10.03.2008

a balança

Há uma balança com dois pratos. O prato "quero encontrar uma companheira" e o prato "estou muito bem assim".
Quando estamos divorciados há pouco mais de dois anos, como é o meu caso, começamos a ter dúvidas do que realmente queremos para a nossa vida emocional. As vantagens de viver sozinho são tantas que praticamente só sentimos realmente falta de alguém quando adoecemos e ninguém nos faz um chá. É um egoísmo serôdio, eu sei, mas também é verdade.
Alguns momentos de solidão e uma vida sexual irregular vão pesando cada vez menos no prato "quero encontrar uma companheira". A espaços há encontros que nunca resultam porque a balança não está equilibrada. Alguns nem era suposto resultarem, outros se calhar era. Nunca sabemos muito bem.
Um destes dias fui a um desses encontros que supostamente deviam (que é diferente de podiam) resultar. Saí de Aveiro às duas da tarde para estar numa cidade que fica a cerca de setenta quilómetros um pouco antes das três. Encontrei facilmente o local onde tinha combinado e esperei. Ela apareceu uns minutos depois. Era bonita, na verdade muito mais bonita do que me tinha parecido nas fotografias enviadas por email. Depois vi-a beber uma cola light com goles tímidos e envergonhados. No princípio as palavras não surgiam e embrulhámo-nos num silêncio incómodo de alguns minutos, mas à medida que o tempo foi passando os temas de conversa foram-se sucedendo. Contámos a nossa vida um ao outro, escondendo umas partes e destapando outras.
Só no regresso a casa, já a noite ia longa, é que percebi o que tinha ido ali fazer. Na verdade não tinha ido em busca de nada a não ser da novidade instantânea. Às vezes sabe bem alguém que nunca vimos na vida. É como se escrevêssemos numa folha em branco em vez de numa folha amarfanhada e cheia de rabiscos. Às vezes, só. E é isto que nos acontece também quando vivemos muitos anos com a mesma pessoa. Ela pode ser a melhor pessoa do mundo mas já nos adivinha as palavras e os gestos. Isso é óptimo quase todos os dias. Às vezes não.
A vida a dois é um processo de aprendizagem e, quando se começa demasiado cedo essa vida, a nossa folha fica inevitavelmente cheia de apontamentos, palavras riscadas e emendadas sucessivamente. Talvez todos devêssemos ter uma segunda oportunidade. Eu tenho-a. Vou esperando que o prato "quero encontrar uma companheira" pese mais...

42 comentários:

nada desta vida disse...

este teu texto está brutal. BRUTAL. visto-o assim de alta costura mesmo. hoje sei que seja qual for a escolha irei sempre arrepender me ou pelo menos pensar de como teria sido se...

Paula disse...

ando assim...sem saber o que vai ser daqui prá frente. espero um dia encontrar a resposta certa

SP disse...

Sabes... A minha balança também se encontra assim desiquilibrada. Não sei se desiquilibrada será bem a palavra exacta porque não sei neste momento, qual dos pratos quero que pese mais. Tmbém não ando obcecada com isso, que se lixe.
Quando acontecer, acontece. Se tiver de acontecer :)

Liana disse...

Acho que fazes bem.
Concordo contigo quando dizes que a balança nunca está equilibrada (fala uma Mulher que é balança LOL).
Concordo tanto... muito mais do que queria.

Beijo

[ t ] disse...

como eu me sentei bem neste post. o meu prato, do quero encontrar um companheiro... continua leve leve também à espera de pesar mais...e cada vez é mais difícil.

another kiss dear bagacinho

Anónimo disse...

identifico-me com as tuas palavras... imenso!! estou numa fase semelhante e quero aproveita-la, embora tambem ache bom ter alguem com quem partilhar coisas banais, abraçar e que adivinhe o que vou dizer a seguir...
mas por enquanto quero curtir o meu tempo e deixar que tudo aconteça naturalmente ;)

p.s.: e tb fiz recentemente uma porrada de km por alguem... LOL

nada desta vida disse...

fuego, vou linkar este texto, posso?

Xantipa disse...

Que belo post.
Gostei.
Compreendo-te perfeitamente.
Beijinho

Micas disse...

