2.18.2011

respostas a perguntas inexistentes (129)

compras

Ontem uma senhora tentou passar-me à frente no supermercado. Não a deixei passar. Primeiro posicionou-se ao meu lado e não atrás de mim como é normal numa fila daquelas. Depois, na altura exacta de começar a pôr as compras no tapete rolante, começou a fazê-lo apressadamente antes de mim, nunca cruzando o seu olhar com o meu. Com os braços abri atabalhoadamente espaço entre aquele monte de embalagens diversas e coloquei as minhas compras. Ela não disse nada, ou seja, tinha perfeita consciência que me estava a passar à frente.
O meu saco de salada ibérica passou a um euro e noventa e nove, um euro a mais do que estava marcado na prateleira. Protestei e pedi para verificarem o preço, o que demorou uns quatro ou cinco minutos. A empregada da caixa pediu-me desculpa pela demora e eu respondi que não fazia mal, até porque não estava com pressa. Os olhos da senhora incharam de um ódio invisível mas pesado e começou a bufar. Eu não tinha mesmo pressa nenhuma, e bastava ela ter-me pedido para passar que eu deixava sem problema nenhum.
Enquanto eu e ela esperávamos pela confirmação do preço da minha salada, lembrei-me que uma vez, no liceu (creio que no meu oitavo ano), andei uns três meses para arranjar coragem para convidar uma miúda para sair comigo. Quando finalmente consegui, ela disse-me que ia pensar e me dizia na semana seguinte. Esperei pela semana seguinte em vão, mas como era do Amor que estava à espera, acabei por esperar também pelo mês seguinte e por todos os outros até ao fim do ano escolar, sempre à espera duma resposta que nunca chegou. Mesmo nas férias, nas poucas vezes que me cruzei com ela na rua, tive esperança que ela finalmente me dissesse alguma coisa. Nunca disse.
É estranho como perdemos a paciência tão depressa numa fila do supermercado ou num semáforo vermelho, mas pela esperança do Amor somos capazes de estar eternamente à boleia numa estrada onde nem passam carros.
E lá veio a confirmação do preço da salada. Eu tinha razão, mas a empregada não podia sozinha alterar o preço por uma questão técnica qualquer (pareceu-me que precisava dum login informático duma superiora) e pediu-me para esperar mais uns minutos. Sorri-lhe e disse-lhe que não me importava, mas nesse caso que fosse atendendo a senhora seguinte. E nestes nossos confrontos mesquinhos do dia-a-dia, em que perdemos tanto tempo de vida a sério mas nos congratulamos por não deixar que alguém nos passe à frente no supermercado, fui derrotado por uma lembrança de Amor com uns trinta anos.

31 comentários:

м disse...

muito bem visto... sempre simples, mas bom. adoro

Dejan Savićević disse...

magnifico!!!

Ana, Dona do Café disse...

:) ...e ainda bem, gosto dessas tuas lembranças. gostei.
bom fim-de-semana! *

Ivar C disse...

м♥. obrigado. :)

rui galeiras, obrigado. :)

ana dona do café, obrigado. bom fim de semana para ti. amanhã, sábado, vou andar pro Aveiro. sempre podes andar com o meu prémio no bolso... :)

sophie disse...

"É estranho como perdemos a paciência tão depressa numa fila do supermercado ou num semáforo vermelho, mas pela esperança do Amor somos capazes de estar eternamente à boleia numa estrada onde nem passam carros."

É tão verdade o que escreveste. Muito bom como sempre...


Aproveita o fim de semana!
Eu vou fazer o mesmo...

Beijinho
:)

Ivar C disse...

sophie, obrigado. bom fim de semana. :)

Rana disse...

Muito bom. Adorei. Bom fim de semana (de preferência sem chuva).

Nawita disse...

"... mas pela esperança do Amor somos capazes de estar eternamente à boleia numa estrada onde nem passam carros."
dolorosamente belo.

Apesar de tudo, da falta de civismo e das correrias do dia-a-dia, conseguiste ter boas recordações.
Gastamos demasiada energia no que menos importa, ficamos muito indignados com coisas pequeninas, mas deixamos passar monstros gigantescos, como se fossem apenas pequenas poeiras.

Anónimo disse...

Conheces a frase "a fila anda"?

Lyra

Phiona disse...

"É estranho como perdemos a paciência tão depressa numa fila do supermercado ou num semáforo vermelho, mas pela esperança do Amor somos capazes de estar eternamente à boleia numa estrada onde nem passam carros."

uma terrivel, temivel e dolorosa verdade...
era bom haver um botao onde desligar o amor e já está... :\

jg disse...

A sorte que tens em apanhar essas avantesmas atrevidas... embora tenhamos que confessar que se fosse um doce de mulher a peripécia tinha outro desenvolvimento.
Mas será crime um gajo subjugar-se a um mulherão de cortar a respiração?! É claro que não.
Até lá, as retorcidas e mal amadas terão que pagar a factura.
É que isso de ser mulher não pode ser só vantagens!

