10.09.2008

os silêncios mexem nas coisas

Os silêncios mexem nas coisas e há dois tipos de silêncio no mundo. Um silêncio que nos abraça, outro que nos desmama. A única coisa comum entre ambos é a ausência de som. Normalmente passamos o dia cercados por ruídos, por isso é que depois dum dia de trabalho procuramos algum refúgio no silêncio da nossa casa. O problema é que nunca sabemos que tipo de silêncio vamos encontrar quando abrimos a porta.
Os silêncios mexem nas coisas. Um dias destes cheguei a casa e o livro que eu andava a ler estava em cima do sofá à espera de se pronunciar, uma garrafa de vinho estava em cima do balcão da cozinha à espera de ser aberta e bebida e, pela forma como me olhava a partir da estante da sala, um cd estava à espera de ser ouvido depois do livro. Suspirei de alívio. Era um bom silêncio que estava em minha casa, daqueles que ouvem música e tudo.
Abri a garrafa de vinho e levei-a para a sala com um copo cuidadosamente inspeccionado, depois sentei-me no sofá e também abri o livro. Pedi ao silêncio que me abraçasse e fiquei ali aninhado durante algum tempo. E este é o silêncio que eu não quero perder, pensei.
Quando o telemóvel tocou foi, por isso, como se alguém me despertasse dum sono recém-nascido. Ainda demorei algum tempo a atender. Era ela, claro, e este 'claro' esvoaçou pelo meu pensamento como o bater de asas duma borboleta, aquele que é suave mas provoca uma tempestade do outro lado do mundo. E provocou, com a particularidade que era o meu mundo.
Os silêncios mexem nas coisas, e enquanto ela me pedia uma justificação para nem sequer lhe ter telefonado, eu explicava-lhe que é precisamente por não me apetecer dar justificações a ninguém que opto por estar sozinho. A discussão prolongou-se e o silêncio arrumou as suas coisas e saiu. Quando finalmente desliguei o telefone já era outro que estava em minha casa: um que desmarcou a página do livro, verteu o resto do vinho na sanita sem sequer arrumar o copo e arrumou os meus cd's por uma ordem que eu não compreendo. É que os silêncios mexem nas coisas...

20 comentários:

Inês disse...

O fim deste texto (não propriamente da história) é absolutamente maravilhoso :)

Ivar C disse...

Inês, é o fim verdadeiro. :)

heidy disse...

Lamento pelo fim desse silêncio. Por vezes, existem barulhos que nos acordam dessa realidade, que não nos fazem falta...

Anónimo disse...

WOOOOOOOWWWW!!!

Deus!!!

Que texto lindo, Bagaço Amarelo!!!! Que texto liiindo!!!

ßrighid disse...

compreendo-te bem... :S

este texto está lindo!

Bjinho

Ivar C disse...

heidy, é o chamado ruído real. :)

liliane, obrigado pela presença... :)

Bri, beijinho. :)

heidy disse...

Ruido desnessário... por isso é que amo as minhas bolhinhas... enquanto o ar dura, sei que ninguém me vai acordar...

Ivar C disse...

heidy, se considerares só ruído exterior sim... mas às vezes há um que vem de dentro. :)

selita disse...

Bom, sem palavras! Pronto foram três, aliás mais que três...ai...;)

Ivar C disse...

selita, lol...foram onze. :)

Anónimo disse...

clap clap clap!! fantástico... estes teus últimos textos têm-me emocionado bastante... talvez por estar numa fase bem parecida !

fica bem ;)

Anónimo disse...

Espero que não tenhas estragado os CDs. As mulheres são mais fáceis de substituir. :)

Anónimo disse...

Pois mexem, mexem e normalmente mexem no báu das coisas velhas, os sentimentos. Isso vai prá ai uma açorda :)
Ai como te compreendo ... e a ela ... mais a ela confesso :)
Dori

Ivar C disse...

bia, boa sorte, então. :)

[e]vil, os meus cd's são sagrados. :)

Dori, é por isso que não Vos compreendo.:)

Anónimo disse...

Ai meu Bagaço Amarelo...

O que posso dizer?
Que se percebe os dois silêncios na tua voz escrita. Que se percebe que nenhum deles mexe em nada. Mas que há uma voz que mexe nos dois e em ti.
Fica bem...
Beijo Grande
Ana

Ivar C disse...

Ana, beijo... e obrigado pela presença. :)

Anónimo disse...

o silêncio arrumou as suas coisas...
sabes? sabes que percebo os silêncios que arrumam as suas coisas e os silêncios que as desarrumam. Às vezes escreves coisas que podiam ser minhas. E ainda continuo à espera do bife...

Ivar C disse...

anónimo, um bife?... :)

Anónimo disse...

é por isso que continuo à espera. Porque não te lembras que me 'prometeste' um jantarinho de bife. Pois...

Ivar C disse...

anónimo, mas se eu não como bifes... :)