2.25.2011

respostas a perguntas inexistentes (131)

desenhos e fotografias

Um Amor pode ser um desenho ou uma fotografia de que se gosta. Olha-se e gosta-se, mas com uma diferença fundamental entre ambos. Um desenho faz-se a partir de uma folha de papel em branco, ou seja, do nada. Uma fotografia faz-se a partir da realidade, ou seja, do tudo.
A Ana e o Paulo começaram a namorar a partir do nada. Conheceram-se por acaso numa festa de amigos e nessa mesma noite acabaram na cama. Fizeram amor duas vezes antes de adormecer e, para surpresa de ambos, quando acordaram de manhã nenhum deles estava arrependido. A luz matinal do Sol cortava as frinchas das persiana do quarto mas não cortava a vontade de estarem juntos, acabando assim por morrer na pele deles que se misturava na poção química de mais beijos matinais.
A Helena e o Nuno começaram a namorar a partir do tudo. Conheceram-se em crianças e praticamente cresceram juntos. Dividiram o mesmo baloiço, a mesma escola, o mesmo liceu e a mesma universidade. Já jovens adultos dividiram algumas noites embriagadas, alguns filmes no cinema e, por fim, acabaram a dividir também a mesma cama. Não perceberam logo se tinham confundido amizade com Amor mas, como cada vez que se afastavam tinham imediatamente saudades  um do outro, acabaram por se render a este último, e depois duma conversa acompanhada de um jantar entregaram-se formalmente um ao outro.
O desenho da Ana e do Paulo começou a falhar quando perceberam que não gostavam das mesmas cores. Era o efeito da novidade que lhes alimentava o sexo e a vontade de estarem juntos, e em pouco tempo o sabor dos beijos perdeu-se num gesto diário mecânico e vulgar. Separaram-se quase naturalmente, quase sem se despedirem um do outro.
A fotografia da Helena e do Nuno foi perdendo cor depois da formalização da coisa, como se o Sol a tivesse queimado. Não que não gostassem um do outro, mas porque a vida lhes parecia cada vez mais um corredor estreito. Conhecendo-se um ao outro desde sempre, não conheciam mais nada, e ambos sentiam um desejo secreto de desenhar. A separação foi mais difícil, e custou algumas lágrimas e muitas noites mal dormidas com a solidão.
Os quatro passeiam-se por aí nestes dias, à procura de poder fotografar e desenhar com alguém, que já perceberam que só uma das coisas não funciona.

29 comentários:

Joy disse...

Ás vezes (só, ás vezes) ler os teus posts, apesar de bastante inspirador, não ajuda nada -.-' Agora fiquei a pensar se a minha relação é uma fotografia ou um desenho e que, quer seja um ou outro, está destinada ao fracasso.

Anónimo disse...

Que a Ana, o Paulo, a Helena, o Nuno encontrem a felicidade.

Um abraço

Pedro Ferreira.

Eli disse...

Agora é que me lixaste!

Eli disse...

E gosto mesmo deste blogue, carago. Já te disse que leio tudo e até já publiquei algo no meu sobre ele como sabes.

Sorriso sincero.

M. disse...

Brilhante!

Cisne disse...

Muito bonito. Concordo com cada palavra. =)


Cisne.

CurlyGirl disse...

Este texto está genial.

memyselfandi disse...

Eu às vezes tenho a sensação que... olha... nem sei! Bem, o texto é qualquer coisa! =)

violeta disse...

é tao triste o fim do amor...*
violeta

Anónimo disse...

uau
Poderia rever-me quer numa situação quer noutra....
A descrição de ambas está perfeita :) Gostei.
Eu adoro desenhar, colorir novos desenhos... mas faço sempre os mesmo, com cores diferentes mas sempre a mesma base.
Bagaço, parabéns. Gosto.
Hathor

hug * disse...

apesar de o desenho e a fotografia andarem de costas voltadas, conseguir tirar uma fotografia e riscar sobre essa parece-me que neste paralelismo seria a melhor solução. contudo no amor nao existem melhores soluções, existe sim adaptações pessoais e unicas...
o amor é tao complicado...

Anónimo disse...