Conheço alguem que também esta divorciado, que passou por uma situação semelhante, mas esse prato da balança está pesadito(eu espero mesmo que sim...)! =)

Sei que é complicado, mas se estiveres presente do sentimento que é o amor, tudo resulta!
E se ela for normal, uma pessoa tolerante e se der mais do que recebe, tenho a certeza que isso da "folha amarfanhada e cheia de rabiscos" quando precisas de falar, de conversar, deixa de existir e deixa de adivinhar o gestos, as palavras! =) Falo por experiencia!

E se for distraída nem adivinha os gestos nem palavras! =P

Desejo-te o melhor!! ; )

O amor se for respeitado, interpretado e se for mesmo amor, é bonito e muito bom!

Beijinho*

Ivar C disse...

subtilezas, pois... mas não tens que lhe chamar arrependimento... é um processo natural. :) e sim, linka o que te apetecer. :)

paula, andamos quase todos assim, mas temos que ver o que isso tem de bom. é como se tivéssemos um caderninho novo para escrever. :)

deusa minervae, exacto. não andar obcecada já significa que os pratos não estão assim tão desequilibrados. :)

liana, lol. não querias concordar comigo?. :) beijo

[t], pois... isso pode, no entanto, mudar em poucos minutos. acho eu. :) beijinhos

bia, lol... vou começar a pensar que nos carros que se cruzam comigo vai alguém para um encontro qualquer. :)

xantipa, começamos a compreender-nos todos, lol :) beijinho.

smily, boa sorte, então. :) beijinho

Anónimo disse...

Não estou assim tão separada mas penso exactamente isso.
Qual o prato da balança será o mais pesado?
Ao início queremos mesmo ficar sozinhos mas depressa a vontade de ter alguém permanentemente ao nosso lado começa a crescer. Isto sucede, porque tal como nos relacionamentos de longo tempo, também nos instatâneos,
"Ela(Ele) pode ser a(o) melhor pessoa do mundo mas já nos adivinha as palavras e os gestos".
Então começa tudo de novo ... até aparecer a(o) tal que é para durar.
Alguém que nos cause " borboletas no estomâgo".
Alguém por quem as nossas mãos soam e o nosso corpo treme.
Alguém que nos faça sorrir e desejar voltar para casa a cada final de dia trabalho.
Alguém que partilha a vida conosco.
Alguém que não se limita a ouvir mas a escutar.
Alguém que consiga ser tudo isto e bom na cama :)

Como te compreendo ;)
Dori.

SP disse...

desiquilibrada= desequilibrada lol por isso não me estava a soar bem... Já nem sei escrever:)

Anónimo disse...

LOL

e se calhar vão mesmo... afinal as vidas são semelhantes em muitos aspectos e todos nós cometemos loucuras, erros e afins :)
ehe

nada desta vida disse...

ainda estou a pensar neste texto. que cena! e na quantidade de pessoas que se identificam com ele e que a julgar pelos comentários são bastantes. sim, não é arrependimento. é o "e se..." faz parte do crescer saber lidar melhor com estas ambivalências, acho eu. querer uma coisa e a outra oposta. eu acho que vivemos uma época de reformulação das relações humanas. a internet ainda é um fenómenos muito jovem, isto só começou a bombar em pleno há pouco tempo e ainda não passou o suficiente para se perceber o quer que seja. acredito que o que eu eventualmente possa precisar é uma relação não-convencional, onde ambos, mesmo na diferença, queiram coisas semelhantes e não apenas juntar-se, dividir despesas, comprar casas e passar a ser uma entidade economico-social chamada casal. mas sei que dp é tudo complicado pq temos as nosssa referências, os pais, os modelos...enfim. onde começa o eu(essencia) e onde acaba o eu (social)? o que esperam de nós versus o que nós realmente esperamos.
o sartre e a simone tentaram construir algo diferente. será que foram capazes? bom fim de semana bagaço*

Ivar C disse...

Dori, gostei do "e bom na cama" lol. :)

deusa minervae, não sofras, lol. esse é um erro comum, até. :)

bia, sim... alguns, pelo menos. :)

subtilezas, acho que a noção estrutural da família está a mudar radicalmente, e ainda bem, apesar da resistência judaico cristã. A família vai deixar de ser esta estrutura fechada. E é essa mudança que busca a mesma felicidade que o Jean paul Sartre e a Simone de Beauvoir, sim. :)

Luis Pinto disse...

