3.29.2011

a olhar para a parede

Faço parte dos divorciados que voltaram a ter uma relação mas que não voltaram a casar. Não há, no léxico português, uma palavra que defina por si só este enquadramento da vida, mas o que lhe falta em significante sobra-lhe em significado. Pelo menos acredito que somos uma espécie em expansão. Nessa discussão semântica há várias tendências: a que nos chama os desiludidos com o casamento, termo que eu rejeito absolutamente, e a que nos chama os iludidos com o divórcio, com a qual concordo mais.
Os iludidos com o divórcio são aqueles que perceberam que o Amor é uma partilha como o sal na comida. Saborosa mas sem exageros, portanto. E sendo assim afastamos também a hipótese da hipertensão do Amor, aquela que provoca acidentes cardiovasculares numa relação.
Ontem passei a manhã na minha casa, sentado no sofá, a namorar com a discografia da Mayra Andrade. Li um livro, passei alguma roupa a ferro, fiz o almoço e lavei a louça.  Divido assim o tempo, o meu tempo, também comigo, uma divisão que durante vários anos de casamento me fez falta e que, sem eu próprio perceber, me entristecia. Só o percebi, aliás, algum tempo depois de me separar, quando dei por mim a chegar a casa e poder sentar-me no sofá a olhar para a parede sem explicar a ninguém porque é que estava a olhar para a parede.
Esse tempo, o da parede que olhamos, é o nosso tempo. Depois há outro, aquele que queremos partilhar com alguém e, se possível, alguém que amamos. É o tempo em que em vez da parede há o mundo, e esse meu mundo agora é a Raquel. Como sal que baste e que sabe tão bem.

27 comentários:

Gelatina de morango disse...

Gostei mesmo muito (aliás, como de costume) =).

Salsa disse...

Verdade.
Mas existe outro tipo. Aqueles que compartilharam a vida com alguém mas chegada a certa altura tudo terminou, o tempero da vida foi-se.

C disse...

Eu cá sorrio para o tecto (é masculino).
E penso muitas vezes que se o tal "teto" fosse feminino talvez houvesse quem sorrisse e olhasse mais ;)

Ísis disse...

Gostei da expressão "iludidos com o divórcio". É um prazer saborear o "nosso" tempo :)

Ivar C disse...

gelatina de morango, obrigado. :)

salsa, é isso que eu não quero que aconteça. :)

c, :)

isis, e entretanto é tão bom algum egoísmo... :)

Helena disse...

Viva a Raquel, que colocou na tua vida, sal q.b :)

Ivar C disse...

helena, :)

Rana disse...

Se tirarmos partido das situações e as transformarmos em momentos de prazer, penso que é o melhor que o ser humano pode fazer. Aqui está um bom exemplo e, mais uma vez, um lindo texto.

Movimento Moda disse...

O termo "união da facto" começa a aparecer nos impressos das finanças, o que já não é mau.

Lily disse...

Excelente!
Nunca tinha pensado nessa possilidade da hipertensão dos dos AVC´s...
Com a discografia da Mayra Andrade, tudo tem mais sabor!

memyselfandi disse...

Muito bem colocado... =)

Ivar C disse...

rana, obrigado. :)

movimento moda, o irs já o podes fazer há muito... mas nem é o meu caso. :)

lily, o último disco está muito bom. mesmo muito bom. :)

memyselfandi, obrigado. :)

Cristina disse...

Gostei do texto!
Eu não uso sal na comida, e de repente pôs-me a pensar se não devia começar.... mas se calhar não, fico-me pelo "sal" da vida :)
Pôs-me a pensar que também devia arranjar tempo para namorar a discografia da Mayra Andrade, que eu nunca ouvi um cd completo dela (uma vergonha!)

Ivar C disse...

cristina, eu tenho-os todos. os originais e em mp3. Se quiseres diz que logo à tarde ponho-os na dropbox (agora, neste momento, não posso). :)

Cristina disse...

Gostaria muito! :)
E desde já obrigada.

Ivar C disse...

cristina, é na boa. logo, durante a tarde recebes um email. :)

cristina disse...

Na relação é preciso o equilíbrio e parece-me que o encontras te :)

Ivar C disse...

cristina, pelo menos vou tentando. :)

Briseis disse...

Só uma coisinha... Se o tempo é nosso, se é o "nosso tempo", bora lá refastelar-nos no sofá, ver uma comédia, comer porcarias e andar de peúgas... agora, olhar para a parede??! Deve ser uma parede muito linda, a tua, amigo Bagaco... =)

Fatyly disse...