Hildmel disse...

Muito bom... o que a mente é capaz de revelar num momento em que achamos que estamos a perder tempo!!

Bom fim-de-semana

Shinobu disse...

Lol que querido. Devo dizer que nesse aspecto sou mesquinha, é aquelas coisas da vida, quando me pedem é uma coisa, agora quando me põem a dar com o ombro para me passarem à frente (o que acontece muito na minha escola) começo a fazer o mesmo e não deixo a força toda, fazendo disto uma luta de mesquisse implacável. Mas fico feliz.

H. Santos disse...

também estou a espera duma resposta dessas, mas se for para demorar tanto tempo, já esqueci o assunto... até porque quem quer, quer e não faz tempo =X

Cat disse...

Acho que não foste derrotado por esperança nenhuma. Sem intenção acho que mostraste á senhora ter mais decência e moral do que ela. Podias tê-la deixado á espera mais um bocado mas não o fizeste.

Fatyly disse...

Já vários comentadores fizeram referência a este parágrafo, mas também vou fazer:

"É estranho como perdemos a paciência tão depressa numa fila do supermercado ou num semáforo vermelho, mas pela esperança do Amor somos capazes de estar eternamente à boleia numa estrada onde nem passam carros." e acrescentaria à "paciência" a tal perca de tempo com ninharias que depois aplicam a velha frase: não tenho tempo para nada!

Gostei!

Ivar C disse...

rana, obrigado. bom fim de semana. :)

nawita, é mesmo isso. gastamos muita energia em coisa nenhuma. :)

lyra, nunca lhe dei importância. :)

phiona, se houvesse, estávamos sempre a ligá-lo. :)

jg, crime não é certamente. :)

hildmel, obrigado. bom fim de semana. :)

daniela pereira, acho que às vezes a nossa vida é feita só desse encontrões. :)

cota, e as indecisões? :)

cat, podia. o pior é que acho que é o que eu faria normalmente... :)

Briseis disse...

Oh...ele há gente com uma lata obscena...lol
Mas ao menos trouxe essa boa lembrança! A razão pela qual se perde a paciência no supermercado e no Amor não, é simplesmente saber que, no Amor, a espera pode resultar em algo delicioso... e deixar passar a senhora na fila, nem por isso! =)

Ivar C disse...

b, mas também nos ajuda a perceber que a senhora no supermercado é uma questão menor. :)

Anónimo disse...

Boa lição. O chico espertismo saloio e boçal consegue me tirar do sério. Deste lhe uma excelente licão.
EJSantos

Sónia disse...

Roubei um bocadinho deste texto....mas identifiquei a fonte! Espero que não te importes.

Magui disse...

Sempre que algo é importante para nós, sabemos sempre esperar. No supermercado o importante era o respeito(em vias de extinção), que se tivesse havido tambem esperavas, como não houve teve o que mereceu.
No amor o importante é ser amado, logo não importa o tempo que se espera, e a espera durará enquanto durarar a esperança de o ser.

Ivar C disse...

ejsantos, :)

sónia, obrigado. :)

magui, :)

Helena disse...

:)
Ontem deu um filme que retrata a situação que descreveu: "Ele não está assim tão interesado"- mas pelo contrário, o homem deu passagem a uma rapariga ;) e "perdeu" a hipótese de ganhar uma lancheira, pq ela foi a cliente nº 1000. :)

Eu perco a minha cabeça quando me passam à frente nos transportes públicos, eu que sou tão educada e pacífica...fico uma pessoa totalmente irritada, tudo pq não nos pedem...e fazem exactamente esse olhar como se fossemos invisíveis!

Vale sempre a pena esperar pelo Amor!:)

Veronique disse...

Oh, what a great post! <3

crise disse...

Muito bom .

Ivar C disse...

maria, nunca vi esse filme, caramba! :)

veronique, obrigado. :)

crise, obrigado. :)

Andreia Ressurreição disse...

Lá está quando pedem as pessoas normalmente deixam...acho é um "piadão" às velhotas que gostam de passar à frente só pq sim, não pedem e quando são chamadas à atenção não gostam mas quando é pessoal novo são todos uns mal educados, mas elas é só pq são velhotas e já não há respeito pelos mais velhos...

Ivar C disse...

bruxinha, por acaso também não simpatizo nada com essa coisa dos "mais velhos". uma coisa é respeito, outra é submissão. :)

Malena disse...

Odeio que me passem á frente nas filas!! Já me zanguei muitas vezes por causa disso!

As lembranças de amor adoçam-nos sempre! :)

Ivar C disse...

malena, eu também já me zanguei muitas vezes, mas vou tentar zangar-me menos. :)