Ui... Identifico-me tanto com este texto...

O engraçado é a forma como estes dois pratos vão alternando e a velocidade a que o fazem... A princípio o terror de estar sozinho, a solidão, o não ter alguém para partilhar coisas estúpidas, o não ter alguém que perceba as piadas privadas... Depois surge o conforto de podermos estar a comer um queijo fresco à colherada directamente da embalagem às 4 da manhã enquanto vemos o Californication, ou o podermos ouvir o mesmo cd durante o dia inteiro... E acho que só na fase em que nos sentimos bem sozinhos é que estamos prontos para encontrar alguém. Depois encontramos esse alguém, e de repente sentimos saudades de estar sozinhos, cada vez mais - e o prato de estar sozinho fica tão pesado que tomamos a decisão de ficar novamente sozinhos. E repete-se o ciclo.

heidy disse...

Se calhar para encontrares a "tal", tens primeiro de encontrar o teu ponto de equilibrio. Na grande maioria das vezes, esse é o caminho. O ponto do começo... e do fim. Muitas vezes... pensamos que o nosso problema é a falta de alguém que nos complementa. Que seja, tudo aquilo que fomos sonhando ao longo da vida e que vamos deixando para trás, porque... por causa de uma ou outra razão... não aconteceu. Passou-nos ao lado. Então fomos reconstruindo uma outra imagem. Uma outra idealização. Renovamos a casa- mente-. Chega o tal dia, em que olhamos para trás e queremos a primeira versão. Não nos contentando com menos. Nem com mais. Porquê? porque naquele momento em que fizemos aquele desenho, nâo eramos tão... "conscientes". Tinhamos a vida à frente. Tudo era nosso. Talvez seja isso... não sei... ou talvez, seja fruto de ser sexta feira e eu já estar a divagar. lol Quem sabe... :P

Red disse...

balança, balança.. escorpião é que é. :P


(belo texto, sim sr.)

MFP disse...

Será que queremos viver em equilíbrio? Será que queremos a felicidade? Será que queremos a harmonia? Querer nem sempre é poder e os conceitos estão cada vez adulterados.
O tempo que foi passando até me trazer ao estado de “quarentinha”, (não quarentona) ensinou-me que afinal temos duas vidas uma mental e uma física que em tantas ocasiões se confrontam e disputam, quase sempre sem vencedor.
Talvez o ideal seja mesmo viver numa espécie de “equilíbrio desequilibrado” pronto para todas as surpresas e destinos que a existência nos reserva.
Depois de 20 anos de casamento, com altos e baixos, ainda não encontrei o tal equilíbrio, talvez porque ele não exista, ou talvez por este meu defeito de alma insaciante que deseja sempre mais da vida.
Encontrei outras coisas e descobri que o “amor” dentro de uma união pode ter várias facetas; aprendi a ceder e a fazer ceder; aprendi cumplicidade. Aprendi e cá estou.

RedPill disse...

Em vez de escrever vou colocar o link para uma das melhores (senão a melhor) canções dos Mesa (que provavelmente já conheces)...
http://x.imeem.com/7XYErzjrvd

Anónimo disse...

Cheguei aqui via Cerejas Maduras e deparo-me com este belíssimo post. Depois vou descendo e dou por mim a rir às gargalhadas. Obrigado por animar esta minha noite de sexta-feira.
Ah! E eu também me parece que não as entendo muito bem...

Lita disse...

Estejamos onde estivermos há sempre uma parte da nós que sente a insatisfação de não estar a ter o outro lado da moeda, nem sei se por ele ser de facto importante ou pura e simplesmente porque não o temos.

Da minha parte, tento fazer escolhas e dar o meu melhor nessas decisões. Depois há o momento em que a balança oscila... mas não será também essa zona de desconforto que nos obriga a subir m pouco mais a montanha???? Dizem que lá em cima a paisagem é mais abrangente e deliciosa...

Obrigada pelo texto fabuloso!