Abordas aqui várias coisas imensamente importantes:

Não existe mesmo no "léxico português", porque união de facto têm que morar juntos para declarações fiscais e só depois de 2 anos. Eu acrescentaria um: "namoro de facto".

"os desiludidos com o casamento, os iludidos com o divórcio"
Não concordo nada com estas duas expressões e muito menos "iludidos com o divórcio"...porque existe de facto a desilusão e a ilusão, mas são sentimentos que se forem bem resolvidos passam a um patamar bem diferente onde nem isso se define.

Tiveste uma separação, com eu também e há uns anos meditei "em que é que falhámos?" e cheguei a duas conclusões que felizmente não vejo nos meus: "a partilha das tarefas domésticas e da da educação dos filhos , porque infelizmente os da minha geração não faziam a ponta de um corno e eu ter gostado mais com a esperança que um dia ele mudasse. Certo? Uma pinóia...ninguém muda ninguém! e a contagem decrescente para um desgaste emocional na relação!

É saudável o espaço entre ti e a Raquel, ora lá bem...passas a ferro, arrumas a casa, etc., etc., e a ausência de...as tais férias que deveria haver num casamento etc. e tal e muito francamente não darei muito tempo para que passem a viver juntos mas mantendo a base/essência/sal desse tempo lolll

Tchau e gostei imenso:):):)

Ivar C disse...

briseis, a minha parede é mesmo um espectáculo. :)

fatyly, tens razão em tudo, sim. :)

Paulo Figueiredo disse...

Concordo que temos que manter o nosso espaço pessoal intacto numa relação.
Quando deixo de ter tempo e liberdade para fazer as minhas coisas, normalmente a relação começa a dar para o torto.
O problema é que isto fica no sentido inverso ao pensamento feminino: com a andar da relação começas a ficar cada vez mais preso a obrigações que se tornam com o casamento ainda mais complicadas de gerir com o teu espaço privado.
Tudo em prol das obrigações conjugais e posteriormente da família. O egoísmo moderado e saudável simplesmente desaparece.

Para uma mulher isto é sinónimo de que o trabalho de equipa está a resultar e que estamos a trabalhar em prol da relação presente e família futura.

É um tópico que precisa de muito desenvolvimento, mas resume-se na forma distinta como ambos os sexos pensam a relação.

:)

Paulo Figueiredo disse...

Concordo que temos que manter o nosso espaço pessoal intacto numa relação.
Quando deixo de ter tempo e liberdade para fazer as minhas coisas, normalmente a relação começa a dar para o torto.
O problema é que isto fica no sentido inverso ao pensamento feminino: com a andar da relação começas a ficar cada vez mais preso a obrigações que se tornam com o casamento ainda mais complicadas de gerir com o teu espaço privado.
Tudo em prol das obrigações conjugais e posteriormente da família. O egoísmo moderado e saudável simplesmente desaparece.

Para uma mulher isto é sinónimo de que o trabalho de equipa está a resultar e que estamos a trabalhar em prol da relação presente e família futura.

É um tópico que precisa de muito desenvolvimento, mas resume-se na forma distinta como ambos os sexos pensam a relação.

:)

Paulo Figueiredo disse...

Concordo que temos que manter o nosso espaço pessoal intacto numa relação.
Quando deixo de ter tempo e liberdade para fazer as minhas coisas, normalmente a relação começa a dar para o torto.
O problema é que isto fica no sentido inverso ao pensamento feminino: com a andar da relação começas a ficar cada vez mais preso a obrigações que se tornam com o casamento ainda mais complicadas de gerir com o teu espaço privado.
Tudo em prol das obrigações conjugais e posteriormente da família. O egoísmo moderado e saudável simplesmente desaparece.

Para uma mulher isto é sinónimo de que o trabalho de equipa está a resultar e que estamos a trabalhar em prol da relação presente e família futura.

É um tópico que precisa de muito desenvolvimento, mas resume-se na forma distinta como ambos os sexos pensam a relação.

:)

Ivar C disse...

paulo figueiredo, depende da mulher, depende do homem. eu já discuti isto com a Raquel e estamos de acordo que é bom olhar para a parede de vez em quando. admito que nós temos uma vantagem enorme: cada um tem a sua casa, ou melhor, no fundo somos um casal com duas casas. :)

Anónimo disse...

Não exagerar e, acima de tudo, não precipitar. Deixar o Amor escorrer em ralo apertado, para que se aproveite cada pedaço de si, durante mais tempo e com mais profundidade de cada vez.

Ivar C disse...

cármen, :)