todos os dias e todos os presentes
O modelo político vigente não vê pessoas. Vê números. Considera que são as pessoas que devem servir a Economia e não a Economia que deve servir as pessoas. É ingénuo acreditar que isso não gera vítimas. Em nome da Economia que não serve quase ninguém, vai-se perdendo a vida todos os dias, adiando todos os dias a esperança de ser feliz. O trajecto casa-emprego-casa é cada vez mais uma simples transformação de oxigénio em dióxido de carbono. Respira-se sofregamente com o olhar inerte sempre no dia de amanhã, que talvez seja melhor. É a Economia que nos diz que, em nome de um futuro qualquer que nunca chega, devemos abdicar do presente. Todos os dias, todos os presentes.
Na rua procuram-se sorrisos entre as faces desbotadas, enquanto se esquadrinham as ruas contornando ombros ora caídos, ora endurecidos. E não se encontra nem um que não seja esculpido à força pela obrigação. A obrigação de atender um cliente ao balcão duma loja, a obrigação de se mostrar que não se está triste. Mas em nome da Economia tudo vale: um código de trabalho feito com a contribuição do provedor de empresas de trabalho temporário, que despe a dignidade a quem trabalha e quem, todos os dias e todos os presentes só queria conseguir olhar de frente os filhos que tem em casa; e todos os dias e todos os presentes se subsidia uma crise económica gerada por quem nos rouba esses dias e esses presentes. Todos os dias em nome de nada.
O crescimento económico não é desenvolvimento económico, e por isso também não é o desenvolvimento de nada, a não ser desta contínua morte lenta que nos cinge silenciosamente. Não é desenvolvimento social, não é desenvolvimento intelectual, não é desenvolvimento emocional, e a merda da compra a crédito dum automóvel com gps não substitui a falta de sabor que não conseguimos ter quando abraçamos quem amamos, ou era suposto amarmos. Já nem sabemos bem. Sabemos só que todos os dias e todos os presentes vamos sobrevivendo amparados ao que está prestes a cair.
Nos jornais discute-se pseudo-política por quem nem sequer sabe o que isso é. A questão verdadeira não é onde se constrói a merda dum aeroporto ou se o computador Magalhães já chegou às escolas. A questão de fundo é o modelo político em que vivemos... e esse está errado. Todos os dias e todos os presentes.
Bom fim de semana a todos os leitores e leitoras deste blogue, e obrigado por existirem.
14 comentários:
Obrigada por existires tu bagaço.
Tu e as tuas palavras...
Concordo.
É a economia que mata o amor.
Todos os tipos de amor.
E amassa o amor-próprio.
Mas as coisas vão mudar.
Digo eu...
[É para isso que o "Bloco" existe... É ou não é?]
Mais uma vez
Bom fim de semana também para ti.
Beijo
Ana
maldito o dia em que deixar-mos a esperança de ser feliz amanhã...
Bom fim de semana com pessoas de quem gostas muito e não é preciso agradecer, gosto de te ler
Ana, é sim... é por isso mesmo. e vai continuar a existir :)
albana, obrigado... pela presença simpática. e bom fim de semana tb.:)
Obrigada a ti, por compreenderes e por partilhares.
:)
pax, :) beijinhos.
Ainda temos é de encontrar um que funcione comprovadamente melhor não é? E depois motivar os alienados politicamente a mudá-lo. Fácil, eh?
nuno pinho, de facto não é fácil. por isso é que não é por mim... é talvez pela minha filha e pelos filhos dos outros. fácil é desistir. :)
Obrigada por tu existires, identifico-me imenso com este texto e por breves momentos não me senti só na minha loucura, Obrigada Bagaço :)
Parabéns pelo teu talento para escrever. Conseguiste neste texto descrever exactamente o sentimento de sufoco partilhado pela maioria das pessoas. Obrigada por existires também. :)
Bagaço!
Acertaste em cheio no porta-aviões!!!
Adorei as tuas palavras, pois eram estas que gostaria de "gritar" há muito..apesar de saber que não tenho coragem para tal!
Sim, os dias de hoje (no passado também o seriam de outra forma) são uma sucessão de nadas, é como dizes, sempre à espera de um milagre...amanhã. amanhã...mas esse amamhã não chega!
Sabes, é mesmo como no "Fight club"...
Vamos passando os dias de forma vazia...como que em coma...a engordar um sistema, isto até deixarmos de ser úteis e sermos despejados num lar...se não batermos a bota antes. Enfim...talvez esteja a ser demasiado dramático...não sei...
Um grande abraço!!!
É isto que é importante, pensar na alternativa...mas o que vemos são só remendos, para continuar a fazer funcionar o sistema que já faliu...até quando suportaremos?
~CC~
naturezas, é mesmo isso... às vezes também não sei se sou que estou louco. :) beijinhos
olga, é mesmo bom saber que numa coisa nos compreendemos. no essencial, aliás. :) beijinhos. :)
alvega, não estás a ser dramático... estás a chamar as coisas pelos nomes, que é o que se deve fazer. :) abraço.
ccf, só o suportamos até à revolta social, ou seja, até à fome de tudo. :)
De facto as tuas palavras são profundamente simples, na análise da complexa labuta diária que é respirar no seio desta sociedade, que nos inserimos, não poderia estar mais de acordo com tudo o que escreveste, com ou sem semânticas a mistura.
Porém deverias ter acrescentado um paragrafo final, onde pudéssemos ouvir (ler) o grito da incitação ao não conformismo e lembrar que é o povo quem mais ordena, pelo menos enquanto a constituição o disser....hoje tal como noutros tempos, a luta continua! e não vamos baixar os braços porque simplesmente queremos ser diferentes deste modelo neo-liberal de sociedade onde as pessoas não são mais que carne para saciar a fome de lucro do grande capital...
sierra maestra, sim, tens razão... por isso é que digo que "a questão de fundo é o modelo político em que vivemos...", e por isso é que invisto muito do meu tempo pessoal na política. todos os dias. :) grande abraço
Enviar um comentário