Ivar C disse...

luis pinto, é muito assim, sim. no fundo acho que isto até ajuda a encontrar, eventualmente, a pessoa certa, porque é alguém que compreende esta linha de pensamento. :)

heidy, eu neste momento sinto-me bem e equilibrado, tirando quando saio à noite e me meto nos copos. :)

red, eu sou leão... :)

mfp, pois... mas o que eu quero dizer é que um casamento não justifica assim tanto algumas cedências... a vida é mais do que isso, e também ainda cá estou. :)

redpill, conheço sim. :)

carlos barbosa de oliveira, gosto de alternar entre assuntos mais sérios e boa disposição. obrigado e abraço. :)

lita, tens razão, sim. pelo menos há zonas em que vemos as coisas duma forma mais abrangente. obrigado. :)

Gisela FFale disse...

EXCELENTE post...;)
mesmo não sendo divorciada...mesmo nunca tendo sido casada...não sinto a balança desiquilibrada, mas sinto o "egoísmo serôdio" a ganhar cada vez mais força!;)

Bom fim-de-semana ;)

ComoHacerElAmor disse...

Isso esta bem , e sempre bom esperar , se tomar um tempo, antes de tomar uma desiçao.

Who?... Me?... disse...

Que bom saber que existem outras pessoas a sentirem-se da mesma forma que eu. :)
ADORO o blog!
Beijinho

Patrícia Manhão disse...

Adorei.

;)

beijos,

Pat

Ivo disse...

não sou nem nunca fui casado mas concordo/identifico-me perfeitamente com estas 2 frases:

"Às vezes sabe bem alguém que nunca vimos na vida. É como se escrevêssemos numa folha em branco em vez de numa folha amarfanhada e cheia de rabiscos."

um abraço!

redonda disse...

Muito bem escrito e interessante.

Ivar C disse...

lover, pois... mas esse egoísmo não é um pormenor na nossa vida. :)

comohacerelamor, claro... eu acho é que vai ser mesmo muito tempo, lol. :)

ritinha, acho até que somos a maioria. obrigado. beijinho. :)

Pat, :)

ivo, nunca foste mas imaginas o que é ser... :)

redonda, :)

Raio de Sol disse...

Uau...
(só tenho a dizer isso)

Ivar C disse...

di, :)

Anónimo disse...

A minha balança está sempre (muito) desequilibrada para o lado "estou muito bem assim".

Esse egoísmo de que falas é típico da sociedade actual. A maioria das pessoas da minha idade que conheço prefere estar sozinha a ter que se moldar a alguém, a ter que partilhar e adaptar o seu espaço e o seu modo de vida a outra pessoa. No outro dia escrevi um post sobre isso... Sem compromisso

Ivar C disse...

[e]vil, pois... é isso mesmo. :)

MYA disse...

E a tua casa com koisas de gaja espalhadas por todo o lado? O teu armario da casa de banho com 3 prateleiras de perfumes, cremes, lapis para pintar os olhos, rimmel, caixas de sombras abertas e´o pó espalhado, mais outras centenas de artigos de higiene e "beleza" .... O roupeiro que vai ficar entulhado , os sapatos espalhados... Nem digo mais nada!
Ja pensaste nisso, ja? Eu já mas na versao "artgo masculino"! Nepia.
Nao há espaço permanente... :)

Ivar C disse...

mya, lol... deves ser uma boa vendedora. convenceste-me. :)

O Amigo do Café disse...

Onde está o botão para deixar palmas?

Ivar C disse...

tiago, obrigado. :)

Anónimo disse...

Como um amigo meu um dia me disse "Estar sozinho é lixado mas estar com alguém é difícil!"...
E é neste limbo que temos de aprender a viver, aproveitando os bons momentos que nos vão acontecendo e esquecendo os que gostaríamos que acontecessem mas não surgem...
Gostei do teu texto e ainda acredito que, se duas pessoas quiserem abandonar um pouco o egoísmo de cada uma, pode ser bom, sem que se pense que é para sempre, porque nunca o é...)
Sónia

Ivar C disse...

Sónia, isso do "para sempre" nem sequer é, só por si, um objectivo. :)

Anónimo disse...

Claro que não e foi precisamente isso que eu quis dizer... :) Pois julgo que esse é o tipo de pensamento que atrapalha muitas das coisas boas que se podem viver a dois.
Sónia

Ivar C disse...

Sóna, de acordo, sim. :)