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desenhos e fotografias
Um Amor pode ser um desenho ou uma fotografia de que se gosta. Olha-se e gosta-se, mas com uma diferença fundamental entre ambos. Um desenho faz-se a partir de uma folha de papel em branco, ou seja, do nada. Uma fotografia faz-se a partir da realidade, ou seja, do tudo.
A Ana e o Paulo começaram a namorar a partir do nada. Conheceram-se por acaso numa festa de amigos e nessa mesma noite acabaram na cama. Fizeram amor duas vezes antes de adormecer e, para surpresa de ambos, quando acordaram de manhã nenhum deles estava arrependido. A luz matinal do Sol cortava as frinchas das persiana do quarto mas não cortava a vontade de estarem juntos, acabando assim por morrer na pele deles que se misturava na poção química de mais beijos matinais.
A Helena e o Nuno começaram a namorar a partir do tudo. Conheceram-se em crianças e praticamente cresceram juntos. Dividiram o mesmo baloiço, a mesma escola, o mesmo liceu e a mesma universidade. Já jovens adultos dividiram algumas noites embriagadas, alguns filmes no cinema e, por fim, acabaram a dividir também a mesma cama. Não perceberam logo se tinham confundido amizade com Amor mas, como cada vez que se afastavam tinham imediatamente saudades um do outro, acabaram por se render a este último, e depois duma conversa acompanhada de um jantar entregaram-se formalmente um ao outro.
O desenho da Ana e do Paulo começou a falhar quando perceberam que não gostavam das mesmas cores. Era o efeito da novidade que lhes alimentava o sexo e a vontade de estarem juntos, e em pouco tempo o sabor dos beijos perdeu-se num gesto diário mecânico e vulgar. Separaram-se quase naturalmente, quase sem se despedirem um do outro.
A fotografia da Helena e do Nuno foi perdendo cor depois da formalização da coisa, como se o Sol a tivesse queimado. Não que não gostassem um do outro, mas porque a vida lhes parecia cada vez mais um corredor estreito. Conhecendo-se um ao outro desde sempre, não conheciam mais nada, e ambos sentiam um desejo secreto de desenhar. A separação foi mais difícil, e custou algumas lágrimas e muitas noites mal dormidas com a solidão.
Os quatro passeiam-se por aí nestes dias, à procura de poder fotografar e desenhar com alguém, que já perceberam que só uma das coisas não funciona.
29 comentários:
Ás vezes (só, ás vezes) ler os teus posts, apesar de bastante inspirador, não ajuda nada -.-' Agora fiquei a pensar se a minha relação é uma fotografia ou um desenho e que, quer seja um ou outro, está destinada ao fracasso.
Que a Ana, o Paulo, a Helena, o Nuno encontrem a felicidade.
Um abraço
Pedro Ferreira.
Agora é que me lixaste!
E gosto mesmo deste blogue, carago. Já te disse que leio tudo e até já publiquei algo no meu sobre ele como sabes.
Sorriso sincero.
Brilhante!
Muito bonito. Concordo com cada palavra. =)
Cisne.
Este texto está genial.
Eu às vezes tenho a sensação que... olha... nem sei! Bem, o texto é qualquer coisa! =)
é tao triste o fim do amor...*
violeta
uau
Poderia rever-me quer numa situação quer noutra....
A descrição de ambas está perfeita :) Gostei.
Eu adoro desenhar, colorir novos desenhos... mas faço sempre os mesmo, com cores diferentes mas sempre a mesma base.
Bagaço, parabéns. Gosto.
Hathor
apesar de o desenho e a fotografia andarem de costas voltadas, conseguir tirar uma fotografia e riscar sobre essa parece-me que neste paralelismo seria a melhor solução. contudo no amor nao existem melhores soluções, existe sim adaptações pessoais e unicas...
o amor é tao complicado...
Oh bagaço parece-me que o Hegel desceu à terra, e escreveu em meia duzia de linhas " a dialetica do amor. "
Ao ler o teu texto fico com a impressão que se trata de uma disciplina extremamente complicada.
As coisas acontecem mas depois torna-se dificil mantê-las.
Será porque as despesas de manutenção são bastante elevadas ????.
Remexido
Seria impossível ler-te hoje e não pensar em mim, no meu casamento, no que às vez tomo como certo e já não me imagino sem ele.
De acordo com a tua lógica, eu e o meu marido somos o desenho, começamos do nada, tinhamos uma sede tremenda, mas acho que daí ao tudo foi um pequeno passo e, apesar de não termos muito em comum, completamo-nos, cedemos, não gostando das mesmas cores tentamos conciliar.
Sempre me questionei se o nosso amor por não ter sido construído cuidadosamente, a assentar em pilares sólidos de amizade, partilha um dia não iria mostrar sinais de fraqueza. Hoje avivaste esse sentimento de incerteza...
joy, há que não ser maniqueísta em nada. Num texto nunca reside A Verdade. :)
pedro ferreira, abraço. :)
eli, obrigado mas... vá! não lixei nada. :)
m, obrigado. :)
cisne, obrigado. :)
curlygirl, obrigado. :)
memyselfandi, obrigado. a vida é feita de impressões. este texto é mais uma . :)
violeta, tem um quê de renovação, também... :)
hathor, exacto. acho que todos podem... :)
hug, acho que passa por aí, sim. sem verdades absolutas. :)
remexido, não gosto da palavra difícil, não por não concordar com ela mas porque gosto de a evitar. pelo menos no Amor. :)
janine bettencourt, é engraçado falares na incerteza. estou convencido que a incerteza é um dos mais fortes pilares duma relação. :)
Ora bolas... então a moral da história é: não se enganem, meus filhos, que a coisa vai sempre dar para o torto... Mau...
Eu podia ser a Ana... Estou a viver a parte da separação natural...
carla
briseis, para além de eu não gostar de moral nas histórias, essa não é a mensagem. :)
carla, e poderás vir a ser mais Anas, o que é bom. :)
O amor é um desafio e está sempre em constante mudança. O segredo é mantê-lo.
No amor existem doações, cedências, adaptações.
O amor emerge e por vezes transborda em suspiros, desenhos, fotografias e outras formas.
Gostei muito.
isto deixou-me mesmo triste...
rana, isso mesmo. obrigado. :)
ana, não era suposto, pelo menos para mim. não o escrevi porque não me apeteceu ser óbvio, mas acho que o que interessa aqui é que podemos ter uma fotografia ou um desenho só na nossa vida mas, se não o conseguirmos, não faz mal. podemos sempre desenhar ou fotografar mais. :)
É verdade que também tem um quê de renovação, mas como nos andaram a vender a história do "viveram felizes para sempre" cada relaçao falhada ajuda a desacreditar essa ideia romantica...
anyway!
*Violeta
No entanto, usando o lápis e o papel correctos ou uma boa máquina fotográfica, poderá acabar por se conseguir fazer com que permaneça uma peça artística imaculada :)
violeta, pois... mas de romantismo serôdio estamos nós fartos, não estamos? :)
besta artista, :)
E quando falta qualquer coisa...porque algo não funciona...não vale a pena!
maria, normalmente não vale a pena, não. :)
O desenho ou a fotografia (belas metáforas) existem e ficam imóveis, ao olharmos é a nossa cabeça que lhe dá vida numa beleza inovadora e consegue destruir algo que o tempo corroi nas relações: a rotina e sentimentos doentios, como o ciúme!
Gostei imenso. Foi o que eu senti e desculpa se interpretei mal!
fatyly, obrigado. e gostei da forma como viste isto. :)
Adorei o texto =)
lima e tequilla, obrigado. :)
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