crónicas de engate (3)
lugares
Lugares. É só um bar despovoado, aquele lugar onde ao balcão um homem petrifica o olhar num calendário perdido no tempo e vai bebendo um uísque morno e silencioso. Nos bancos envelhecidos estão sentadas memórias embriagadas de engates baratos e de amigos que já não o são. Talvez por isso, num monólogo regado pelo álcool, entenda agora que ter voltado àquele lugar não significa ter voltado ao seu coração. Aliás, acha que há muito tempo se perdeu nesse caminho de regresso.
Lugares de regresso. Os lugares não são só espaços definidos por coordenadas. Uma mulher é um lugar, um momento é um lugar, um regresso é um lugar. Até aquele copo de uísque é um lugar onde agora finíssimas lâminas de luz atravessam os buracos da persiana dum quarto no prolongamento dum bocejo matinal, e onde numa cama uma mulher com quem fez amor toda a noite lhe pergunta agora o nome. O nome? Não interessa o nome, pois não? Que não, responde ela: era só para saber.
Era só para saber e ele não lhes sabia o nome. Sabia-lhes o cheiro, sabia-lhes o toque macio da pele, sabia-lhes os seios e as vaginas, sabia-lhes os cabelos e os risinhos fazendo cócegas nos ouvidos. Sabia-lhes o preço. Sabia-lhe bem viver assim. Depois apaixonou-se debaixo dum guarda-chuva.
Um guarda-chuva é um lugar. Pelo menos ele lembra-se de um guarda-chuva ter sido um lugar, quando uma prostituta o abraçou e o protegeu do choro do céu numa noite só. Só. Os dois caminharam pela incerteza das luzes intermitentes duma avenida fria, depois pararam à porta de um prédio alto e de orgulho ferido que ela já conhecia e, dessa vez, ele quis saber-lhe o nome antes de se despedir.
Um nome é um lugar. Se nunca sabia os nomes das prostitutas que levava para a cama, porquê saber o o nome duma que o abrigou debaixo dum guarda-chuva? Porque há lugares onde queremos ficar e outros que só queremos visitar. Pelo menos é o que ele pensa agora enquanto pede mais um uísque. Mais um gole e uma gota de líquido arde-lhe na memória. Ela disse-lhe o nome e não se afastou. Depois abraçaram-se e nessa noite não fizeram amor.
O amor é um lugar. A chuva batia nervosa nesse lugar em que deram as mãos, depois os braços e depois o corpo e a alma. Como o corpo já ele muitas vezes fizera amor. Com a alma não. Lentamente fundiram-se numa bola de cuspo, de suor e de excreções libidinosas que corriam como um rio na paradisíaca paisagem dos corpos cansados. Depois adormeceram abraçados e a chuva também parou.
Lugares. Há lugares que gostávamos de voltar a visitar mas já não os encontramos no mapa. Ela foi-se embora de manhã como em todas as manhãs em que se tinha ido embora antes. Dessa vez não lhe levou dinheiro mas levou-lhe algo com mais valor: o nome.
16 comentários:
Gostei muito :)
saves, obrigado. :)
Muito intenso...Post para voltar a ler..:)
este foi um dos melhores textos que já li... Obrigada.
vou roubar.
:)
como não sei escrer senão coisas telegráficas ou de fel, vou roubar. honestamente e com link e tudo.
beijo
Não tenho muitas palavras...é que está mesmo muito bom! Gostei muito também!
Adorei, mas sexo com paixão não é sexo com amor... O amor existe? Aquele amor que nos faz tremer, ficar com a respiração alterada e só dizer coisas estupidas?
Este texto passou a ser o meu favorito do teu blog. Gostei muito!
BJS
Fantástico... o texto consegue encher-nos com o vazio presente nas personagens.
patrícia, obrigado. :)
silvia, assim coro... :)
calamity, está na boa... isso não é roubar. :)
anónimo, existe sim... embora às vezes pareça que não. :)
sayuri, obrigado. :)
emilia, obrigado. :)
jacek, obrigado. :)
Nomes e lugares que pesam 21 gramas...: )
Intenso..Muito!
Amei.
*
moleskine, obrigado. :)
AMEI... de verdade. Também conheço lugares que adorei mas já não consigo lá chegar:( Este teu cantinho também é um lugar ;)
Muito Intenso...verdadeiro...Gosto de te ler, simplesmente adorei.
Muito Intenso...verdadeiro...Gosto de te ler, simplesmente adorei.
closet, este cantinho é o meu refúgio. obrigado. :)
bela isabel, obrigado. :)
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