Oh bagaço parece-me que o Hegel desceu à terra, e escreveu em meia duzia de linhas " a dialetica do amor. "
Ao ler o teu texto fico com a impressão que se trata de uma disciplina extremamente complicada.
As coisas acontecem mas depois torna-se dificil mantê-las.
Será porque as despesas de manutenção são bastante elevadas ????.

Remexido

Anónimo disse...

Seria impossível ler-te hoje e não pensar em mim, no meu casamento, no que às vez tomo como certo e já não me imagino sem ele.
De acordo com a tua lógica, eu e o meu marido somos o desenho, começamos do nada, tinhamos uma sede tremenda, mas acho que daí ao tudo foi um pequeno passo e, apesar de não termos muito em comum, completamo-nos, cedemos, não gostando das mesmas cores tentamos conciliar.
Sempre me questionei se o nosso amor por não ter sido construído cuidadosamente, a assentar em pilares sólidos de amizade, partilha um dia não iria mostrar sinais de fraqueza. Hoje avivaste esse sentimento de incerteza...

Ivar C disse...

joy, há que não ser maniqueísta em nada. Num texto nunca reside A Verdade. :)

pedro ferreira, abraço. :)

eli, obrigado mas... vá! não lixei nada. :)

m, obrigado. :)

cisne, obrigado. :)

curlygirl, obrigado. :)

memyselfandi, obrigado. a vida é feita de impressões. este texto é mais uma . :)

violeta, tem um quê de renovação, também... :)

hathor, exacto. acho que todos podem... :)

hug, acho que passa por aí, sim. sem verdades absolutas. :)

remexido, não gosto da palavra difícil, não por não concordar com ela mas porque gosto de a evitar. pelo menos no Amor. :)

janine bettencourt, é engraçado falares na incerteza. estou convencido que a incerteza é um dos mais fortes pilares duma relação. :)

Briseis disse...

Ora bolas... então a moral da história é: não se enganem, meus filhos, que a coisa vai sempre dar para o torto... Mau...

Anónimo disse...

Eu podia ser a Ana... Estou a viver a parte da separação natural...


carla

Ivar C disse...

briseis, para além de eu não gostar de moral nas histórias, essa não é a mensagem. :)

carla, e poderás vir a ser mais Anas, o que é bom. :)

Rana disse...

O amor é um desafio e está sempre em constante mudança. O segredo é mantê-lo.
No amor existem doações, cedências, adaptações.
O amor emerge e por vezes transborda em suspiros, desenhos, fotografias e outras formas.
Gostei muito.

Ana disse...

isto deixou-me mesmo triste...

Ivar C disse...

rana, isso mesmo. obrigado. :)

ana, não era suposto, pelo menos para mim. não o escrevi porque não me apeteceu ser óbvio, mas acho que o que interessa aqui é que podemos ter uma fotografia ou um desenho só na nossa vida mas, se não o conseguirmos, não faz mal. podemos sempre desenhar ou fotografar mais. :)

violeta disse...

É verdade que também tem um quê de renovação, mas como nos andaram a vender a história do "viveram felizes para sempre" cada relaçao falhada ajuda a desacreditar essa ideia romantica...

anyway!
*Violeta

Arnaldo Amaral disse...

No entanto, usando o lápis e o papel correctos ou uma boa máquina fotográfica, poderá acabar por se conseguir fazer com que permaneça uma peça artística imaculada :)

Ivar C disse...

violeta, pois... mas de romantismo serôdio estamos nós fartos, não estamos? :)

besta artista, :)

Helena disse...

E quando falta qualquer coisa...porque algo não funciona...não vale a pena!

Ivar C disse...

maria, normalmente não vale a pena, não. :)

Fatyly disse...

O desenho ou a fotografia (belas metáforas) existem e ficam imóveis, ao olharmos é a nossa cabeça que lhe dá vida numa beleza inovadora e consegue destruir algo que o tempo corroi nas relações: a rotina e sentimentos doentios, como o ciúme!

Gostei imenso. Foi o que eu senti e desculpa se interpretei mal!

Ivar C disse...

fatyly, obrigado. e gostei da forma como viste isto. :)

Lima e Tequilla disse...

Adorei o texto =)

Ivar C disse...

lima e tequilla, obrigado. :)