5.28.2011

o método científico

Lembro-me do dia em que pus a hipótese de Amar a Márcia, mesmo sabendo que se apenas punha a hipótese de a Amar era porque não a Amava de facto. Nesse dia decidi seguir o método científico que aprendi na escola quando era criança. Problema: Não sabia se Amava Márcia. Hipótese: Talvez eu Amasse Márcia. Experiência. Sairia com Márcia uma noite e tentaria dormir com ela para ver se a Amava mesmo.
Foi a solidão que me pôs assim, a pôr hipóteses de Amor entre o vazio das paredes brancas da minha casa. Nunca punha a hipótese de Amar ninguém quando estava com um amigo a beber uma cerveja, por exemplo, mas mal entrava na minha própria casa lá vinha o silêncio que vivia comigo lembrar-me que era melhor pôr hipóteses desse tipo. A Márcia era bonita e sorria bastante, de maneira que era a hipótese mais forte. Talvez também a mais fácil ou, pelo menos, a menos difícil.
Telefonei-lhe e disse-lhe a verdade, que é o que se deve fazer quando se põe a hipótese de Amar alguém: "Esta noite gostava de sair contigo porque talvez te Ame, embora não tenha a certeza". Ela aceitou sem ripostar e combinámos em frente a casa dela, a mesma onde nunca nos tínhamos Amado, às nove da noite. Fui a pé, porque um homem não consegue evitar ter conversas estúpidas quando conduz um carro com uma mulher ao lado, e a mim acontece-me ser homem. Acho que é qualquer coisa no subconsciente que desperta quando pegamos no volante. Conduzimos apenas um automóvel mas achamos que conduzimos o mundo.
Percorremos essa noite de bar em bar, como um barco à deriva em pequenas e despovoadas ilhas. Começámos por ter conversas sérias e sóbrias, depois passámos a ter conversas sem nexo embriagadas e acabámos a ter conversas sérias embriagadas. Foi numa dessas que nos beijámos a primeira vez. Aliás, as conversas sérias e embriagadas são sempre as melhores para um primeiro beijo.
Pareceu-me que os candeeiros públicos se apagavam quando nós passávamos perto deles, talvez para esconder da cidade o nosso abraço, os nossos beijos e as nossas mãos dadas. Talvez por isso ela não tenha acendido mais do que uma vela de cheiro quando entrámos na casa onde eu nunca a tinha Amado. Ela foi-se despir ao quarto e eu pensei perguntar-lhe porque é que as mulheres têm a mania de se despir sozinhas, se afinal de contas acabam por aparecer nuas na mesma. Mas não perguntei, que quando ela surgiu a parca luz da vela incendiou-me a memória. A do passado e a do futuro. Só me interessava o presente.
Fizemos Amor no sofá, ao som duma música qualquer que passava no andar de cima, e acordámos manhã alta com a luz que nos espreitava curiosa pelas frinchas das persianas. Não me apeteceu abraçá-la. As manhãs depois duma noite de sexo costumam ser muito esclarecedoras nesta matéria, e foi aí que me terminou a minha experiência científica. Conclusão: eu não Amava Márcia. Nem ela a mim.

22 comentários:

Sofia disse...

Quando os homens querem saber se amam uma mulher aproximam-se dela. Quando as mulheres querem saber se amam um homem afastem-se dele.

Liliana Oliveira disse...

Todos os momentos a seguir a fazer sexo são esclarecedores, mesmo que ainda seja de noite!

Ivar C disse...

sofia, ui! assim... como é que chegam lá? :)

lili, é bom saber que não adormeces a seguir ao sexo. :)

Nani disse...

Como chegamos lá? Observando e pensando sobre o que sentimos...xD
Como sempre, muito bem escrito. Pareceu-me, apesar de não se amarem, uma noite muito divertida xD

Drinha disse...

Se fosse tão fácil reduzir o que não sabemos sentir a experiências cientificas isso poupava-nos imensos trabalhos...Inevitavelmente, ponderamos, re-ponderamos e depois se nos sentirmos só temos aquela tendência para achar que até pode estar ali a pessoa certa...quando até não está!

jmdamas disse...

Boa história. Seria interessante ler a mesma história contada do ponto de vista da Márcia ;)

Sofia disse...

Percebendo a falta que sentimos dele :)

a Tal disse...

Se trocares o verbo amar por 'f*der' por todo o texto, faz todo o sentido.
Daí a diferença entre sexo e amor.

Não achas?


**

Ivar C disse...

nani, divertida foi. :)

drinha, exacto... tentar não custa. :)

jmdamas, a Márcia acha o mesmo que eu. pelo menos quando está com os copos. :)

sofia, :)

a tal, por acaso não acho. :)

Fatyly disse...

Deves ter uma costela de Thomas Edison:):):)

Gostei!

Bom domingo

Ivar C disse...

fatyly, obrigado. estive aqui a analisar as costelas e estou em condições de afirmar que são todas minhas. :)

Márcia Ribeiro disse...

Ontem vi-o por Espinho :)

Gosto muito do blog, e por sinal chamo-me Márcia

H. Santos disse...

Não há ciência para o Amor...

Não é axiomático, nasce do nada.
Não é testado com hipóteses.
Não é mensurável.
Não se conhecem todos constituintes que o formam.
Não se sabe porque existe.

E muitas outras coisas que não me ocorrem LOL

Por isso respeitamos o Amor, porque tal como a maioria das coisas que comandam a condição humana, não conseguimos explicar xD

Ivar C disse...

márcia, ontem por espinho... espero que ainda sóbrio. :)

cota, exactamente. por isso é que escrevi isto assim... :)

jmdamas disse...

Quando está com os copos... Parece-me o ideal ;) abraço!

Ivar C disse...

jmdamas, é quando dizemos a verdade. :)

Ísis disse...

Essas experiências são "interessantes" ;-)

Ivar C disse...

isis, :)

redonda disse...

Apesar de tudo, ainda estava à espera de um final feliz e surpreendente para a experiência, em que se apaixonassem mesmo...

Ivar C disse...

redonda, o final é feliz na mesma. :)

real Lisboeta | hard to find disse...

gostei. muito. gostei muito.
mas duvido sériamente do método científico seguido.

Ivar C disse...

archipelago 9, pois... eu também duvido. :)