vazio, acho que depende da circunstancia em que acontece... Eu sou apologista de que o sexo entre pessoas que não nutrem um sentimento de amor entre eles é algo puramente normal, até porque nem todas relações são para ser "aquela".

Atenção: não sou de modo algum adepto da promiscuidade, não exageremos xD

Ivar C disse...

cota, exacto. eu nem sequer distingo assim tão obviamente sexo e amor. :)

H. Santos disse...

sexo e amor são duas coisas muito distintas... basta ver que o sexo vende-se e o amor não (exemplo parvo, mas válido)

Ivar C disse...

cota, não acho o exemplo parvo. até acho o melhor exemplo que pode ser dado. só que... para mim a coisa não acaba aí, é só isso. Mas devo ser eu, que nunca paguei para ter sexo nem consigo fazê-lo... :)

Clara del Valle disse...

publiquei seu texto no meu blog, tudo bem?

se houver algum problema, avise que eu tiro do ar, ok?

cada dia mais encantada com teus escritos,

abs do Brasil

Ivar C disse...

clara del Valle, não há problema. antes pelo contrário. só agradeço. :)

Anónimo disse...

Usado aqui: http://cween-crazy.blogspot.com/2011/03/excepcao-que-se-prolongou.html

Ivar C disse...

cármen, obrigado. :)