11.07.2012

respostas a perguntas inexistentes (227)

Parar

Se houve vezes em que andei na rua com muita pressa foram aquelas em que não tinha para onde ir, não tinha companhia nem tinha disponibilidade para contemplar fosse o que fosse. Quando não se tem nada, andando depressa parece que se tem tudo, pelo menos um destino e vontade de lá chegar.
Aprender a parar quando se está andar depressa demais para lugar nenhum é uma coisa que vem com o tempo. A mim, para além do tempo, foi uma mulher que mo ensinou. Foi por isso que nunca mais me esqueci dela.
Um dia pôs a mão dela no meu peito e disse-me para parar.

- Pára!

Estava simplesmente a fazer o jantar para os dois, depois de um dia em casa a ver filmes ao lado dela. Tinha descascado umas batatas para cozer e descongelado umas postas de pescada. Estava a cortar cebola e salsa para fazer o molho verde quando ela me perguntou o que é que eu estava a fazer.

- O jantar, claro. 
- Eu não tenho fome. Tu tens? - disse ela.
- Não tenho, mas são horas de jantar.

Senti imediatamente o quão ridículo era o que eu tinha acabado de dizer. Estava escravo do relógio e fazia o jantar da mesma forma que andava apressadamente nas ruas sem ter para onde ir, para fingir que tinha tudo quando não tinha nada. Neste caso não a tinha a ela.
Nunca a tive, de facto, mas foi ela que me ensinou a parar.

12 comentários:

Fatyly disse...

Parar é preciso e todo o ser humano tem essa necessidade e quando não atingimos "o quão é necessário" o corpo dá sinais de paragem obrigatória.

Gostei...mas inclinei-me mais para a "escravatura de rotinas".



Ivar C disse...

fatyly, a escravatura das rotinas é transversal à sociedade, de facto, e é tão difícil escapar-lhe... :)

Anónimo disse...

Mais um texto que gostei.
este "tocou cá dentro!.

é mesmo isso... apressados para não sentir o vazio!

obrigada :)

M.

Unknown disse...

Realmente nós mulheres temos mesmo o poder de marcar com apenas gestos. Os homens também, mas regra geral sao sempre mais parcos em afectos o que nos leva a procurar insistentemente aquele q nao o será e normalmente da sempre coco.

DM disse...

gosto:) e não que é verdade? tudo tem que ter regra e hora...até que um dia paramos...e começamos a viver...

James Dillon disse...

Com toda a minha retórica é extremamente curioso o quão sou ritualístico, ano após ano acordo à mesma hora, fumo a mesma marca da tabaco, na mesma ordem ao longo do dia, tomo café nos mesmos sítios dependendo da hora do dia, leio o mesmo jornal, almoço no mesmo sitio, e janto à mesma hora,

curioso,

se não o faço pareço um cão com raiva com o humor de uma javalina prenha,

tão curioso,

cumprimentos,
JD

Anónimo disse...

Parece que nunca temos ninguém de verdade

Ivar C disse...

M, eu é que agradeço a presença. :)

eva maria, lol!sempre coco... :)

dm, é por aí, sim. :)

james dillon, mas é mesmo isso. acabamos por ser escravos e precisar daquilo de que nos queremos soltar. :)

anónimo, às vezes. :)

Anónimo disse...

muito bom como sempre. :)

Ivar C disse...

anónimo, obrigado. :)

Storm disse...

Saber parar é tão necessário quanto é andar e correr. Às vezes (cada vez mais) apetece-me tirar a pilha ao relógio e deixar-me reger apenas por mim, pelas vontades mais básicas do meu ser. Não sou psiquiatra, mas se fosse, culparia o relógio de grande parte das doenças mentais que existem! :)

Ivar C disse...

storm, se calhar é mesmo... a forma como medimos o tempo. :)